domingo, 9 de janeiro de 2022

DESGRAÇA POUCA É BOBAGEM (CONCLUSÃO)


A vitória de Bolsonaro em 2018 deveu-se em grande medida ao antipetismo. Na época, uma parcela significativa da população teria votado no demônio em pessoa para evitar que o país fosse governado por um boneco de ventríloquo comandado por um presidiário. No entanto, como o Príncipe das Trevas não se dignou de concorrer, o jeito foi apoiar seu preposto. 

Imaginava-se que, depois de eleito, o dublê de mau soldado e parlamentar medíocre virasse um presidente de todos, inclusive dos que não votaram nele. Mas ele sempre fez questão de governar para um terço da população e espalhar raiva e desinformação. 

Ao apostar na divisão, Bolsonaro como que convida o eleitorado a reviver 2018 no ano de 2022, só que com o sinal trocado. O antipetismo ficou menor do que o antibolsonarismo. Sobretudo depois que Lula, beneficiado pela anulação de sentenças por tecnicidades processuais fabricadas sob medida para recolocá-lo no xadrez eleitoral, passou a exsudar falsa inocência e a falar em ressureição. 

Como a terceira via continua nebulosa e o Cabo Daciolo, atendendo a um chamado do Espírito Santo, desistiu de concorrer (Glória a Deus e adeus!), é possível e até provável que tenhamos uma reprise do pleito plebiscitário de quatro anos atrás, desta feita disputado por um “ex-corrupto” e um fascista.

Ainda que o Supremo tenha lavado a seco a ficha imunda do pajé do mensalão, a corrupção empreendida por partidos que deram sustentação às gestões petistas é amplamente documentada em outros tantos processos que não foram anulados. Já o bolsonarismo não só cheira a fascismo como tem cara de fascismo, e “o que tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré não pode ser um coelho branco”. 

Sem enxergar nada de atraente à frente, o eleitorado “de centro” observa o retrovisor, antevendo a realização da profecia descrita em Eclesiastes, capítulo 1, versículo 9: "O que foi tornará a ser; o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do Sol." No Brasil de 2022, a direita, no máximo, pensa em se abster ou anular o voto caso o cenário traçado pelas pesquisas se confirme e tenhamos um segundo turno entre nhô ruim e nhô pior.

O descontentamento com a política vem desde os protestos de junho de 2013 e foi agravado pelos eventos subsequentes, notadamente o estelionato eleitoral promovido por Dilma, que, como Bolsonaro deverá fazer nos próximos meses, promoveu uma formidável gastança para se reeleger e iniciar seu segundo mandato com a política suicida de austeridade que lhe custou o mandato. 

Por mais que permaneçam os vícios fundadores do Brasil, nossa sociedade é plural. E é o pluralismo que, em última instância, vem barrando a erosão definitiva do edifício constitucional e a consolidação no poder de uma escumalha que pretende reeditar a ditadura e implantar um autoritarismo escancarado no Brasil. Como não há nada tão ruim que não possa piorar, a alternativa que se nos apresenta, pelo menos por enquanto, é a pior possível.

Na terça-feira, dia 4, o país teve uma amostra do que virá caso o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula volte ao Planalto: não apenas pelo economista escolhido para representá-lo, mas também pelo conteúdo exposto nas páginas da Folha.

Guido Mantega foi ministro do Planejamento durante parte do primeiro governo Lula e ministro da Fazenda ao longo de seu segundo mandato e do primeiro mandato de sua sucessora deplorável sucessora. Foi ele o mentor intelectual da famigerada Nova Matriz Econômica, adotada ao fim do governo Lula e que marcou o abandono do tripé macroeconômico formado por responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante, e que havia sido adotado em 1999, ainda nos anos FHC.

Em suma, Mantega foi responsável por lançar as bases da “herança maldita” do lulopetismo: a recessão de 2015-2016. A crise só não explodiu nas mãos do próprio Mantega porque Dilma havia decidido substituí-lo ainda em 2014, numa demonstração de que sua gestão, motivo de piada na revista britânica The Economist, estava longe de ser um sucesso.

Que Mantega tenha recebido a oportunidade de um revival, quando deveria estar relegado à galeria dos piores ministros da Fazenda da história do país, é mais um sinal de que Lula está longe de ser o “moderado” que intelectualóides esquerdopatas e setores da imprensa pintam. Em seu artigo, o ex-ministro trata o leitor como um desmemoriado, já que não menciona a recessão que ele ajudou a criar.

É como se o segundo mandato Dilma, com Selic, inflação e desemprego em alta, jamais tivesse existido; como se o Brasil tivesse passado de um fim de 2014 ainda sob o efeito das gambiarras orçamentárias que criaram a ilusão de uma economia em ordem diretamente para um governo Temer marcado por uma economia enfraquecida, que brigava para voltar a crescer, sem explicar como fora possível chegar àquele ponto.

Um exemplo dessa desonestidade intelectual é a afirmação de que “as gestões fiscais dos governos Temer e Bolsonaro foram um desastre que, desde 2016, só acumulou déficits primários”, como se a sequência de déficits tivesse se iniciado em 2016, não em 2014, o último ano de Mantega na Fazenda.

Ao comentar os resultados da gestão petista entre 2003 e 2014 (pois, como vimos, 2015 e 2016 simplesmente não existiram para o ex-ministro) e oferecê-los como contraponto ao desempenho de Temer e Bolsonaro, Mantega esconde que todos os números positivos — como a redução no desemprego e na pobreza, e o aumento do PIB — foram obtidos graças a um cenário externo tremendamente favorável, com altíssima demanda por commodities brasileiras, e graças ao incentivo governamental ao consumo e à gastança governamental, pilares da Nova Matriz Econômica. Um crescimento cuja fragilidade ficaria escancarada já em 2015.

Que Deus nos ajude.

Com Gazeta do Povo