segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

BOLA DE CRISTAL PRA QUÊ? — CONCLUSÃO


Em 2015, devido aos descalabros do mensalão petista e do petrolão, o STF proibiu o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Em resposta, o Congresso criou o Fundo Eleitoral, que “institucionalizou” o mensalão e mandou a conta para os “contribuintes”.

Na semana passada, a aprovação do Orçamento para 2022 aumentou o valor destinado ao financiamento de campanhas para R$ 6,7 bilhões. Apenas para o famigerado “fundão”, foram destinados R$ 4,962 bilhões — contra R$ 1,7 bilhão em 2018 e R$ 2 bilhões em 2020. 

A votação, que foi a última do Congresso antes do recesso legislativo, só aconteceu depois que líderes das duas casas legislativas e o governo fecharam um acordo para incluir na peça orçamentária um reajuste salarial a policiais federais e rodoviários  — ao custo de R$ 1,7 bilhão. Mas a maior palhaçada foi protagonizada pelo chefe do executivo. 

Em meados do ano, quando o aumento do fundo eleitoral foi cogitado, Bolsonaro tentou (mais uma vez) explicar o inexplicável e justificar o injustificável usando de desculpas esfarrapadas, meias-verdades e mentiras deslavadas. Mais recentemente, criou o veto fake — que, com seu beneplácito silencioso, foi derrubado pelo Congresso num momento em que a renda cai, a inflação sobe, quase 14 milhões de brasileiros estão no olho da rua, mais de 19 milhões de patrícios passam fome e o governo arromba o teto de gastos para financiar um auxílio de R$ 400 aos miseráveis.

Elevou-se o fundão, mas a taxa de desfaçatez do Congresso e do Planalto continua nos mesmos 100%. O novo partido de Bolsonaro liderou o movimento pela derrubada do veto, que contou com o apoio da sigla comandada pelo ministro-chefe da Casa Civil e pelo réu que preside a Câmara. O capetão disse que foi contra, mas, na prática, será beneficiário direto da queda do próprio veto, dispondo de mais dinheiro para sua campanha.

Numa evidência de que a desfaçatez não tem ideologia, votaram a favor do escárnio partidos do Centrão bolsonarista ao PT lulista. Na Câmara, onde eram necessários 257 votos para derrubar o veto, 317 deputados votaram por sua manutenção. No Senado, bastavam 41 votos, mas 53 parlamentares se associaram a essa indignidade.

Não só por isso, mas certamente também por isso, as pesquisas Datafolha e IPEC confirmaram o que era esperado: o favoritismo de Lula, a resistência de Bolsonaro e o nanismo da chamada terceira via. Mas o que deixou o Centrão em polvorosa foi o crescimento da rejeição ao presidente. Um deputado que priva da amizade de Valdemar Costa Neto, o mensaleiro e ex-presidiário que comanda o PL, disse que, desde que a reeleição foi aprovada, há 24 anos, jamais houve no Planalto um defunto, digo, um candidato ao segundo mandato tão pesado de carregar.

Segundo Josias de Souza, líderes do centrão apostam que o sultão do bananistão pressionará Paulo Guedes a elevar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600. O debate sobre o estrago de um Brumadinho eleitoral ficaria para 2023.

Guedes faz lembrar Delfin Netto, o czar da economia ajustável dos governos militares que orbitava o Poder independentemente de quem o exercesse. Convertido ao bolsonarismo, o dublê de superministro de mentirinha e comediante chicaguense (ou seria chicagano?) mostra-se mais apegado ao cargo que às ideias consagradas por Milton Friedman. Fala-se que ele será contratado pelo Portas dos Fundos ou convidado a participar do BBB depois que passar pela porta giratória deste gobierno de mierda.

Semana retrasada, o Posto Ipiranga disse ser inadmissível que um governo eleito com um programa liberal que inclui privatizações esbarre em obstáculos de outros Poderes para vender empresas estatais. Bolsonaro deve estar orgulhoso. O pupilo aprendeu direitinho a culpar os outros pela própria incompetência.

Não fosse trágica, a postura de Guedes seria cômica, mas com cerca de 13 milhões de desempregados e mais de 20 milhões de pessoas sem ter o que comer não dá para rir do vassalo-bufão do suserano-presidente, que disputa o papel de bobo da corte com um general compositor de paródias e mantém seu patrimônio em paraísos fiscais, a salvo da desgraceira local que ele próprio fomentou.

O Brasil, que durante muitos anos esteve à beira do abismo, agora está dentro do abismo. O povo experimenta cotidianamente a vivência do abismo na fila do osso, na caçamba do lixo, no desespero da mão estendida no semáforo... 

A despeito de todo o sofrimento, a turma que depende do voto popular insiste em desafiar a paciência do pessoal que vive no Brasil do abismo. E esses dois universos estão cada vez mais distantes um do outro.