O ex-presidiário Lula, candidato das esquerdas brasileiras e mundiais à Presidência da República em 2022, tem um problem com a democracia que não resolveu em 40 anos de vida na política nem vai resolver até a eleição de 2022. E nem depois. E o motivo para isso é o mais descomplicado que poderia haver: ele não consegue se entender com a ideia de democracia porque, em primeiro lugar, não aceita a prática da liberdade individual nem admite que alguém pense de modo diferente do seu — se pensar, é bandido safado de direita. Em segundo lugar, está claro desde sempre que o que ele gosta, mesmo, é de uma boa ditadura — é a favor, com devoção de beato, de todas as que estão por aí.
Lula não consegue ouvir a palavra “Cuba” sem fazer de pronto um discurso de palanque para explicar que todas as barbaridades do sistema, da repressão policial à calamidade permanente da economia, não existem — ou, se existem, não têm nada a ver com o governo. É sempre a mesma ladainha. Cuba precisa de “mais tempo” para resolver os seus problemas — não resolveu nenhum, em 60 anos de regime comunista, mas precisa de “tempo”. Oposição? Segundo o evangelho de S. Lula ela não vai melhorar os índices de democracia de Cuba reclamando do governo. Repressão policial? Isso existe em todos os países do mundo, diz ele. Mas nada se compara, em sua obsessão, com o “bloqueio americano”.
Cuba, segundo Lula, não tem seringas para aplicar a
vacina anticovid por causa dos Estados Unidos, e não pela incompetência
terminal do regime. É um dos países mais pobres do planeta, mas o seu sistema
econômico e político está corretíssimo; a coisa só não dá certo porque os
americanos não permitem. Cuba seria “uma Holanda” se os Estados Unidos tivessem
deixado.
Em nenhum momento passa pela cabeça do sumo pontífice da seita do inferno que Cuba não é uma Holanda porque é governada de uma maneira que a impede, materialmente, de ser uma Holanda. Se os Estados Unidos não querem vender (ou dar) seringas a Cuba, por que o governo não vai comprar de algum dos outros 200 países do mundo?
É incompreensível, também, que, em 60
anos de comunismo, Cuba continue a depender da economia americana para tudo —
se os Estados Unidos não compram nem vendem, o país não funciona. Já não teria
dado tempo para Cuba, a inimiga número 1 do “imperialismo”, construir a sua
independência econômica? É a mesma conversa com Venezuela e Nicarágua: nenhum
dos dois regimes tem culpa de nada que acontece por lá. Para Lula,
governo ruim só existe no Brasil. E quando o PT não está no poder,
naturalmente.
Na visão sempre acurada de Eliane Cantanhêde, a um
ano das eleições, com os pré-candidatos em busca de um lugar ao sol, há uma
profusão de blefes por todos os lados. É hora de ouvir, mas não de acreditar no
que eles dizem e no que os partidos anunciam como líquido e certo.
Bolsonaro anuncia que o PL vai fazer alianças com partidos de esquerda; Lula diz que não cometeu crime algum, tanto é que foi inocentado; Moro nega que seja "o Bolsonaro de 2022"; e Ciro Gomes jura que vai até o fim.
No segundo pelotão, Doria, Leite e Virgílio fazem juras de amor eterno; Rodrigo Pacheco e Simone Tebet se apresentam como candidatos para valer; e Mandetta, que desistiu de sua pré-candidatura, agora diz que não desistiu.
Será?
Segundo Bolsonaro, tudo bem o PL se aliar a
processados, condenados e presos, mas com a esquerda não pode. E se, lá pelas
tantas, o capetão perder fôlego e sua ida ao segundo turno estiver ameaçada, os
candidatos do PL vão morrer na praia com ele?
Em 2018, o Centrão fechou com Alckmin, mas Ciro
Nogueira bandeou para o PT no Piauí e para Lula na eleição
presidencial. Depois, abocanhou “a alma” do desgoverno ainda em curso. Quanto a
Lula: o petrolão foi uma invenção de Moro e dos procuradores de
Curitiba? E os bilhões de reais devolvidos pelos acusados? Mais: os processos
voltaram à estaca zero por (uma absurda) tecnicidade jurídica. Lula não
foi “inocentado”.
Na outra ponta, Moro será cobrado pelas conversas com
procuradores divulgadas pelo Intercept de Verdevaldo das Couves e
vai ter trabalho para negar que seja o “Bolsonaro de 2022”. A corrupção
já seria sua bandeira natural, o liberalismo ele agregou com Affonso Celso
Pastore, e agora ele recolhe os náufragos do bolsonarismo, como os
militares e ex-ministros do governo.
Ciro tem recall e o melhor marqueteiro, mas não cola nem
decola. O que, aliás, preocupa todo o centro, pois ele ajuda a segurar a onda
da esquerda para o petralha. Simone, trunfo do MDB para ficar no
muro, traz uma voz feminina para o debate e é opção de vice. Pacheco
ganha visibilidade, o PSD ganha tempo e o PSDB entra em campo com
Doria e com dois desafios: evitar a implosão do tucanistão e liderar o
centro após o vexame das prévias e da guerra entre ele e Leite.
A eleição tem Lula, Bolsonaro e todos os
demais, que negociam uma opção para o País que nem faça loas a Pinochet
e Stroessner, nem defenda Maduro e Ortega. Para o
presidente do PSDB, Moro é um “catalisador do centro e vai
jogar junto”. Junto com quem? Com todos da terceira via. Isso não é blefe.
Fácil não é. Mas impossível também não.
Com J.R. Guzzo e Eliane Cantanhêde