segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

OS BASTIDORES DA INVASÃO DA UCRÂNIA (CONTINUAÇÃO)


Essa guerra estúpida já durou tempo demais e causou estragos e mortes demais — sobretudo de ucranianos, pois o poderio bélico russo é muitas vezes superior. Ainda que o conflito termine em mais alguns dias (e torçamos por isso), seus efeitos deletérios serão sentidos por meses a fio.

Putin vem enfrentando mais resistência do que esperava, mesmo com seu exército avançando implacavelmente sobre inocentes e produzindo um banho de sangue que os voluntários ucranianos dificilmente conseguirão deter. Para mascarar a carnificina, o tirano sanguinário proibiu os órgãos de imprensa locais — apenas uma emissora de TV não é oficial — de se referir ao conflito como “guerra” (da mesma forma como certo mandatário tupiniquim costuma dizer que o golpe militar de 1964 “não foi golpe”).

O genocida (falo do russo, que já mandou assassinar jornalistas e líderes de oposição) devastou a Chechênia em 1991 e não lhe custa nada reprisar o banho de sangue agora — conquanto não o tenha feito em 2008 e 2014, quando da ocupação da Georgia e da Crimeia, respectivamente. Fato é que, ao invés de mudar a geopolítica mundial a seu favor, Putin virou o novo pária internacional (qualquer semelhança..., bom, deixa pra lá). 

A Comissão Europeia quer responsabilizar e punir o tirano genocida. A Ucrânia entrou com uma ação contra a Rússia no mais alto tribunal da ONU. Até o ex-presidente Donald Trump (outro que por onde passa espalha fezes) voltou atrás no que disse sobre a invasão da Ucrânia ser “uma ação ‘genial’ do antigo aliado” — coisa que eu seu baba-ovo brasileiro... bom, é melhor deixar pra lá.

Diogo Mainardi, com a irreverência de sempre, diz que o carniceiro russo está isolado, só conta com gente disposta a trocar a democracia por um saco de fertilizantes, como Bolsonaro. Quem poderia imaginar que os europeus apoiassem o expurgo da Rússia do comércio internacional, apesar do risco de escassez de gás? E foi o que ocorreu. 

A polícia russa deteve neste domingo mais de 2.000 pessoas em protestos contra a guerra realizados em 48 cidades. Mais de 5.500 manifestantes foram presos desde que quinta-feira. Em Moscou, a tropa de choque parecia estar em maior número que os populares, que carregavam cartazes escritos à mão com sinais de paz e slogans antiguerra em russo e ucraniano. Os protestos coincidiram com o aniversário de sete anos do assassinato do político da oposição Boris Nemtsov. Em Moscou, algumas das prisões ocorreram num memorial improvisado nos arredores do Kremlin, no local onde Nemtsov foi baleado. "Não à guerra!", gritou um dos manifestantes enquanto era arrastado pela polícia.

Os líderes radicais que Putin patrocinou nos últimos anos foram constrangidos pela guerra e ficaram isolados na sua defesa: Matteo Salvini (Itália), Marine Le Pen e Éric Zemmour (França), Nigel Farage (Reino Unido), Alexander Gauland (Alemanha), Bolsonaro e o próprio Trump. Na triste companhia desses extremistas ficou a antiga esquerda, inclusive no Brasil, mas isso é outra conversa.

Bom seria se essa desgraceira servisse ao menos para sepultar a nostalgia comunista e varrer do cenário político-eleitoral populistas demagogos e autoritários (sobretudo um que almeja permanecer na Presidência e outro que quer retornar a ela), useiros e vezeiros em ludibriar o eleitorado com promessas tão rasas quanto seu intelecto e tão negras quanto seu passado. Mas isso também é outra conversa.

Dizer quando e como o conflito terminará é mero exercício de futurologia, até porque fazer previsões com base em fatos que mudam como imagens num caleidoscópio é o mesmo que trocar pneu furado com o carro em movimento. Torçamos, pois, por um cessar-fogo (falar em paz, a esta altura, seria ridículo) até que uma solução diplomática seja alcançada (e ela pode estar mais perto que imaginamos).

Na última sexta-feira a Rússia vetou uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, mas uma declaração conjunta emitida por nada menos que 50 países atestou que o Putin abusou de seu poder de veto. Uma nova reunião do Conselho de Segurança deverá convocar uma sessão extraordinária da Assembleia Geral da ONU, na qual os 193 membros terão de se posicionar sobre invasão da Ucrânia e a violação da Carta das Nações Unidas. Para que ela seja aprovada é preciso que pelo menos nove dos 15 membros do Conselho votem a favor, lembrando que esse instrumento (que só foi utilizado 10 vezes desde a criação da ONU) não dá o direito de veto aos cinco membros permanentes, o que impede a Rússia de se opor. Uma vez aprovada, a sessão extraordinária ocorrerá já nos próximos dias e, segundo projeções do g1, mais de 100 membros da ONU devem votar a favor do texto.

AtualizaçãoO Conselho de Segurança da ONU aprovou no final da tarde de ontem (pelo horário de Brasília) a resolução que agenda para esta segunda-feira (28) a convocação da sessão extraordinária. A resolução, promovida pelos Estados Unidos e pela Albânia, foi aprovada por 11 países, com o voto contrário da Rússia e a abstenção de China, Índia e Emirados Árabes. O diplomata Ronaldo Costa Filho confirmou o voto brasileiro a favor da reunião de emergência.

É impossível prever o desfecho do conflito para além do óbvio (mortes de ambos os lados, mas em maior número do lado ucraniano, e a vitória de Vladimir sobre Volodymyr), de modo que só nos resta acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e torcer pelo melhor, lembrando que o “melhor” para Putin não é o “melhor” para a Ucrânia (nem para a maioria dos demais países membros da ONU).

Neste domingo, uma comitiva de autoridades russas desembarcou Belarus para negociar com autoridades ucranianas — o gesto mais concreto de diplomacia partindo da Rússia desde o início da invasão. Mais cedo, Putin colocou as forças de dissuasão nuclear russas alerta máximo (em prontidão de lançamento), aumentando os temores de que a invasão possa se transformar numa guerra nuclear. Até o momento, no entanto, não há indicativos de que ele tenha planos concretos de utilizá-las. 

O esforço diplomático se deu após os aliados ocidentais anunciarem uma nova rodada de sanções econômicas contra a Rússia, incluindo o bloqueio alguns bancos russos do sistema de pagamentos global Swift, e no mesmo dia em que tropas russas conquistaram avanços relevantes em solo ucraniano. A depender das condições do Kremlin, o presidente Volodymyr Zelensky pode assinar sua rendição ainda neste domingo (para mais detalhes, clique aqui).

Por mais que eu seja avesso à polarização, há situações em que é preciso escolher um lado. Bolsonaro e Lula já escolheram apoiar o autocrata сукин сын. Convém ter isso em mente em outubro, na hora de escolher o novo inquilino do Palácio do Planalto (queira Deus que seja alguém que nunca tenha ocupado o cargo e que tenha condições de fazer desta banânia um país de verdade).

Bom carnaval a todos.