A exemplo do universo e da estupidez humana, o negacionismo de Bolsonaro parece não ter limites — vale a pena ouvir a análise de Lauro Jardim e Fernando Gabeira.
Como o escorpião da fábula, o "mito" dos despirocados é incapaz de agir contra a própria natureza. Menos de três meses depois do recuo estratégico que se sucedeu ao quase-autogolpe de 7 de setembro, o lobo do Planalto despiu a pelagem de cordeiro e voltou a arreganhar os dentes para o STF.
No discurso de encerramento dos trabalhos do Judiciário — que só serão retomados em fevereiro próximo —, o ministro Luiz Roberto Barroso, atual presidente do TSE, exaltou a pronta intervenção dos togados contra os arroubos antidemocráticos de Bolsonaro.
Na visão do eminente ministro, as instituições brasileiras "resistiram" a ataques contra
o processo eleitoral e à democracia e afastaram o "fantasma do retrocesso".
Rechaçaram ameaças de fechamento do Congresso, do STF, de descumprimento
de decisões, do atraso que rondou nossas vidas ameaçadoramente. "O debate público foi dominado muitas vezes pela mentira, pela desinformação e
pelo ódio", disse Barroso, sem citar nomes nem explicar por que não foram
tomadas medidas mais incisivas para exorcizar de uma vez por todas o egum maldespachado que nos assombra desde o Palácio do Planalto.
Num país que se desse minimamente ao respeito, um presidente que é alvo de 141 pedidos de impeachment, investigado em 5 inquéritos e apontado pela CPI como autor de pelo menos 9 crimes já teria sido apeado do cargo. No Brasil, a deusa Têmis — que simboliza a Justiça — fica sentada defronte ao prédio do STF, como que para simbolizar a morosidade do Judiciário e a inércia das supremas togas. Como se sabe, uma suprema decisão tanto pode levar horas quanto anos para ser proferida, a depender do magistrado e do bandido de estimação cujo destino lhe cabe decidir.
Basta lembrar que no apagar das luzes de 2019 o plenário da Corte reverteu, por 6 votos a 5, o entendimento sobre a constitucionalidade da
prisão após condenação em segunda instância, restaurando o império da impunidade e pavimentando o caminho que levou à anulação de quatro processos contra Lula
na 13ª Vara Federal Penal de Curitiba (PR).
Mais adiante, as denúncias espúrias de Verdevaldo das Couves e seu site panfletário vieram de encomenda para que um passarinho contasse ao relator da Lava-Jato no STF (com seis anos de atraso) que o juiz Sergio Moro não tinha competência para julgar os crimes do petista. E assim os processos contra o ex-presidiário foram encaminhados para a Justiça Federal do Distrito Federal, que pautou o novo julgamento para o Dia de São Nunca. E como se essa bizarrice surreal já não bastasse, a colenda segunda turma, capitaneada pelo versão togada de Amon-Rá, sepultou a reputação do ex-juiz de Curitiba sob a lápide da parcialidade.
De fato, havia um erro na questão da competência para julgar
Lula. Todo mundo sabe que ele só poderia ser julgado numa vara onde
houvesse um juiz capaz de atestar a idoneidade do ladrão. E isso não aconteceu.
O ex-presidente foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro (duas
vezes) porque o judiciário de primeira instância, de segunda instância (TRF-4)
e de terceira instância (STJ) estava muito mal equipado, sem um único magistrado
"cumpanhêro" que pudesse compreender a complexidade desse homem bom
que assaltou o povo sem querer prejudicar ninguém. Os quase R$ 5 bilhões
devolvidos pela quadrilha do petrolão poderiam ter sido usados para comprar um
pouco mais de compreensão.
De uma hora para outra, ficou entendido que a tal vara
federal de Curitiba só podia julgar processos relacionados à Petrobras.
A OAS ganhou de Lula contratos fraudulentos com a estatal e pagou
a ele e seu bando propinas oriundas do caixa de corrupção da empreiteira. Mas
nenhum azulejo do triplex do Guarujá tinha o carimbo “Obrigado, Lula, pela
grana que nós roubamos juntos da Petrobras”.
No Brasil, uma coisa é um agente público roubar honestamente
a maior empresa pública do país porque tem o legítimo desejo de ficar rico que
nem os seus comparsas, e ou coisa é a Justiça querer diferenciar o que foi
propina decorrente da negociata e o que foi só um presentinho do amigo
empreiteiro. Obviamente, isso é questão de foro íntimo, e o ex-juiz da 13ª Vara
de Curitiba terá de responder por invasão de privacidade.
O que o STF fez ao inocentar o pai dos pobres e mãe
dos ricos foi demonstrar que o grande erro da operação Lava-Jato foi
"não saber com quem estava falando". E não foi por falta de aviso. A
intelectualidade de cabresto, a burguesia decadente, as subcelebridades e a
bandidagem do bem alertaram desde sempre os homens da lei de que para Lula
não há lei. E o escândalo do mensalão era a prova cabal disso: José
Dirceu foi preso por montar um propinoduto entre empresas estatais e o PT
para comprar deputados e outras bugigangas — e Lula saiu assobiando numa
boa, porque Dirceu era seu braço direito, mas nem todo mundo sabe o que
seu braço direito faz. Nem sua mão boba.
A Lava-Jato não quis entender isso. Recusou-se a
obedecer a lei máxima nacional segundo a qual roubar não é crime quando se é um
picareta festejado por estrelas cadentes da MPB e por uma legião de inocentes
úteis e inúteis. Ressuscitando sua lendária militância em favor de Dilmanta,
a musa dos intelectuais, o ministro Fachin sacou sua faquinha e tchum!
Adeus, roubalheira. Aí foi só correr para o abraço das togas esvoaçantes,
exuberantes como asas de urubu em perfeita coordenação para envolver e proteger
a carniça. Lula livre!
Agora ninguém segura. Se as eleições fossem hoje, o
ex-presidiário promovido a "ex-corrupto" seria eleito com 171% dos
votos, de acordo com a mais recente pesquisa do Instituto DataVenia. Aos
cidadãos de bem deste país, restam apenas duas opções: arrumar um padrinho na
cleptocracia ou levantar a bunda do sofá e avisar que não vão permitir que essa
escumalha volte a assalta-los.
Triste Brasil.
Com Guilherme Fiuza