Em sua coluna na revista Veja, o jornalista e comentarista político Ricardo Rangel anotou que menos de duas semanas depois de Sergio Moro lançar sua candidatura as pesquisas já indicavam que ele havia atingido os dois dígitos nos índices de intenção de voto. Sem embargo — e para me manter fiel ao título desta postagem —, só com bola de cristal para saber a que patamar o candidato do Podemos chegará.
Tudo indica que Moro tem bastante espaço para crescer
e potencial para tirar votos tanto do postulante à reeleição quanto do centro. O
problema é que, se tirar mais votos do centro, ele inviabiliza a terceira via e
entrega o segundo turno ao capetão; se tirar mais votos à direita, inviabiliza
o capetão e enfrenta o demiurgo de Garanhuns.
Moro precisa de discurso de direita que atraia
eleitores do mito dos descerebrados.
Isso explica, por exemplo, o
convite ao senador Marcos do Val — que defende excludente de ilicitude
(ou seja, licença para a polícia matar) e foi participante eventual da tropa de
choque verdugo na CPI do Genocídio — para colaborar na área de
segurança. Mas, como se costuma dizer, a diferença entre o remédio e o veneno
está na dosagem. Se não mostrar moderação, o ex-juiz não consegue votos ao
centro — daí ele vir falando em injustiça
social, educação, desmatamento.
Idealmente, os opositores da dicotomia infernal — que o
diabo sem dedo nem rabo plantou com seu abjeto "nós
contra eles", os tucanos regaram alegremente e o os sectários do
bolsonarismo boçal estrumaram à saciedade — deveriam se unir em torno do
candidato que mais chances tiver de derrotar o sultão do bananistão. Mas, depois
da guerra
fratricida das prévias do PSDB, não se sabe sequer se o candidato
vencedor conseguirá unir o tucanato.
Ciro Gomes, o cearense
de Pindamonhangaba, é um perdedor
profissional. A direita não vota nele, a esquerda prefere o
ex-presidiário de Curitiba e os liberais torcem o nariz a seu
desenvolvimentismo demagógico. Por mal de seus pecados, a entrada de Moro
no jogo irá fatalmente emparedá-lo. E outros candidatos tendem a ser
abandonados por seus próprios partidos.
É previsível que bolsonaristas e petistas (duas
faces da mesma merda, digo, da mesma moeda) deixem de lado os
ataques mútuos de lado para lançar sobre o ex-juiz da extinta
Lava-Jato (que Deus a tenha) seu bombardeio digital, mas só com bola de
cristal para prever quão eficaz será essa artilharia. Até porque não há muita
munição.
O capetão acusará
seu ex-ministro de traição — embora seja público e notório que o
traidor nessa história foi o Messias de pés de barro. Já o cururu
barbudo dirá que seu algoz torceu a lei para pô-lo na cadeia, mas só o núcleo
duro do lulopetismo bota fé na inocência do sumo pontífice da seita
do inferno.
A artilharia pode sair pela culatra e acabar fortalecendo a campanha
de Moro. Se jogar bem suas cartas, o ex-magistrado pode arrebanhar votos
dos bolsonaristas arrependidos, da direita que nunca gostou do duble de mau
militar e parlamentar
medíocre, e até de eleitores de que já se conformavam com a ideia
(repugnante) de tapar o nariz e votar no nhô-ruim para impedir a reeleição do nhô-pior.
Se conseguir isso — o que não é pouco — Moro terá
ainda de derrotar o ex-presidiário
"ex-corrupto". Em 2018, entre diversos fatores que laboraram
em prol do candidato vitorioso — como o atentado
em Juiz de Fora, que nos
desobrigou de assistir à pulverização de um discursista tartamudeante nos
debates televisivos —, o candidato dos petralhas era um dublê de
preposto e boneco
de ventríloquo do presidiário de Curitiba. Agora, a menos que o
imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o oponente a
ser derrotado não é um mero capeta, mas o próprio Satanás.
Ressalte-se que a candidatura de Moro é muito mais
palatável que a do morubixaba de fancaria que postula a reeleição (que Deus nos
livre dessa desgraça). Mesmo sem bola de cristal é possível antever que levará
as batatas quem estabelecer pontes com o centro e apresentar uma agenda
moderada e economicamente sensata. E isso não inclui atacar a responsabilidade
fiscal, esnobar o centro, ameaçar controlar a mídia e defender ditadores — nos
últimos dias, o PT soltou (e
depois apagou) uma nota de congratulações ao ditador Daniel Ortega,
a ex-gerentona
de araque (que não consegue juntar lé com cré) elogiou
a ditadura chinesa, e seu desprezível criador e mentor passou pano
para as ditaduras cubana e nicaraguense.
O jornalista Thomas Traumann anotou em
sua coluna que o molusco estropiado só dará ouvidos ao núcleo
duro do PT — o mesmo que gestou e pariu a “Nova
Matriz Econômica”, responsável pela devastação fiscal que levou a uma
queda de 8,5% no PIB e ao impeachment da estocadora
de vento e nefelibata da mandioca.
É um movimento curioso. O PT jamais venceu no
primeiro turno, e não há de ser agora, quando a rejeição ao picareta dos
picaretas é a mais alta da história, que isso acontecerá. Para vencer a
eleição, o partido
dos trabalhadores que não trabalham precisará do apoio ao centro, e
esse tipo de declaração não agrada ao centro.
Se é assim, por que o exterminador
do plural continua radicalizando? Parte da explicação pode ser o velho
desdém da esquerda tradicional pela democracia liberal, vista durante décadas
como instrumento de expropriação do proletariado pela burguesia. A ideia, que
sempre esteve equivocada, hoje está caduca, mas velhos hábitos demoram a
morrer.
Outra razão pode ter a ver com mágoa e rancor. Se a
democracia liberal impôs à autodeclarada
alma viva mais honesta do Brasil quase um ano e meio de cadeia,
defender a esquerda justamente no que ela tem de mais indefensável — a ditadura
— pode ter para o execrável demiurgo um doce sabor de revanche. Sua ressalva
sobre a Nicarágua, aliás, soa como recibo: “Se
o Daniel Ortega prendeu a oposição para não disputar a eleição como fizeram no
Brasil contra mim, ele está totalmente errado”.
Mas o mais provável é que seja mera tática de comunicação.
Proferir barbaridades sempre gera tráfego e engajamento nas redes — e
engajamento nas redes é fundamental para conseguir votos. A aposta é que
barbaridades causam polêmica, mas não tiram votos (basta lembrar que o capetão
apostou nas barbaridades e se deu bem em 2018).
Afinal, quem, no povão, está preocupado com o que ocorre em
países estrangeiros ou quem são os conselheiros de Lula? E, se o tiro
sair pela culatra, há tempo de sobra para o parteiro do Brasil Maravilha
fajuto(*) vestir o figurino Lulinha-paz-e-amor.
De novo.
(*) O parteiro do Brasil Maravilha; o Pai dos Pobres e
Mãe dos Ricos; o enviado pela Divina Providência para acabar com a fome,
presentear a imensidão de desvalidos com três refeições por dia e multiplicar a
fortuna dos milionários; o metalúrgico que aprendeu a falar com tanto brilho
que basta abrir a boca para iluminar o mundo de Marilena Chauí; o
filho de mãe nascida analfabeta que nem precisou estudar para ficar tão sabido
que já falta parede para tanto diploma de doutor honoris causa; o Exterminador
do Plural que inaugurou mais universidades que todos os antecessores juntos e
misturados; o migrante pernambucano que se nomeou Redentor dos Miseráveis; o
gênio da raça que proclamou a Segunda Independência ao reinventar a Petrobras e
descobrir o pré-sal; o maior dos governantes desde Tomé de Souza; o
campeão de popularidade que andou beirando os 200% de aprovação; o senhor das
urnas capaz de eleger qualquer poste para qualquer cargo; a sumidade que
ressuscitou a nação assassinada pela herança maldita; o pacificador do Oriente
Médio; o estadista que dava pitos até em presidente americano e também por isso
foi contemplado por Barack Obama com o título de "O Cara"; o
colosso que rebaixou a marolinha uma crise econômica planetária; o gigante
predestinado a conquistar o Nobel da Paz e eleger-se por aclamação
secretário-geral da ONU; o estadista que deixou o mundo boquiaberto com tanta
clarividência; o SuperMacunaíma que escapou do Mensalão e tropeçou no Petrolão; o
fundador de um Brasil imaginário; o palanque ambulante convertido em camelô de
empreiteiro; o santo-do-pau-oco que sonha ser canonizado em vida, mas que vai
prestar contas com o Diabo quando for desta para melhor — mesmo
que o Diabo deteste concorrência.
Vade retro, coisa ruim!