Antes de se tornarem párias mundiais graças ao pajé da cloroquina, os brasileiros eram tidos como um povo alegre, hospitaleiro, useiro e vezeiro em fazer troça das próprias mazelas. Mas a diferença entre o humorista e o palhaço é que o humorista faz a plateia rir com ele e o palhaço, a rir dele.
O jogo da política trocou o tabuleiro pelo picadeiro. A
função custa caro, mas isso não é problema para general da banda e seu staff, já
que quem paga a conta é a ospália — não a que se exibe no picadeiro, mas a que
fica na arquibancada batendo os cascos.
Depois de fazer um périplo pela Europa em hora de expediente,
o Rei do Bolsonaristão viajou para as Arábias com o príncipe herdeiro et
caterva. Em discurso a
investidores em Dubai, sua alteza distorceu dados sobre o desmatamento
da Amazônia e afirmou que a floresta
brasileira não pega fogo por ser úmida, embora até as emas do Alvorada
saibam que queimadas e desmatamento têm batido recordes sucessivos durante sua
despirocada gestão.
Segundo o filósofo e professor Mario Sergio Cortella, "filosofar
é pensar sobre por que as coisas são, pois a resposta sobre como elas são vem
da Ciência". Em se tratando de Bolsonaro, de nada adianta
pensar, pois não há o que entender.
Após regurgitar suas sandices — ou "espalhar
fezes", como diz o senador que foi chamado de "cara
de capivara" —, o mestre de cerimônias do circo marambaia, que não
tem a mínima condição de presidir seja lá o que for, encerrou seu
périplo pelas Arábias com um passeio
de moto no Catar.
É um mistério que o verdugo do Planalto ainda conte com
apoio popular (cerca
de 20%, segundo o Globo). A explicação, a julgar pelos resultados das
pesquisas de intenção de voto, é que o problema não está na péssima qualidade
dos políticos, mas no eleitorado ignorante, que faz sempre as piores escolhas.
O escritor Mário Sabino pondera
que, na imprensa, a oposição aos "moristas" é a dos humoristas,
e que a raiva de muitos jornalistas com a candidatura de Moro é
tamanha que a coisa chega a ser engraçada. Acusam o ex-juiz de parcial,
traidor, autoritário, fraudador, sem palavra, maquiavélico, e por aí vai. Os
ataques partem de petistas, bolsonaristas e daqueles que podem ser
definidos como "temeristas" (para os quais o Estado de
Direito equivale a manter isso aí, viu?). Mas, por ser mais
numerosa nas redações e adjacências, a patuleia petralha faz mais barulho (tudo
sempre sob o manto da imparcialidade jornalística, claro, porque petista não é
besta de dizer que tem lado).
Lula está
na Europa, em cumprimento a mais um de seus deveres de marketing
eleitoreiro. En passant, "o
cara" — como o definiu Barack Obama, então em sua augusta
posição — aproveita para atacar Moro.
De acordo com o ex-presidiário e ex-corrupto, o ex-juiz "anda
com vergonha pelas ruas".
É natural que o virtual pré-candidato de esquerda à
Presidência desta banânia prefira circular pela Cidade Luz, alavancado por
olhares de adoração de toda aquela gente que faz o tipo “europeu de esquerda”, a
amassar barro no interior da Paraíba. Para ele, que enfrenta um tempo de chuva
e frio por aqui — onde não pode sair na rua com medo de vaia —, mais
esse passeio de milionário pela Europa, com tudo pago e tratamento cinco
estrelas, é o que pode acontecer de mais gostoso no momento.
Durante uns dias, pelo menos, a autodeclarada "alma
viva mais honesta do Brasil" vivenciará uma das fantasias preferidas da
esquerda de país rico: a de que ele é um herói da classe operária, que nunca
cumpriu pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, nunca se meteu com
empreiteiro de obra, nem jamais teve em seu governo ministro que delatou crimes
de ladroagem e devolveu dinheiro roubado.
Onde mais se pode viver esse tipo de conto de fadas? Só
mesmo lá, onde 30 anos de propaganda na mídia e a necessidade de criar heróis
populares vindos de terras distantes (Mandela, etc.) fizeram do parteiro
do Brasil maravilha uma espécie de santo padroeiro de tudo aquilo que a
esquerda europeia mais gosta. Por lá, ele é o homem que “acaba com a pobreza”
(embora, por alguma razão, nunca tenha acabado com os pobres). O cara que defende
os índios, salva os quilombolas e os transgêneros. O salvador da pátria que faz
reforma agrária, protege florestas, nascentes e a ararinha-azul, além de
combater — com as próprias mãos e o risco da própria vida — o “capitalismo
selvagem”. Campanha eleitoral assim dá gosto de fazer.
No Brasil, Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann
fazem sua parte. Em entrevista ao UOL, o ex-preposto e eterno bonifrate do
rebotalho pernambucano disse que Moro, ao fim dos processos de Lula
na Lava-Jato, foi
o grande condenado. Segundo ele, o ex-juiz não tem “condições
morais” para disputar a Presidência. "Coxa" — codinome que
identificava a petista no departamento de propinas da Odebrecht — atribui
ao ex-juiz os problemas da Petrobras e, consequentemente, os reajustes nos
preços do gás de cozinha e dos combustíveis. Em declarações para a Folha,
ela afirmou que as mudanças na política de preços da estatal brasileira foram
causadas pelas ações de Moro, e que ele “fragilizou a Petrobras”.
Horas mais tarde, pelo Twitter, o ex-magistrado
rebateu: “A Petrobras foi saqueada durante o governo do PT com bilhões de
dólares em prejuízo. A empresa quase quebrou. Transformar bandidos em heróis e
atribuir culpa a quem combateu o crime é estratégia para se alterar a verdade e
inverter valores. Não vão enganar o povo brasileiro”.
Para a súcia vermelha, Moro “já foi condenado”.