quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

SÓ COM BOLA DE CRISTAL... (FINAL)


Em sua coluna na revista Veja, o jornalista e comentarista político Ricardo Rangel anotou que menos de duas semanas depois de Sergio Moro lançar sua candidatura as pesquisas já indicavam que ele havia atingido os dois dígitos nos índices de intenção de voto. Sem embargo — e para me manter fiel ao título desta postagem —, só com bola de cristal para saber a que patamar o candidato do Podemos chegará.

Tudo indica que Moro tem bastante espaço para crescer e potencial para tirar votos tanto do postulante à reeleição quanto do centro. O problema é que, se tirar mais votos do centro, ele inviabiliza a terceira via e entrega o segundo turno ao capetão; se tirar mais votos à direita, inviabiliza o capetão e enfrenta o demiurgo de Garanhuns.

Moro precisa de discurso de direita que atraia eleitores do mito dos descerebrados. Isso explica, por exemplo, o convite ao senador Marcos do Val — que defende excludente de ilicitude (ou seja, licença para a polícia matar) e foi participante eventual da tropa de choque verdugo na CPI do Genocídio — para colaborar na área de segurança. Mas, como se costuma dizer, a diferença entre o remédio e o veneno está na dosagem. Se não mostrar moderação, o ex-juiz não consegue votos ao centro — daí ele vir falando em injustiça social, educação, desmatamento.

Idealmente, os opositores da dicotomia infernal — que o diabo sem dedo nem rabo plantou com seu abjeto "nós contra eles", os tucanos regaram alegremente e o os sectários do bolsonarismo boçal estrumaram à saciedade — deveriam se unir em torno do candidato que mais chances tiver de derrotar o sultão do bananistão. Mas, depois da guerra fratricida das prévias do PSDB, não se sabe sequer se o candidato vencedor conseguirá unir o tucanato.

Ciro Gomes, o cearense de Pindamonhangaba, é um perdedor profissional. A direita não vota nele, a esquerda prefere o ex-presidiário de Curitiba e os liberais torcem o nariz a seu desenvolvimentismo demagógico. Por mal de seus pecados, a entrada de Moro no jogo irá fatalmente emparedá-lo. E outros candidatos tendem a ser abandonados por seus próprios partidos.

É previsível que bolsonaristas e petistas (duas faces da mesma merda, digo, da mesma moeda) deixem de lado os ataques mútuos de lado para lançar sobre o ex-juiz da extinta Lava-Jato (que Deus a tenha) seu bombardeio digital, mas só com bola de cristal para prever quão eficaz será essa artilharia. Até porque não há muita munição.

O capetão acusará seu ex-ministro de traição — embora seja público e notório que o traidor nessa história foi o Messias de pés de barro. Já o cururu barbudo dirá que seu algoz torceu a lei para pô-lo na cadeia, mas só o núcleo duro do lulopetismo bota fé na inocência do sumo pontífice da seita do inferno.

A artilharia pode sair pela culatra e acabar fortalecendo a campanha de Moro. Se jogar bem suas cartas, o ex-magistrado pode arrebanhar votos dos bolsonaristas arrependidos, da direita que nunca gostou do duble de mau militar e parlamentar medíocre, e até de eleitores de que já se conformavam com a ideia (repugnante) de tapar o nariz e votar no nhô-ruim para impedir a reeleição do nhô-pior.

Se conseguir isso — o que não é pouco — Moro terá ainda de derrotar o ex-presidiário "ex-corrupto". Em 2018, entre diversos fatores que laboraram em prol do candidato vitorioso — como o atentado em Juiz de Fora, que nos desobrigou de assistir à pulverização de um discursista tartamudeante nos debates televisivos —, o candidato dos petralhas era um dublê de preposto e boneco de ventríloquo do presidiário de Curitiba. Agora, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o oponente a ser derrotado não é um mero capeta, mas o próprio Satanás.

Ressalte-se que a candidatura de Moro é muito mais palatável que a do morubixaba de fancaria que postula a reeleição (que Deus nos livre dessa desgraça). Mesmo sem bola de cristal é possível antever que levará as batatas quem estabelecer pontes com o centro e apresentar uma agenda moderada e economicamente sensata. E isso não inclui atacar a responsabilidade fiscal, esnobar o centro, ameaçar controlar a mídia e defender ditadores — nos últimos dias, o PT soltou (e depois apagou) uma nota de congratulações ao ditador Daniel Ortega, a ex-gerentona de araque (que não consegue juntar lé com cré) elogiou a ditadura chinesa, e seu desprezível criador e mentor passou pano para as ditaduras cubana e nicaraguense.

O jornalista Thomas Traumann anotou em sua coluna que o molusco estropiado só dará ouvidos ao núcleo duro do PT — o mesmo que gestou e pariu a “Nova Matriz Econômica”, responsável pela devastação fiscal que levou a uma queda de 8,5% no PIB e ao impeachment da estocadora de vento e nefelibata da mandioca.

É um movimento curioso. O PT jamais venceu no primeiro turno, e não há de ser agora, quando a rejeição ao picareta dos picaretas é a mais alta da história, que isso acontecerá. Para vencer a eleição, o partido dos trabalhadores que não trabalham precisará do apoio ao centro, e esse tipo de declaração não agrada ao centro.

Se é assim, por que o exterminador do plural continua radicalizando? Parte da explicação pode ser o velho desdém da esquerda tradicional pela democracia liberal, vista durante décadas como instrumento de expropriação do proletariado pela burguesia. A ideia, que sempre esteve equivocada, hoje está caduca, mas velhos hábitos demoram a morrer.

Outra razão pode ter a ver com mágoa e rancor. Se a democracia liberal impôs à autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil quase um ano e meio de cadeia, defender a esquerda justamente no que ela tem de mais indefensável — a ditadura — pode ter para o execrável demiurgo um doce sabor de revanche. Sua ressalva sobre a Nicarágua, aliás, soa como recibo: “Se o Daniel Ortega prendeu a oposição para não disputar a eleição como fizeram no Brasil contra mim, ele está totalmente errado”.

Mas o mais provável é que seja mera tática de comunicação. Proferir barbaridades sempre gera tráfego e engajamento nas redes — e engajamento nas redes é fundamental para conseguir votos. A aposta é que barbaridades causam polêmica, mas não tiram votos (basta lembrar que o capetão apostou nas barbaridades e se deu bem em 2018).

Afinal, quem, no povão, está preocupado com o que ocorre em países estrangeiros ou quem são os conselheiros de Lula? E, se o tiro sair pela culatra, há tempo de sobra para o parteiro do Brasil Maravilha fajuto(*) vestir o figurino Lulinha-paz-e-amor. De novo.

(*) O parteiro do Brasil Maravilha; o Pai dos Pobres e Mãe dos Ricos; o enviado pela Divina Providência para acabar com a fome, presentear a imensidão de desvalidos com três refeições por dia e multiplicar a fortuna dos milionários; o metalúrgico que aprendeu a falar com tanto brilho que basta abrir a boca para iluminar o mundo de Marilena Chauí; o filho de mãe nascida analfabeta que nem precisou estudar para ficar tão sabido que já falta parede para tanto diploma de doutor honoris causa; o Exterminador do Plural que inaugurou mais universidades que todos os antecessores juntos e misturados; o migrante pernambucano que se nomeou Redentor dos Miseráveis; o gênio da raça que proclamou a Segunda Independência ao reinventar a Petrobras e descobrir o pré-sal; o maior dos governantes desde Tomé de Souza; o campeão de popularidade que andou beirando os 200% de aprovação; o senhor das urnas capaz de eleger qualquer poste para qualquer cargo; a sumidade que ressuscitou a nação assassinada pela herança maldita; o pacificador do Oriente Médio; o estadista que dava pitos até em presidente americano e também por isso foi contemplado por Barack Obama com o título de "O Cara"; o colosso que rebaixou a marolinha uma crise econômica planetária; o gigante predestinado a conquistar o Nobel da Paz e eleger-se por aclamação secretário-geral da ONU; o estadista que deixou o mundo boquiaberto com tanta clarividência; o SuperMacunaíma que escapou do Mensalão e tropeçou no Petrolão; o fundador de um Brasil imaginário; o palanque ambulante convertido em camelô de empreiteiro; o santo-do-pau-oco que sonha ser canonizado em vida, mas que vai prestar contas com o Diabo quando for desta para melhor — mesmo que o Diabo deteste concorrência.

Vade retro, coisa ruim!