Mesmo tendo cumprido a profecia do ex-chanceler Ernesto Araújo ao transformar a si e ao Brasil em párias internacionais, o ainda presidente desta banânia comemora o fato de "ser disputado" por três partidos.
Em seu périplo turístico pela
Europa, durante a passagem pela cidade italiana de Anguillara Veneta —
terra de seus antepassados —, jactou-se nosso intrépido capitão: "São
três namoradas, vamos assim dizer. Duas vão ficar chateadas. O PRB, antigo nome
do Republicanos, o PL, e o PP. Cada dia um tá na frente na bolsa de apostas."
Após deixar o PSL e desistir de fundar sua própria legenda, o "mito" dos bolsomínions aninhou-se no Centrão e mantém com as siglas do grupo um relacionamento aberto, no qual ninguém é de ninguém e o Tesouro Nacional é de todos (de todos eles, bem entendido). No entanto, por uma estapafúrdia exigência de nossa estapafúrdia legislação eleitoral, Bolsonaro terá de se filiar a um partido para disputar a reeleição.
Anteontem, ele teria escolhido o PP de Ciro
Nogueira e Arthur Lira, campeão no ranking de encrencados do falecido
petrolão; hoje, optaria pelo PL do ex-presidiário do mensalão Valdemar
Costa Neto; amanhã, porém, nada impede que caia nos braços do Republicanos,
ramificação política da igreja Universal. Qualquer que seja a legenda
escolhida, o cruzamento resultará em filhos com a feiura do Centrão e a
esperteza do capitão. Ou vice-versa. Há de tudo neste namoro coletivo, exceto
interesse público.
O sistema político-eleitoral brasileiro, como as engenharias
de qualidade duvidosa, tem uma falha estrutural: o processo de escolha dos
governantes procura contornar o debate sobre o que farão caso eleitos. E isso é
potencializado pela esperteza dos diretamente interessados: quanto menos se
antecipa o plano de ação, teoricamente mais liberdade de ação haverá.
A eleição brasileira de 2022 ameaça ser um caso típico. O
espectro político está dividido em três grandes campos. Uns querem evitar a
volta do ex-presidiário de Curitiba — ora com a ficha suja lavada a seco e gozando
da estranha condição de ex-corrupto. Outros desejam impedir a continuidade do
Messias que não miracula, que caga para a CPI e que tanto mal fez ao
Brasil durante seus quase 3 anos no Planalto. Outros ainda propõem ao eleitor
derrotar ambos — o que significa escolher algo ainda desconhecido, mas que,
segundo esse campo, certamente será preferível às duas alternativas.
Vale destacar que uma situação análoga — falo do pleito
plebiscitário de 2018 — obrigou-nos a apoiar o capetão para evitar a volta do
presidiário, ainda que travestido num patético bonifrate. O problema é que
trocamos o lulopetismo corrupto pelo bolsonarismo boçal.
Os políticos estão apenas escolhendo o caminho aparentemente
mais fácil. Embora eu impute a culpa dessa desgraça ao "esclarecidíssimo eleitorado
tupiniquim", é preciso levar em conta que, em situações como a do segundo
turno de 2018, só restou ao votante, diante do descalabro geral, votar no
“novo” (real ou construído no imaginário) em contraposição ao “velho”. Mas o
problema com as consequências é que elas vêm depois, e a conta tem sido pesada.
A experiência brasileira com a democracia representativa
instituída em 1984-85 não vem sendo boa. Os donos da pátria declaram dia sim
outro também o apreço pela Carta de 1988, mas o produto do sistema por ela
formalizado é uma cena persistente de baixo crescimento econômico, resiliência
da desigualdade social e desorganização política.
Qual a conexão entre um método de escolha dos governantes
baseado na rejeição e as imensas dificuldades para enfrentar os desafios
históricos do Brasil? Toda. Um poder político não se sustenta só no
convencimento pela força, precisa da força do convencimento. O processo de
escolha do líder é a oportunidade para reunir a musculatura política necessária
ao enfrentamento de interesses encastelados na economia e na política.
O governante que se acha esperto, e surfa só a rejeição do
outro para ascender, enxerga rapidamente nos espelhos do palácio a imagem de um
pato-manco prematuro, ocupado somente em sobreviver, enquanto observa o poder
de decisão sobre as políticas governamentais ser retalhado por concorrentes que
não foram eleitos para tal, mas reinam, por antiguidade, sobre o Estado real. E
o problema se multiplica quando, por erros ou circunstâncias, tanto faz, ele
entra num ciclo de dificuldades novas e crescentes. É a hora em que talvez olhe
para trás e note a sabedoria do ditado, que dizem ser mineiro e segundo o qual "esperteza
quando é muita vira bicho e come o dono".
Bolsonaro é cortejado mesmo ostentando taxa de
reprovação de 53% e rejeição eleitoral de 59% no Datafolha. Por quê?
Avalia-se que as verbas que o presidente tem a oferecer financiarão a eleição
de grandes bancadas na Câmara. O tamanho da mordida nos fundos partidário e
eleitoral é proporcional à dimensão da bancada de deputados federais. De resto,
quanto maior for o número de cadeiras no Legislativo, mais incontornável será a
chantagem fisiológica a ser feita ao próximo presidente, seja ele quem for.
As legendas namoram Bolsonaro de olho no patrimônio,
não no matrimônio. "Quem anda com lobo, lobo vira, lobo é",
uivou o delator do mensalão Roberto Jefferson depois que o seu PTB
foi excluído do páreo. Jefferson insinua que a via monetária tem mão
dupla. Sustenta que Bolsonaro e sua prole adquiriram o "vício
nas facilidades do dinheiro público". Impossível discutir com um
especialista.
Com Alon Feuerwerker e Josias de Souza