O bolsonarismo e o Centrão são formas distintas do proverbial atraso brasileiro. O primeiro é mais virulento e nocivo à democracia; o segundo, paradoxalmente, reduz os riscos no curto prazo, mas sua simbiose com o primeiro tem tudo para condenar o Brasil a seguir, com velocidade cada vez maior, no plano inclinado de um gradual e inseguro declínio econômico e social, com muita instabilidade política.
Presumir que a democracia poderá escapar sã e salva de um processo como esse é, no mínimo, imprudente. O Brasil tem lideranças lúcidas e antenadas em diversos meios, mas o desafio é dar expressão política a essas forças.
Primeiro, é preciso compor uma ampla frente política e social para evitar a reeleição de Bolsonaro e qualquer tentativa de desestabilização institucional. Depois, é preciso adotar uma prudente ousadia nas reformas do sistema político brasileiro. Nessa linha, é imperativo reduzir a propensão à fragmentação partidária e mitigar a tendência a crises institucionais de custosa resolução, para o que a eventual adoção do semipresidencialismo, em momento adequado, possa vir a ser um remédio.
Sem abrir mão da prudência, é preciso devolver algum encanto à política. Para isso não é preciso derrubar muros na nossa arquitetura institucional, mas é indispensável reformá-la para abrir mais o sistema político a novas formas de organização, expressão e participação da sociedade, seja pela desobstrução dos canais existentes, democratizando os partidos, seja pela criação de novos canais. Para fortalecer a democracia representativa, é preciso renová-la. E esse objetivo não será alcançado com a reeleição de Bolsonaro nem com a volta do lulopetismo corrupto ao poder.
Seria preferível ver Bolsonaro afastado da Presidência e julgado pelos crimes que cometeu durante seu mandato. Na verdade, a única saída realmente democrática para o Brasil seria o impeachment do sociopata. O problema é que isso vai de encontro aos interesses cleptocratas do Centrão. Se o presidente realmente presidisse alguma coisa, poder-se-ia dizer que, nos moldes do acerto vigente, "Bolsonaro preside e o Centrão governa e dita as regras da reeleição", como escreveu Jose Casado em sua coluna em Veja.
Bolsonaro preside, o Centrão governa. É regra não escrita, mas confirmada por dois fatos da maior relevância. Em setembro, sob forte pressão do agrupamento que é seu esteio parlamentar, o capetão recuou do confronto aberto com o Supremo e foi chorar as pitangas na barra da saia do ex-presidente Michel Temer, numa carta de rendição que, provavelmente, nem o próprio nosferatu assinaria.
Bolsonaro se esforça para desmentir os críticos que o acusam de agir como um demente. Ao ignorar recomendações da Anvisa para proteger o Brasil contra o ômicron, compra que não sofre de insanidade, mas, sim, aproveita cada segundo dela. "Vacina não impede a transmissão da doença", declarou a sumidade. "Tem que aprender a conviver com o vírus", completou.
Aos poucos, o brasileiro vai descobrindo a serventia da passagem de Bolsonaro pelo Planalto, que se consolida como um extraordinário protagonista de tríades: o nascer do Sol, a morte e a próxima estupidez do presidente. Descobre-se agora que há também no universo três coisas irrecuperáveis: a pedra atirada, a denúncia adiada pelo Augusto Aras e o prejuízo imposto ao Brasil por um presidente insano. A pergunta que não quer calar é: o que acontecerá nos próximos dez meses?
The answer, my friend, is blowing in the wind, mas sempre se pode especular, como fez o Estadão ao dizer que "a dificuldade da terceira via nas pesquisas e os retrocessos da dupla Lula e Bolsonaro criaram no empresariado um ambiente propício para alguns "devaneios eleitorais", e o maior deles é o abandono de Bolsonaro, que desistiria da reeleição em busca de imunidade parlamentar". Ou Diogo Mainardi ao dizer que o devaneio, na verdade, não é um devaneio, pois essa saída está no horizonte de muita gente graúda. Bolsonaro ainda acredita que irá recuperar os votos perdidos, mas pode jogar a toalha se isso não ocorrer. Por mais aloprado que seja, ele passou os últimos dois anos tentando evitar a cadeia, mostrando qual é a sua verdadeira prioridade.
A primeira pergunta a ser respondida sobre 2022, na opinião de Mainardi, é a seguinte: Bolsonaro vai levar sua candidatura até o fim? Diogo aposta que ele vai pular fora até junho ou julho. Se tiver a certeza de que será derrotado por Lula no segundo turno ou, de maneira ainda mais humilhante, no primeiro, ele certamente desistirá. Para além disso, outro fator que pode persuadi-lo a fugir das urnas é Sergio Moro — se o ex-juiz crescer mais 6 ou 7 pontos nas pesquisas, Bolsonaro buscará um caminho mais seguro para tentar evitar a cadeia.
Na avaliação de William Waack, o pesadelo encarnado por Bolsonaro
e Lula só será derrotado se o candidato da Terceira Via souber
oferecer um sonho para o eleitorado. E ele está certo. Antes, porém, é preciso acordar para o fato de
que só surgiu um nome capaz de enfrentar o duplo pesadelo — o de Sergio Moro.
Ele talvez não seja o candidato dos sonhos para uma parte da Terceira Via, mas
é o único.
Assim que Moro for escolhido como candidato único da
Terceira Via, a campanha vai mudar. A lógica de uma disputa polarizada só
funciona quando há equilíbrio entre os dois polos, e esse equilíbrio — que já é
praticamente inexistente, considerando a vantagem insuperável de Lula
sobre Bolsonaro — deve desaparecer de uma vez por todas, porque uma
candidatura mais competitiva de Moro acabará atraindo uma fatia do eleitorado
bolsonarista. E, sem o pesadelo bolsonarista, o pesadelo lulista também se
distancia.
Observação: Não se sabe se alguém já teve essa conversa com Bolsonaro. Parece que não. Mas o abandono de sua candidatura tem tudo para representar o “fato imponderável” citado por Waack — “uma mãozinha do destino”, como ele disse.