Nada acontece por acaso. Atribuímos ao acaso tudo que foge ao nosso controle (e compreensão), mas não há efeito sem causa, e, parafraseando novamente o Conselheiro Acácio, “o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois”.
Não sei em que pé estará a situação no leste europeu quando esta postagem for
ao ar. É possível inclusive que a
guerra termine antes que o post seja publicado (eu espero sinceramente que sim,
mas, infelizmente, tudo indica que não).
A Ucrânia foi um membro importante da extinta União
Soviética, tanto por ser a segunda região mais populosa do bloco quanto por concentrar grande parte do setor agrícola, industrial e de aparatos
militares. Na manhã de ontem, terceiro
dia de invasão, os ucranianos ainda resistiam, mas me parece evidente
que postergar essa guerra assimétrica não mudará o resultado, só produzirá mais mortes, notadamente entre os ucranianos.
A Ucrânia não faz parte da Otan — aliança militar que conta com 30 membros, 14 dos quais são egressos da antiga URSS —, mas pode ser autorizada a ingressar no grupo em algum momento no futuro. Pelo artigo 5º do tratado, seus signatários prometem ajuda mútua na hipótese de algum deles ser atacado.
Quando a Alemanha ingressou na Otan, em 1955, o bloco comunista
“respondeu” com o Pacto
de Varsóvia, que reuniu países do leste europeu em uma aliança militar.
A Rússia, que se aliou aos americanos, britânicos e franceses no combate aos arroubos
nazistas durante a 2ª Guerra Mundial, hoje vê os membros da Otan como “inimigos”.
Putin quer recuperar o controle sobre o leste da Rússia, que é a região mais vulnerável de seus domínios, e acusa a Otan de cooptar ex-membros do bloco comunista para cercá-lo, aproveitando-se do enfraquecimento resultante da dissolução da União Soviética. Em 2014 — alegando “laços históricos”, mas de olho no Porto de Sebastopol, que é de importância crucial para a frota naval russa —, ele anexou a Crimeia e passou a financiar rebeldes que pugnavam pela independência das províncias de Donetsk e Luhansk, na região de Donbas.
Como a região que abriga os dois focos separatistas lhe interessa (não pela falaciosa “relação étnica”, mas pelas importantes reservas minerais), Putin reconheceu prontamente sua independência e se serviu dela como pretexto para a invasão (que Trump considerou “genial e pacificadora”, mas se retratou no dia seguinte, dizendo que foi “uma coisa muito triste para o mundo”).
A alegação de que a hipotética entrada da Ucrânia na Otan ponha em risco a segurança russa a ponto de justificar uma invasão armada e a perda de centenas de vidas não passa de mero pretexto. Em 2014, quando os ucranianos
rejeitaram maciçamente as decisões de um presidente simpático ao Kremlin, Putin
ignorou o desejo majoritário da população daquele país de sair da órbita de
Moscou.
Mais que uma suposta ameaça às fronteiras russas, incomodam o tirano genocida a possibilidade de a democracia relativamente bem-sucedida no país vizinho inspirar escolhas futuras de eleitores russos e reduzir ainda mais a influência da Rússia sobre um ex-membro do extinto bloco comunista. E não se trata de qualquer país, mas de um dos maiores celeiros da Europa, com reservas estratégicas de urânio.
No comando de uma das máquinas de guerra mais poderosas do
planeta desde 1999, o novo
amigo de Bolsonaro é muito mais que um patético ex-burocrata da KGB
saudoso dos tempos da União Soviética e do Império Russo. Prestes a completar
70 anos, Putin está preocupado com seu “legado”, e um de seus
“assuntos inacabados” é justamente sua relação com a Ucrânia.
Na sexta-feira (25), embaixadores da Ucrânia,
Alemanha, Estados Unidos, França, Japão, Reino Unido e União
Europeia cobraram
um posicionamento claro do Itamaraty, que pediu o fim do ataque
à Ucrânia, mas desde que sejam considerados os “legítimos interesses de
segurança de todas as partes” — o que inclui o empenho do presidente russo em
impedir o avanço da Otan no Leste Europeu.
O Brasil votou a favor da resolução do Conselho de Segurança da ONU, mas a decisão foi barrada pela própria Rússia, que é a atual presidente do colegiado. A posição do embaixador brasileiro destoou da postura de Bolsonaro, que prestou solidariedade a Putin e desautorizou Hamilton Mourão, que condenou publicamente os ataques à Ucrânia.
Mas não é só o sultão do bolsonaristão que baba ovo para o tirano eslavo: senadores petistas qualificaram a invasão de resposta à “política imperialista” dos EUA, que “não aceitam uma Rússia forte e uma China que tende a superá-los economicamente”.
Até aí, nenhuma surpresa. As gestões de Lula e Dilma foram pródigas em alianças espúrias com regimes totalitários, em apoiar ditadores e defender terroristas como Cesare Battisti, sem falar nos investimentos “a fundo perdido” em ditaduras comunistas, como Cuba e Angola.
Ao relativizar um ato de guerra marcado pela arbitrariedade e que já resulta em centenas de vítimas, os petistas mostram novamente com que tipo de ordem global se alinham. Não será um apressado esforço para ocultar essa essência, com notórias razões eleitoreiras, que fará os cidadãos de bem esquecerem o tipo de papel a que o Brasil se prestou enquanto foi regido pela caterva que pensa dessa forma.
Outubro está aí, pessoal. Bolsonaro e seu clã precisam sair, mas Lula e sua quadrilha não podem voltar.