A vitória de Bolsonaro em 2018 deveu-se em grande medida ao antipetismo. Na época, uma parcela significativa da população teria votado no demônio em pessoa para evitar que o país fosse governado por um boneco de ventríloquo comandado por um presidiário. No entanto, como o Príncipe das Trevas não se dignou de concorrer, o jeito foi apoiar seu preposto.
Imaginava-se que, depois de eleito, o dublê de mau soldado e parlamentar medíocre virasse um presidente de todos, inclusive dos que não votaram nele. Mas ele sempre fez questão de governar para um terço da população e espalhar raiva e desinformação.
Ao apostar na divisão, Bolsonaro como que convida o eleitorado a reviver 2018 no ano de 2022, só que com o sinal trocado. O antipetismo ficou menor do que o antibolsonarismo. Sobretudo depois que Lula, beneficiado pela anulação de sentenças por tecnicidades processuais fabricadas sob medida para recolocá-lo no xadrez eleitoral, passou a exsudar falsa inocência e a falar em ressureição.
Como a terceira via
continua nebulosa e o Cabo Daciolo, atendendo a um chamado do Espírito
Santo, desistiu
de concorrer (Glória a Deus e adeus!), é possível e até provável que tenhamos
uma reprise do pleito plebiscitário de quatro anos atrás, desta feita disputado por um “ex-corrupto”
e um fascista.
Ainda que o Supremo tenha lavado a seco a ficha
imunda do pajé do mensalão, a corrupção empreendida por partidos que deram sustentação às gestões petistas é amplamente documentada em outros tantos
processos que não foram anulados. Já o bolsonarismo não só cheira a fascismo
como tem cara de fascismo, e “o que tem rabo de jacaré, couro de
jacaré e boca de jacaré não pode ser um coelho branco”.
Sem enxergar nada de atraente à frente, o eleitorado “de
centro” observa o retrovisor, antevendo a realização da profecia descrita em Eclesiastes,
capítulo 1, versículo 9: "O que foi tornará a ser; o que foi feito se
fará novamente; não há nada novo debaixo do Sol." No Brasil de 2022, a
direita, no máximo, pensa em se abster ou anular o voto caso o cenário traçado
pelas pesquisas se confirme e tenhamos um segundo turno entre nhô ruim e nhô pior.
O descontentamento com a política vem desde os protestos de junho de 2013 e foi agravado pelos eventos subsequentes, notadamente o estelionato eleitoral promovido por Dilma, que, como Bolsonaro deverá fazer nos próximos meses, promoveu uma formidável gastança para se reeleger e iniciar seu segundo mandato com a política suicida de austeridade que lhe custou o mandato.
Por mais que permaneçam os vícios fundadores do
Brasil, nossa sociedade é plural. E é o pluralismo que, em última instância, vem
barrando a erosão definitiva do edifício constitucional e a consolidação no
poder de uma escumalha que pretende reeditar a ditadura e implantar um
autoritarismo escancarado no Brasil. Como não há nada tão ruim que não possa piorar, a alternativa que se nos apresenta, pelo menos por enquanto, é a pior possível.
Na terça-feira, dia 4, o país teve uma amostra do que
virá caso o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula volte ao
Planalto: não apenas pelo economista escolhido para representá-lo, mas também
pelo conteúdo exposto nas páginas da Folha.
Guido Mantega foi ministro do Planejamento
durante parte do primeiro governo Lula e ministro da Fazenda ao longo de
seu segundo mandato e do primeiro mandato de sua sucessora deplorável
sucessora. Foi ele o mentor intelectual da famigerada Nova Matriz Econômica,
adotada ao fim do governo Lula e que marcou o abandono do tripé
macroeconômico formado por responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio
flutuante, e que havia sido adotado em 1999, ainda nos anos FHC.
Em suma, Mantega foi responsável por lançar as
bases da “herança maldita” do lulopetismo: a recessão de 2015-2016. A crise só
não explodiu nas mãos do próprio Mantega porque Dilma havia decidido
substituí-lo ainda em 2014, numa demonstração de que sua gestão, motivo de
piada na revista britânica The Economist, estava longe de ser um
sucesso.
Que Mantega tenha recebido a oportunidade de um
revival, quando deveria estar relegado à galeria dos piores ministros da
Fazenda da história do país, é mais um sinal de que Lula está longe de
ser o “moderado” que intelectualóides esquerdopatas e setores da imprensa
pintam. Em seu artigo, o ex-ministro trata o leitor como um desmemoriado, já
que não menciona a recessão que ele ajudou a criar.
É como se o segundo mandato Dilma, com Selic,
inflação e desemprego em alta, jamais tivesse existido; como se o Brasil
tivesse passado de um fim de 2014 ainda sob o efeito das gambiarras orçamentárias
que criaram a ilusão de uma economia em ordem diretamente para um governo Temer
marcado por uma economia enfraquecida, que brigava para voltar a crescer, sem
explicar como fora possível chegar àquele ponto.
Um exemplo dessa desonestidade intelectual é a
afirmação de que “as gestões fiscais dos governos Temer e Bolsonaro foram um
desastre que, desde 2016, só acumulou déficits primários”, como se a
sequência de déficits tivesse se iniciado em 2016, não em 2014, o último ano de
Mantega na Fazenda.
Ao comentar os resultados da gestão petista entre 2003
e 2014 (pois, como vimos, 2015 e 2016 simplesmente não existiram para o
ex-ministro) e oferecê-los como contraponto ao desempenho de Temer e Bolsonaro,
Mantega esconde que todos os números positivos — como a redução no
desemprego e na pobreza, e o aumento do PIB — foram obtidos graças a um cenário
externo tremendamente favorável, com altíssima demanda por commodities
brasileiras, e graças ao incentivo governamental ao consumo e à gastança
governamental, pilares da Nova Matriz Econômica. Um crescimento cuja
fragilidade ficaria escancarada já em 2015.
Que Deus nos ajude.
Com Gazeta do Povo