Conta-se
que, em vista à Bolívia, certo general-presidente da ditadura militar tupiniquim não conseguiu conter o riso ao ser apresentado ao Ministro da
Marinha, e que um adido sussurrou ao pé do ouvido do mandatário brasileiro: "excelência, o presidente boliviano não riu quando foi apresentado ao nosso Ministro da Justiça".
Muita coisa mudou desde os anos 1970, mas certas coisas parecem nunca mudar no país do futuro que nunca chega. E, quando mudam, mudam para pior. O STF, por exemplo, que por definição é uma corte constitucional, virou “curva de rio” devido ao nefando foro privilegiado, por ter se tornado a última instância do judiciário e por se politizar — os 11 ministros formam um "partidão" de ideologias distintas, cada qual age como se tivesse uma Constituição para chama de sua e uma decisão pode demorar duas horas ou vinte anos para sair, conforme o réu e o togado a quem cabe julgar o processo.
A defesa de Lula ingressou com cerca de 400 recursos no processo do tríplex, e todos foram rejeitados — alguns, inclusive, pelo próprio STF. Na ação envolvendo o sítio de Atibaia, o TRF-4 ratificou a decisão da juíza substituta Gabriela Hardt. Lamentavelmente, ninguém controla Éolo. Depois que os ventos frios que sopravam de Curitiba mudaram de direnção, tanto Lula quanto Flávio Bolsonaro terminaram 2021 com saldo positivo na Justiça.
Preso numa espécie de “Dilema do Bonde”, Fachin optou por anular as condenações do petralha para evitar um “mal maior” à Lava-Jato — que seria a declaração de parcialidade de Moro. A estratégia retirou de Curitiba os processos do triplex, do sítio e dois outros que envolvem o Instituto Lula. Quase nove meses depois, todas as ações enfrentaram reveses na Justiça e Moro foi declarado suspeito, apesar da manobra de Fachin.
Fachin anulou os atos decisórios praticados nas quatro ações penais, mas manteve válidas as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões (nos dois processos envolvendo o Instituto Lula ainda não havia sentenças, apenas o recebimento das denúncias, e eles avançam a passos de tartaruga no DF). Na sequência, Moro foi declarado suspeito, o MPF pediu o arquivamento do processo do tríplex (por prescrição) e a nova denúncia no caso do sítio foi rejeitada pela JF do DF.
Flávio Bolsonaro foi denunciado em novembro de 2020 pelo célebre esquema de rachadinhas operado pelo folclórico Fabrício Queiroz. Um ano depois, as provas da investigação foram praticamente enterradas por decisões da 5ª Turma do STJ, que anulou não só as quebras de sigilo autorizadas na investigação como todas as decisões do juiz Flávio Itabaiana.
Tido como “linha dura”, o magistrado autorizara diversas medidas que sustentaram as denúncias contra o filho do pai, mas a defesa conseguiu transferir a investigação para o Órgão Especial do TJ-RJ e a 2ª Turma do STF validou o foro privilegiado de Zero Um e fez picadinho de quatro relatórios do Coaf que haviam sido produzidos a pedido do Ministério Público.
Resumo da
ópera: a ação penal contra o senador rachadista foi travada pelo ministro João
Otávio de Noronha, do STJ, com quem Jair Bolsonaro disse
ter um caso de “amor
à primeira vista”), e assim permanecerá até que o MP apresente nova denúncia (a eventual impunidade do filho poupará o pai de explicar os depósitos
de R$ 89 mil que Queiroz e sua mulher borrifaram na conta
da primeira-dama).
Além de conceder a Queiroz o mimo da prisão domiciliar — respaldando-se na pandemia e na “saúde debilitada” do amigo de seu amigo, Noronha estendeu o benefício à Márcia Aguiar, que ficou foragida até o marido ser preso num imóvel do dublê de advogado e mafioso de comédia Fred Wassef — então advogado de Flávio Rachadinha e consultor jurídico informal da Famiglia Bolsonaro.
Bruno Dantas e Lucas Furtado atropelaram noras
internas e pareceres técnicos do TCU para explorar indevidamente o
contrato firmado por Sergio Moro com a Alvarez & Marsal. A
auditoria do tribunal demoliu a tese vazajatista de que o ex-juiz e a Lava-Jato
causaram prejuízos à Odebrecht e que Moro incorreu nas práticas de revolving door e lawfare.
A partir de suas próprias investigações, a CGU/AGU, o TCU, o CADE, a PF,
a CVM, a Petrobras e a Receita Federal concluíram que houve um desvio de bilhões
de reais por meio de fraudes em licitações públicas envolvendo as empresas cartelizadas. O montante dos danos, segundo cálculos do TCU, é muito superior ao valor apurado pelo MPF.
Não se trata, portanto, de perseguição ou abuso dos
instrumentos jurídicos contra o Grupo Odebrecht, mas da assunção das
consequências dos ilícitos cometidos. Sem a atuação da Lava-Jato não
se conheceria o esquema cartelizado, não teriam sido realizadas as
investigações nem teriam sido obtidos os elos para identificação dos
responsáveis e para quantificação dos montantes desviados. E mais: o cartel
continuaria atuando para fraudar os procedimentos licitatórios e manipular
preços, projetos inviáveis continuariam a ser construídos com dinheiro público,
nenhum responsável teria sido identificado, nenhum valor teria sido ressarcido
e o prejuízo continuaria sendo do Erário, das empresas estatais e dos
acionistas.
Segundo a auditoria, não se está fazendo defesa cega
dos atos praticados pelos integrantes da extinta força-tarefa, mas é
preciso esclarecer que as informações, documentos e os valores obtidos por meio
dos acordos de leniência e colaboração são "fruto do trabalho que autoridades do Poder Público exerceram desde o início daquela Operação, e que
foram compartilhadas e utilizadas por outras instituições que
compõem a Administração Pública".
Em 2017, quando a Lava-Jato estuava de vida, a
ministra Cármen Lúcia homologou 77 acordos de colaboração dos executivos
do Grupo Odebrecht que confirmaram as fraudes, a operação de caixa 2, o
pagamento das propinas, os prejuízos ao Erário e o modelo de negócio adotado
pelo Grupo por 30 anos. Já as acusações contra Moro e os procuradores
são parte de uma estratégia de assédio judicial direcionado, pois não se
tem conhecimento de nenhuma reclamação contra servidores e autoridades das
demais instituições citadas. Investigar e punir os responsáveis por fraudes é
obrigação e não uma opção.
Em outro trecho do relatório — inexplicavelmente ignorado
por Bruno Dantas — a auditoria ainda repisa as críticas ao uso dos
supostos diálogos hackeados, que nunca poderiam ser considerados meios
lícitos de prova. O documento relembra que, com base em laudo da PF, a 10ª
Vara Federal Criminal do DF se pronunciou no sentido da impossibilidade
de verificação da integridade das mensagens "hackeadas", bem como pela
impossibilidade de utilização de tais diálogos para instrução de outros procedimentos
sob pena de perpetuação da ilicitude da prova.
Os diálogos não evidenciam qualquer ilícito por parte dos ex-integrantes da Lava-Jato ou de Sergio Moro contra a Odebrecht. Frases foram retiradas do contexto e montadas de forma a sustentar a tese absurda levantada pela inicialmente pela defesa de Lula.
Os relatórios encaminhados pelo STF
trazem transcrições de supostos diálogos de forma incompleta e fora de ordem
cronológica entre procuradores da força-tarefa em Curitiba e o ex-juiz, e não
há como atestar a própria imparcialidade de tais relatórios tendo em vista a
ausência de informações sobre a contratação do perito que os elaborou. Assim, os
relatórios podem ter sido elaborados e ordenados de forma a conter os supostos
diálogos que seriam importantes ao representante legal para o qual foram
dirigidos, como eventual estratégia de defesa nos processos em trâmite no STF.
A auditoria ressalta que Moro não foi contratado pelo ramo de administração judicial da Alvarez & Marsal no Brasil, mas pela sede americana na área de investigações e disputas — sem qualquer relação com o caso Odebrecht. Aliás, a contratante enfatiza que o ex-juiz não é sócio de qualquer outra empresa que atue sob a marca desse grupo econômico, tendo sido contratado tão somente na qualidade de consultor. A empresa encaminhou ao Tribunal o termo de distrato contendo a "cláusula de conflito de interesses envolvendo o Grupo Odebrecht" — a análise da área técnica apontou total falta de consistência da representação e de mínima conexão lógica entre os fatos, inclusive do ponto de vista cronológico.
Admitir que Moro tenha passado por situações de
tamanho desgaste pessoal e emocional com o objetivo de auferir ganhos
financeiros muito tempo após a homologação do acordo de leniência, sem que a Odebrecht tivesse
pedido recuperação judicial (o que ocorreu 3 anos depois), sem que se soubesse
qual escritório seria o escolhido como administrador judicial (3 anos depois) e
se haveria interesse na prestação de seus serviços de consultoria (4
anos depois) torna a versão absolutamente improvável, para não dizer
impossível.
Por essas e outras, Bruno Dantas deveria ter
arquivado o caso sumariamente. Mas preferiu ignorar os fatos. Agora, precisa
explicar a todos o porquê — ou não, já que os motivos
saltam aos olhos.
Com informações de O Antagonista e Poder 360