segunda-feira, 8 de novembro de 2021

VERGONHOSO É POUCO!

 

A PEC dos precatórios — que a OAB classificou de “tentativa de calote repaginada” — passou raspando. Na madruga da última quinta-feira, os nobres deputados, capitaneados pelo nobilíssimo réu que preside a Câmara, aprovaram a sem-vergonhice em questão por 312 votos a 144 — quatro a mais que os 308 necessários.

Se passar no segundo turno e for chancelada pelo senado sem modificações, a maracutaia alterará o cálculo do teto de gastos do governo e a flexibilizará o pagamento de precatórios pela União, de modo a garantir a Bolsonaro mais R$ 91,6 bilhões para torrar no ano eleitoral de 2022. Assim, o imorrível, incomível, imbrochável e intragável mandatário de festim poderá tentar sua derradeira cartada populista: comprar votos dos desassistidos, descamisados, depauperados e assemelhados mediante a promessa de lhes pagar 14 parcelas mensais sucessivas de R$ 400.

É pueril a interpretação de que os (muitos) parlamentares de oposição que apoiaram a vigarice presidencial decorreu de “infiltração” de bolsonaristas nas legendas que buscam impedir a reeleição do sultão do Bolsonaristão. Fisiologistas a mais não poder, o membros da Casa do Povo ajudaram o Planalto a abrir o caminho para obter a dinheirama retrocitada por receio de responder nas urnas pela inviabilização da versão anabolizada do agonizante Bolsa Família.

Já a intenção do capitão é de uma clareza meridiana: reproduzir nos próximos meses o "milagre da popularidade" (fugaz, diga-se) que o Corona-Voucher lhe garantiu no ano passado.  Aliás, o Auxílio Brasil nada mais é que a versão anabolizada do assistencialismo petista, que, por sua vez, foi um plágio do Bolsa-escola criado por FHC em 2001 (com o nome e ideia originalmente propostos por Cristovam Buarque em 1986.

Voltando à Câmara, nossos conspícuos representantes estão de olho nas gordas verbas prometidas a estados e municípios, nos recursos das emendas parlamentares e nos bilhões previstos para o fundo eleitoral. Com a repercussão extremamente negativa e os questionamentos na Justiça, o segundo turno da votação, marcado para a próxima terça-feira, 9, pode não seguir a tradição de confirmação do já aprovado na primeira rodada. Se passar, a batalha no Senado será difícil para o governo que, no mínimo, terá de aceitar modificações profundas no texto original.

O bolsonarismo só funciona na base do suborno. Se o STF corroborar a liminar da ministra Rosa Weber (que suspende as emendas secretas) o regime do sociopata deve implodir. Kim Kataguiri deputado pelo DEM de São Paulo, afirmou ao Estadão: "É o fim do governo Bolsonaro. Quem vende voto ficará exposto, e muito do que já foi votado ainda não foi pago, ou seja, os vendedores de voto ainda levarão calote. A melhor decisão do STF em tempos."

A aprovação da proposta é mais uma amostra do populismo fiscal do atual governo. A gestão de Bolsonaro é tão bizarra que consegue fazer com que a Direita defenda populismo fiscal e aumento de gastos, e a Esquerda, responsabilidade fiscal. "Hoje, tenho até vergonha de dizer que sou parlamentar. Não sou do time daqueles que vendem voto por cargo, que vendem voto por emenda, mas tenho a infelicidade e a vergonha de dizer que, infelizmente, a maior parte desta Casa [a Câmara] não tem princípios e valores, a maior parte desta Casa, infelizmente, tem preço. Isso é triste de se constatar, mas precisa ser dito”, disse Kataguiri.

O senador Alessandro Vieira também louvou a decisão da ministra Rosa — que, segundo ele, recoloca o Orçamento nos devidos padrões constitucionais. “A transparência é o melhor remédio para evitar desperdício e corrupção. Será possível saber, por exemplo, quem foram os beneficiários dos mais de 1 bilhão pagos nas vésperas da votação da PEC do Calote. Foi nossa luta desde o início, pois é urgente cortar o fluxo de recursos que alimentam ineficiência e corrupção. O Brasil merece uma política honesta e transparente", postou o parlamentar nas redes sociais.

De acordo com a ONG Contas Abertaso governo empenhou 3 bilhões de reais nas chamadas "emendas secretas" às vésperas das votações das PECs da Vingança e do Calote. De acordo Gil Castelo Branco, fundador da organização, "A ministra [Rosa Weber] impediu a continuidade do ‘Jabá orçamentário bilionário’. O STF confirmou o que todos sabiam. As emendas de relator são inconstitucionais. O pior e mais promíscuo instrumento de barganha entre o Executivo e o Legislativo das últimas décadas foi, enfim, interrompido pelo STF."

Na live da última quinta-feira (que durou apenas 22 minutos), o "imbrochável sem saco" não comentou a votação da PEC nem falou sobre seu depoimento à PF. Pela manhã, em conversa com apoiadores, ele afirmou que estava gripado. Durante a transmissão, Bolsonaro repetiu diversas acusações que têm feito nos últimos meses e voltou a criticar as medidas restritivas que foram adotadas por governadores e prefeitos para conter a pandemia, mas negou ter ficado isolado na reunião do G20. Disse que defendeu a posição do Brasil em relação ao meio ambiente e que o país é exemplo em preservação ambiental.

No último sábado, durante mais uma de suas motociatas (que já custaram aos cofres públicos cerca de R$ 3 milhões), o "mito" chamou o senador Omar Aziz de "cara de capivara". Em resposta, o político amazonense disse que Bolsonaro "só abre a boca para jogar fezes", e se referiu ao mandatário como "aquele carioca que tira proveito de funcionários do próprio gabinete". 

Aziz disse ainda que a imprensa "não deveria mais dar importância às declarações do presidente", e completou: "Uma pena que o Brasil seja governado por esse tipo de gente. O sentimento que eu tenho nesse momento, além de preocupação, é de pena com quem está passando fome e dificuldade." Não há como discordar.

Depois de propagar dezenas de declarações negacionistas contra a vacina e a comunidade científica, nosso indômito pajé teria concedido a si mesmo a Medalha de Ordem Nacional do Mérito Científico. Na verdade, não foi bem assim, mas, num governo que sempre sobrepôs suas versões aos fatos, já era hora de o mandatário provar do próprio veneno. Vale lembrar que, em julho passado, o presidente condecorou sua atual esposa com a Medalha de Mérito Oswaldo Cruz

Por outro lado, é verdadeira a notícia de que vinte e um cientistas escolhidos para receber a medalha de Ordem ao Mérito Científico renunciaram à indicação depois que o presidente revogou a homenagem a dois outros pesquisadores responsáveis por trabalhos que desagradaram ao governo. "A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas. Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação", diz a carta assinada pelos laureados. 

E viva o povo brasileiro.