segunda-feira, 29 de novembro de 2021

SÓ COM BOLA DE CRISTAL...



Em condições normais, um país normal não daria tanta atenção à sucessão presidencial como o Brasil vem dando a um ano do pleito. Mas nem o Brasil nem as condições podem ser considerados normais. Se fossem, populistas extremistas (de ambos os lados do espectro político ideológico), ególatras, corruptos, mentirosos e sociopatas não adentrariam a sede do executivo federal (assim mesmo, com letras minúsculas) nem mesmo como visitantes.

Lamentavelmente, uma récua de muares descerebrados apinhou o Congresso Nacional de parlamentares que não fariam feio nas hordas do PCC, e aboletou no Palácio do Planalto indivíduos da pior catadura. Sobre a alta cúpula do Judiciário, então, melhor nem falar. O que dizer de "guardiães da Constituição" que, quando não vestem a toga por cima da farda de militante, colocam os próprios interesses acima da Lei, da Justiça e dos interesses da nação? De um colegiado que o ex-ministro Sepúlveda Pertence definiu como “um arquipélago de 11 ilhas”, e que muda sua própria jurisprudência a seu talante, ao sabor dos ventos políticos partidários?

Ou não foi exatamente isso que fizeram 6 dos 11 togados em 2019, quando restaurarem o império da impunidade ao proibir o cumprimento antecipado da pena por condenados em segunda instância? Ou não foi isso que voltaram a fazer seis meses atrás, ao anular as condenações de Lula? Ou não foi o que fez a 2ª Turma na última sexta-feira, ao determinar o desbloqueio dos bens do "ex-corrupto" vermelho? Vermelhos deveriam ficar suas excelências diante da desfaçatez chapada dessas decisões teratológicas.

Ironicamente, o voto vencido no julgamento concluído na última sexta-feira foi justamente o do relator do caso. A ironia está no fato de ter sido o próprio Fachin quem propiciou o jogo de cartas marcadas que promoveu um ex-presidiário à bizarra condição de "ex-corrupto". Ainda que os motivos que o levaram a tomar essa atitude tenham sido louváveis, o resultado foi o pior possível. Voluntariamente ou não, o eminente magistrado abriu a Caixa de Pandora ao lavar a ficha imunda do criminoso de Curitiba e recolocá-lo no tabuleiro da sucessão presidencial.

Nunca é demais lembrar que, na justiça tupiniquim, o reexame de matéria fática (provas) se encerra na segunda instância. Que as cortes superiores (STJ e STF) só analisam questões de direito. Que a prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o chefe da repressão e torturador Sérgio Paranhos Fleury. Que a “Constituição Cidadã” completou o desserviço ao determinar que a presunção de inocência valesse até o trânsito em julgado da sentença (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem julgados). Que no Brasil, onde são quatro as instâncias do judiciário e há um sem-número de apelações possíveis, manter esse entendimento e permitir que criminosos endinheirados fiquem livres da cadeia até o "dia de São Nunca" ou o da prescrição (perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei), o que ocorrer primeiro

Na virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão do condenado em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, é preciso iniciar o cumprimento provisório da pena. Em 2009, quando as investigações do escândalo do mensalão ameaçavam mandar para a prisão bandidos de colarinho branco poderosos, o então ministro Eros Grau (indicado por Lula para o Supremo) defendeu a volta ao status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto. 

Em 2016, com Eros Grau já aposentado, o Supremo restabeleceu (por 6 votos a 5) o entendimento anterior. Em março de 2018, em entrevista Carlos Alberto Sardenberg, o ex-togado disse que se arrependeu do que fez, e que talvez fosse melhor a escumalha ser presa tão logo fosse condenada em primeira instância.

Também em 2018, num artigo publicado na Folha, os ministros Luís Roberto Barroso, do STF, e Rogério Eschietti, do STJ, ponderaram que um estudo considerando quase 69 mil decisões proferidas pelo STJ ao longo de dois anos derrubava o argumento de que recursos mudam os vereditos da segunda instância. A soma dos percentuais de absolvição e substituição de pena foi de apenas 1,64%; portanto, seria “ilógico moldar o sistema em função da exceção, e não da regra (...) e o STF voltar atrás nessa matéria [execução provisória da pena após condenação em segunda instância] traria pouco benefício, já que a redução do risco de ser punido manteria a atratividade do crime, desestimularia a colaboração com a Justiça e, em vez de incentivar empreendedores honestos, continuaria a favorecer quem transgride as leis penais”.

Mudando de um ponto a outro, o que se tem para hoje (e quiçá para os próximos dias) é o Ômicron, sobre o qual pouco se sabe mas muito se especula. Mesmo assim, já se fala em festa de réveillon, desfile de carnaval e outras insensatezes, como a desobrigação do uso de máscaras. Isso a despeito de ser público e notório que os baixos índices de imunização (sobretudo nos países mais pobres) propicia mutações no vírus maldito, e essa nova nova cepa coleciona 50 delas — algumas inéditas e pelo menos 30 na proteína Spike

Observação: Na África do Sul, apenas 7% das pessoas estão totalmente vacinadas, em comparação com 42% da população global. Na Europa e nos EUA, os níveis de vacinação são de 67% e 58%, respectivamente. No, Brasil, são 60% com o esquema vacinal completo. No Estado de São Paulo, 75% dos habitantes tomaram as duas doses ou a dose única — na capital paulista, o percentual é de 100%.

Voltando à questão da sucessão presidencial, saiu na noite do último sábado o resultado das conturbadas prévias do PSDB. O governador João Doria obteve 53,99% dos votos e superou seu colega gaúcho Eduardo Leite, que ficou com 44,66%, e o ex-senador e ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto, que (para supresa de ninguém) ficou com a lanterninha (1,35%). 

A disputa foi marcada por divergências entre os pré-candidatos. Ao longo da pré-campanha, Doria e Leite trocaram farpas e a demora para a conclusão da votação acabou agravando a crise. Após o anúncio do resultado, Virgílio afirmou que a prioridade será romper qualquer laço do PSDB com o bolsonarismo. Já Leite asseverou que a decisão do partido é soberana e que deseja a Dória "toda a sorte, a força, para lutar a luta que tem pela frente".

Em seu discurso, o governador paulista ressaltou realizações de figuras do PSDB e criticou Lula e Bolsonaro, seus prováveis adversários em 2022. Disse que os governos petistas representaram a captura do estado pelo maior esquema de corrupção do qual se tem notícia no país, que "a péssima gestão da economia com Dilma nos legou dois anos de recessão e desemprego". 

Sobre a gestão em curso, Doria afirmou que o "sociopata genocida" vendeu um sonho e entregou um pesadelo, que nosso país se transformou "no Brasil da discórdia, da desunião, do conflito, da briga entre familiares e amigos, da arrogância política, da violência contra a democracia, dos ataques à imprensa e a jornalistas", e que trabalhará para "vencer a corrupção e a incompetência".

Salta aos olhos, portanto, que a chamada "terceira via" — tábua de salvação para quem não quer a volta da quadrilha petista nem mais quatro anos caterva bolsonarista no Planalto — começa a se delinear no horizonte. A filiação do ex-juiz Sergio Moro ao Podemos e seus recentes discursos como candidato à Presidência levaram o PSD de Kassab a agilizar a candidatura do senador mineiro Rodrigo Pacheco, e o deputado emedebista paulista Baleia Rossi a publicar nas redes sociais que a candidata do seu partido será a senadora sul-mato-grossense Simone Tebet.

Depois que o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta achou por bem buscar uma vaga de vice ou liderar a coligação contra Bolsonaro, o União Brasil (fruto da fusão do PSL com o DEM) resolveu apoiar Moro. Já o senador Alessandro Vieira, que ganhou notoriedade durante a CPI do Genocídio, foi ungindo pré-candidato pelo Cidadania em meados de setembro. 

Isso sem falar no ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (paulista de Pindamonhangaba), que pretende tentar pela quarta vez o que não conseguiu quando disputou a Presidência em 1998, 2002 e 2018. Até mesmo o caricato Cabo Daciolo desceu do monte para repetir no ano que vem o fiasco que protagonizou em 2018. Por outro lado, não custa lembrar que esse dublê de ex-bombeiro e manequim de camisa-de-força foi mais votado que Henrique Meirelles e Marina Silva (Glória a Deus!).

Segundo O Antagonista, dirigentes petistas disseram à Folha que Bolsonaro vai para o segundo turno contra Lula e que Moro não tem chance de superar o patamar de 15% dos votos. "Coxa", como a presidente de mentirinha do partido (o de verdade é, sempre foi e sempre será o rebotalho pernambucano) era identificada nas planilhas de propinas da Odebrecht, animou a torcida a favor do sociopata: "Bolsonaro tem uma base popular muito sólida (...) o Moro tem um voto de opinião, da direita, mas não vejo uma militância como Bolsonaro tem".

Pode até ser, mas as últimas pesquisas mostraram que, no segundo turno, Moro é o candidato mais competitivo contra Lula — e, consequentemente, o oponente a ser evitado pelo ex-presidiário. O Ipespe (ex-Ibope) mediu o potencial de votos de cada um. No caso do ex-juiz, 12% dos entrevistados responderam que votariam nele “com certeza”, e outros 33% que “poderiam votar”. No total, apenas 9 pontos percentuais a menos do que o "ex-corrupto", que tem 41% das intenções de voto, mas só 13% de votos possíveis, mostrando que já bateu no teto.

Até a semana passada, os petistas ainda se consolavam dizendo que Moro é muito mais rejeitado do que Lula. A pesquisa da Modal chegou a um resultado oposto. E, na do Ipespe, 50% dos entrevistados responderam que jamais votariam em Moro — apenas 5 pontos a mais do que em Lula, que é descartado por 45%. A margem, portanto, é estreita, e o PT tem razão em torcer por Bolsonaro — e contra Moro.

Continua...