terça-feira, 18 de janeiro de 2022

AINDA SOBRE A TERCEIRA VIA (FINAL)

Tudo leva a crer que a campanha eleitoral de 2022 será ainda mais polarizada que a de 2018, e que terá como prováveis adversários o capitão cloroquina e o ex-presidiário promovido a ex-corrupto pelo STF

Desta vez, porém, a aversão ao bolsonarismo é maior que o repúdio ao PT et caterva, e não haverá facada para livrar o candidato à reeleição dos debates televisivos.

Em 2018, a maioria de nós sabia que, como presidente, o mau militar e parlamentar medíocre que aprovou dois projetos em 27 anos no baixo clero da Câmara Federal não seria capaz sequer de tirar água de uma bota, mesmo que as instruções viessem impressas no calcanhar. Hoje, sabemos muito bem do que ele é capaz e, principalmente, do que não é.

Mas a questão é que volta de um criminoso condenado — que deixou a cadeia muito antes do que deveria e teve sua ficha imunda lavada com o nítido propósito de ser recolocado no jogo político-sucessório — ao Planalto, que por si só já seria apavorante, torna-se aterradora quando as pesquisas dão conta de que ele é o pré-candidato preferido do “esclarecidíssimo” eleitorado tupiniquim. 

Torçamos, pois, para que a tal Terceira Via se consolide o quanto antes, seja com Moro, seja com outro postulante que tiver condições reais de pôr termo a essa nefasta dicotomia.

Na avaliação de Carlos Fernando Santos Lima, ex-Procurador Regional da República em São Paulo e ex-membro da Lava-Jato em Curitiba entre 2014 e 2018, Bolsonaro não será reeleito. 

Lima reconhece que qualquer previsão é um exercício de futurologia, mas pondera que algumas são muito mais seguras que outras.

Considerando que “de onde menos se espera, daí que não sai nada”, como dizia o Barão de Itararé, é possível afirmar que o Brasil terá mais um ano de péssimas notícias na economia e na política — dois campos em que estamos presos às péssimas escolhas feitas no passado e a nossa incapacidade, como sociedade, de tomarmos decisões difíceis, mas necessárias, e de as implementarmos efetivamente, doa a quem doer.

Lima diz que, mesmo correndo o risco de parecer Cassandra — profetiza que previa o futuro, mas foi amaldiçoada porque ninguém acreditava em seus vaticínios —, a tendência de Bolsonaro não se reeleger parece inexorável, a despeito de todos os estelionatos fiscais promovidos por ele, por seus correligionários e pelas siglas mercenárias comandadas pelo réu que preside a Câmara.

Bolsonaro perceberá uma verdade histórica: todos os governos que subsistiram mediante a compra de apoio e proteção e tropas mercenárias no passado e de políticos venais no presente acabaram sendo abandonados quando a derrota ficou evidente. Assim será com o dele, já que o Centrão se encaminhará naturalmente para a candidatura de Lula, seu antigo mecenas, que, pelo andar da carruagem, terá presença garantida no segundo turno.

Bolsonaro pode não chegar ao segundo turno, mas fazer essa afirmação é uma aposta mais arriscada. Certo é que a polarização com Lula beneficia a ambos, e a dificuldade da Terceira Via em falar a mesma língua dos dois populistas tende a ser mais um obstáculo ao crescimento de um movimento ético, livre dessa polarização que nos mantém presos a ciclos de crescimento raquítico seguidos de longos períodos recessivos. 

Bolsonaro representa — infelizmente — uma parte de nossa população autoritária, pouco educada, envenenada pelo ódio a quem pensa diferente. Mas, assim como esse grupo de obscurantistas de direita, há também a patuleia que se apega a Lula, último populista desse reduto ideológico.

Lula surfará nos erros de Bolsonaro — o que não será difícil, pois o capetão corresponde perfeitamente ao que popularmente é conhecido como “espírito de porco”, sempre disposto a criar cizânia e a impor sua visão preconceituosa e desagradável aos demais.

Em suma, estamos presos a essa roda de corrupção, preconceito e atraso com esses dois candidatos, mas a visão maniqueísta da política poderá nos impor ambos no segundo turno, o que leva o ex-procurador a reiterar a previsão de que Bolsonaro não será reeleito, seja pela humilhação da vitória do picareta já no primeiro turno — o que é improvável, mas não impossível —, seja pela elisão do próprio Bolsonaro da disputa já no primeiro turno, com a perda do segundo lugar para o tal candidato da Terceira Via.

Mesmo na hipótese assustadora de se enfrentarem no embate final, nem o sociopata do planalto nem o bocório de Garanhuns conquistará os votos de parte significativa dos eleitores da Terceira Via, já que a escolha do "menos pior", característica do sistema eleitoral de dois turnos, tende a não prevalecer. 

Em outras palavras, os eleitores conscientes tendem a optar pelo voto nulo — uma forma digna e honesta de negar apoio a esse atual estágio de nossa cleptoplutocracia, para usar um neologismo do falecido professor Luiz Flávio Gomes.

É evidente que a vitória de Bolsonaro em 2018 foi um soluço de uma direita autoritária, que se encontrava adormecida na Nova República e acordou com o advento das redes sociais e da corrupção entranhada no modelo de presidencialismo de coalizão, exacerbada pelo apetite de poder do Partido dos Trabalhadores que não trabalham e dos intelectuais que não pensam.

A diferença de pouco mais de 10% dos votos válidos, na eleição que o capitão disputou contra um candidato fraco e desconhecido em pleno auge da operação Lava-Jato demonstra que a previsão de derrota do capitão é uma aposta confiável e factível — só votarão nele os fanáticos, para quem pouco importa o futuro do país. Resta saber como impedir que a outra face do populismo e da corrupção volte ao poder. 

O desafio da Terceira Via é encontrar o tom certo do discurso que unirá o centro democrático e o empresariado, prontos a aceitar essa candidatura, com a população desejosa — e viciada — em líderes messiânicos.

Ninguém se elege no Brasil sem propostas que sejam compreendidas pela população. Será preciso falar aos milhões de desempregados que perderam as esperanças, aos empreendedores amedrontados pelo espectro da inadimplência, às mulheres que veem a fome adentrar em suas casas, enfim, será preciso deixar claro que nenhum receituário liberal poderá colocar de lado as aflições e problemas reais e inadiáveis que a população brasileira enfrenta neste exato momento.

O derretimento de Bolsonaro é inevitável e a transferência de votos para Lula é um problema a ser solucionado. O quadro de candidatos ainda está indefinido, mas vem se cristalizando de uma maneira muito rápida. Após a derrota de Eduardo Leite para João Doria, o panorama parece ter se definido entre o governador de São Paulo e Sergio Moro, com Ciro Gomes correndo desesperadamente para não ser atropelado pelo sumo pontífice da petelândia.

No espectro da centro-direita, a candidatura de Leite era mais bem vinda que a de Doria, que não possui a qualidade do “novo”, melhor representado por seu colega gaúcho. Resta agora esperar que o tempo e o desenvolvimento das campanhas mostrem competência para conquistar o eleitorado. Lula e Bolsonaro são conhecidos, mas representam a manutenção das tensões sociais e econômicas no país. E é exatamente nisso que eles apostam. 

Outra previsão fácil para este ano é a de que não será um período de paz e tranquilidade, seja por conta do recrudescimento da Covid — uma praga que parece renascer das cinzas como a mitológica Phoenix —, seja por culpa da péssima condução da economia e das tensões naturais de uma disputa política. Mas o fato é que jamais estivemos tão necessitados da superação desses problemas, e isso só será possível fora do eixo autoritário-populista que Lula e Bolsonaro representam.

Estamos caminhando sobre o fio da navalha para evitar que projetos autoritários e equivocados conquistem o país — e isso nada tem a ver com Bolsonaro, já que ele dificilmente ganhará as eleições. Aliás, O bolsonarismo está apavorado com a possibilidade de crescimento de Moro nas pesquisas. 

Segundo o UOL, auxiliares do presidente estão preocupados com o poder de alcance do discurso bolsonarista, visto que, a despeito de sua popularidade estar em baixa, o capitão continua a dialogar apenas com sua base militante, que não passa de 20% do eleitorado.

Para além disso, os cenários conturbados nas áreas social, econômica, política e sanitária do país têm potencial para aproximar a população a um nome da chamada Terceira Via (olha ela aí outra vez), e a maior preocupação dos apoiadores do capetão é a transferência de votos ao campo da direita mais moderada no primeiro turno, com destaque ao pré-candidato Sergio Moro (olha ele aí outra vez). 

Tudo indica que os asseclas do capitão sociopata estão certos: se o ex-juiz tirar mais 5% dos votos do "mito" dos apalermados, sua reeleição descerá pelo ralo.