A PEC dos precatórios — que a OAB classificou
de “tentativa
de calote repaginada” — passou raspando. Na madruga da última
quinta-feira, os nobres deputados, capitaneados pelo nobilíssimo réu que
preside a Câmara, aprovaram a sem-vergonhice em questão por 312 votos a 144
— quatro a mais que os 308 necessários.
Se passar no segundo turno e for chancelada pelo senado sem
modificações, a maracutaia alterará o cálculo do teto de gastos do
governo e a flexibilizará o pagamento de precatórios pela União,
de modo a garantir a Bolsonaro mais R$ 91,6 bilhões para torrar
no ano eleitoral de 2022. Assim, o imorrível, incomível, imbrochável e
intragável mandatário de festim poderá tentar sua derradeira cartada populista:
comprar votos dos desassistidos, descamisados, depauperados e assemelhados mediante
a promessa de lhes pagar 14 parcelas mensais sucessivas de R$ 400.
É pueril a interpretação de que os (muitos) parlamentares de
oposição que apoiaram a vigarice presidencial decorreu de “infiltração” de
bolsonaristas nas legendas que buscam impedir a reeleição do sultão do
Bolsonaristão. Fisiologistas a mais não poder, o membros da Casa do Povo ajudaram
o Planalto a abrir o caminho para obter a dinheirama retrocitada por receio de
responder nas urnas pela inviabilização da versão anabolizada do agonizante Bolsa
Família.
Já a intenção do capitão é de uma clareza meridiana:
reproduzir nos próximos meses o "milagre da popularidade" (fugaz,
diga-se) que o Corona-Voucher lhe garantiu no ano passado. Aliás, o Auxílio Brasil nada mais é que
a versão anabolizada do assistencialismo petista, que, por sua vez, foi um
plágio do Bolsa-escola criado por FHC em 2001 (com o
nome e ideia originalmente propostos por Cristovam
Buarque em 1986.
Voltando à Câmara, nossos conspícuos representantes estão de
olho nas gordas verbas prometidas a estados e municípios, nos recursos das
emendas parlamentares e nos bilhões previstos para o fundo eleitoral. Com a
repercussão extremamente negativa e os questionamentos na Justiça, o segundo
turno da votação, marcado para a próxima terça-feira, 9, pode não seguir a
tradição de confirmação do já aprovado na primeira rodada. Se passar, a batalha
no Senado será difícil para o governo que, no mínimo, terá de aceitar
modificações profundas no texto original.
O bolsonarismo só funciona na base do suborno. Se o STF
corroborar a
liminar da ministra Rosa Weber (que suspende as emendas secretas) o
regime do sociopata deve implodir. Kim Kataguiri deputado pelo DEM
de São Paulo, afirmou
ao Estadão: "É o fim do governo Bolsonaro. Quem vende
voto ficará exposto, e muito do que já foi votado ainda não foi pago, ou seja,
os vendedores de voto ainda levarão calote. A melhor decisão do STF em tempos."
A aprovação da proposta é mais uma amostra do populismo
fiscal do atual governo. A gestão de Bolsonaro é tão bizarra que
consegue fazer com que a Direita defenda populismo fiscal e aumento de gastos,
e a Esquerda, responsabilidade fiscal. "Hoje, tenho até vergonha de
dizer que sou parlamentar. Não sou do time daqueles que vendem voto por cargo,
que vendem voto por emenda, mas tenho a infelicidade e a vergonha de dizer que,
infelizmente, a maior parte desta Casa [a Câmara] não tem princípios e valores,
a maior parte desta Casa, infelizmente, tem preço. Isso é triste de se
constatar, mas precisa ser dito”, disse Kataguiri.
O senador Alessandro Vieira também louvou a decisão da
ministra Rosa — que, segundo ele, recoloca o Orçamento nos devidos
padrões constitucionais. “A transparência é o melhor remédio para
evitar desperdício e corrupção. Será possível saber, por exemplo, quem
foram os beneficiários dos mais de 1 bilhão pagos nas vésperas da votação
da PEC do Calote. Foi nossa luta desde o início, pois é
urgente cortar o fluxo de recursos que alimentam ineficiência e corrupção. O
Brasil merece uma política honesta e transparente", postou o parlamentar
nas redes sociais.
De acordo com a ONG Contas Abertas, o
governo empenhou 3 bilhões de reais nas chamadas "emendas
secretas" às vésperas das votações das PECs da Vingança e do Calote.
De acordo Gil Castelo Branco, fundador da organização, "A
ministra [Rosa Weber] impediu a continuidade do ‘Jabá orçamentário bilionário’.
O STF confirmou o que todos sabiam. As emendas de relator são
inconstitucionais. O pior e mais promíscuo instrumento de barganha entre o
Executivo e o Legislativo das últimas décadas foi, enfim, interrompido pelo STF."
Na live da última quinta-feira (que durou apenas 22 minutos), o "imbrochável sem saco" não comentou a votação da PEC nem falou sobre seu depoimento à PF. Pela manhã, em conversa com apoiadores, ele afirmou que estava gripado. Durante a transmissão, Bolsonaro repetiu diversas acusações que têm feito nos últimos meses e voltou a criticar as medidas restritivas que foram adotadas por governadores e prefeitos para conter a pandemia, mas negou ter ficado isolado na reunião do G20. Disse que defendeu a posição do Brasil em relação ao meio ambiente e que o país é exemplo em preservação ambiental.
No último sábado, durante mais uma de suas motociatas (que já custaram aos cofres públicos cerca de R$ 3 milhões), o "mito" chamou o senador Omar Aziz de "cara de capivara". Em resposta, o político amazonense disse que Bolsonaro "só abre a boca para jogar fezes", e se referiu ao mandatário como "aquele carioca que tira proveito de funcionários do próprio gabinete".
Aziz disse ainda que a imprensa "não deveria mais dar
importância às declarações do presidente", e completou: "Uma
pena que o Brasil seja governado por esse tipo de gente. O sentimento que eu
tenho nesse momento, além de preocupação, é de pena com quem está passando fome
e dificuldade." Não há como discordar.
Depois de propagar dezenas de declarações negacionistas contra a vacina e a comunidade científica, nosso indômito pajé teria concedido a si mesmo a Medalha de Ordem Nacional do Mérito Científico. Na verdade, não foi bem assim, mas, num governo que sempre sobrepôs suas versões aos fatos, já era hora de o mandatário provar do próprio veneno. Vale lembrar que, em julho passado, o presidente condecorou sua atual esposa com a Medalha de Mérito Oswaldo Cruz.
Por outro lado, é verdadeira a notícia de que vinte e um cientistas escolhidos para receber a medalha de Ordem ao Mérito Científico renunciaram à indicação depois que o presidente revogou a homenagem a dois outros pesquisadores responsáveis por trabalhos que desagradaram ao governo. "A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas. Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação", diz a carta assinada pelos laureados.
E viva o povo brasileiro.