quinta-feira, 18 de novembro de 2021

OS HUMORISTAS, OS PALHAÇOS E UMA COMÉDIA CHAMADA BRASIL


Antes de se tornarem párias mundiais graças ao pajé da cloroquina, os brasileiros eram tidos como um povo alegre, hospitaleiro, useiro e vezeiro em fazer troça das próprias mazelas. Mas a diferença entre o humorista e o palhaço é que o humorista faz a plateia rir com ele e o palhaço, a rir dele.

O jogo da política trocou o tabuleiro pelo picadeiro. A função custa caro, mas isso não é problema para general da banda e seu staff, já que quem paga a conta é a ospália — não a que se exibe no picadeiro, mas a que fica na arquibancada batendo os cascos.

Depois de fazer um périplo pela Europa em hora de expediente, o Rei do Bolsonaristão viajou para as Arábias com o príncipe herdeiro et caterva. Em discurso a investidores em Dubai, sua alteza distorceu dados sobre o desmatamento da Amazônia e afirmou que a floresta brasileira não pega fogo por ser úmida, embora até as emas do Alvorada saibam que queimadas e desmatamento têm batido recordes sucessivos durante sua despirocada gestão.

Segundo o filósofo e professor Mario Sergio Cortella, "filosofar é pensar sobre por que as coisas são, pois a resposta sobre como elas são vem da Ciência". Em se tratando de Bolsonaro, de nada adianta pensar, pois não há o que entender.

Após regurgitar suas sandices — ou "espalhar fezes", como diz o senador que foi chamado de "cara de capivara" —, o mestre de cerimônias do circo marambaia, que não tem a mínima condição de presidir seja lá o que for, encerrou seu périplo pelas Arábias com um passeio de moto no Catar.

É um mistério que o verdugo do Planalto ainda conte com apoio popular (cerca de 20%, segundo o Globo). A explicação, a julgar pelos resultados das pesquisas de intenção de voto, é que o problema não está na péssima qualidade dos políticos, mas no eleitorado ignorante, que faz sempre as piores escolhas.

O escritor Mário Sabino pondera que, na imprensa, a oposição aos "moristas" é a dos humoristas, e que a raiva de muitos jornalistas com a candidatura de Moro é tamanha que a coisa chega a ser engraçada. Acusam o ex-juiz de parcial, traidor, autoritário, fraudador, sem palavra, maquiavélico, e por aí vai. Os ataques partem de petistas, bolsonaristas e daqueles que podem ser definidos como "temeristas" (para os quais o Estado de Direito equivale a manter isso aí, viu?). Mas, por ser mais numerosa nas redações e adjacências, a patuleia petralha faz mais barulho (tudo sempre sob o manto da imparcialidade jornalística, claro, porque petista não é besta de dizer que tem lado).

Lula está na Europa, em cumprimento a mais um de seus deveres de marketing eleitoreiro. En passant, "o cara" — como o definiu Barack Obama, então em sua augusta posição — aproveita para atacar Moro. De acordo com o ex-presidiário e ex-corrupto, o ex-juiz "anda com vergonha pelas ruas".

É natural que o virtual pré-candidato de esquerda à Presidência desta banânia prefira circular pela Cidade Luz, alavancado por olhares de adoração de toda aquela gente que faz o tipo “europeu de esquerda”, a amassar barro no interior da Paraíba. Para ele, que enfrenta um tempo de chuva e frio por aqui — onde não pode sair na rua com medo de vaia —, mais esse passeio de milionário pela Europa, com tudo pago e tratamento cinco estrelas, é o que pode acontecer de mais gostoso no momento.

Durante uns dias, pelo menos, a autodeclarada "alma viva mais honesta do Brasil" vivenciará uma das fantasias preferidas da esquerda de país rico: a de que ele é um herói da classe operária, que nunca cumpriu pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, nunca se meteu com empreiteiro de obra, nem jamais teve em seu governo ministro que delatou crimes de ladroagem e devolveu dinheiro roubado.

Onde mais se pode viver esse tipo de conto de fadas? Só mesmo lá, onde 30 anos de propaganda na mídia e a necessidade de criar heróis populares vindos de terras distantes (Mandela, etc.) fizeram do parteiro do Brasil maravilha uma espécie de santo padroeiro de tudo aquilo que a esquerda europeia mais gosta. Por lá, ele é o homem que “acaba com a pobreza” (embora, por alguma razão, nunca tenha acabado com os pobres). O cara que defende os índios, salva os quilombolas e os transgêneros. O salvador da pátria que faz reforma agrária, protege florestas, nascentes e a ararinha-azul, além de combater — com as próprias mãos e o risco da própria vida — o “capitalismo selvagem”. Campanha eleitoral assim dá gosto de fazer.

No Brasil, Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann fazem sua parte. Em entrevista ao UOL, o ex-preposto e eterno bonifrate do rebotalho pernambucano disse que Moro, ao fim dos processos de Lula na Lava-Jatofoi o grande condenado. Segundo ele, o ex-juiz não tem “condições morais” para disputar a Presidência. "Coxa" — codinome que identificava a petista no departamento de propinas da Odebrecht — atribui ao ex-juiz os problemas da Petrobras e, consequentemente, os reajustes nos preços do gás de cozinha e dos combustíveis. Em declarações para a Folha, ela afirmou que as mudanças na política de preços da estatal brasileira foram causadas pelas ações de Moro, e que ele “fragilizou a Petrobras”.

Horas mais tarde, pelo Twitter, o ex-magistrado rebateu: “A Petrobras foi saqueada durante o governo do PT com bilhões de dólares em prejuízo. A empresa quase quebrou. Transformar bandidos em heróis e atribuir culpa a quem combateu o crime é estratégia para se alterar a verdade e inverter valores. Não vão enganar o povo brasileiro”.

Para a súcia vermelha, Moro “já foi condenado”.