sábado, 19 de março de 2022

LULA LÁ... (FINAL)


Na última quarta-feira, após atrasar a divulgação de sua decisão em quase uma hora, o COPOM comunicou o aumento de um ponto percentual na Selic, que passou de 10,75% para 11,75% ao ano. Trata-se do maior patamar desde abril de 2017 (quando ficou em 12,25%).

O movimento, que já era esperado pelo mercado, não surpreendeu ninguém. Surpreendente foi o anúncio de que a taxa deve ser aumentada mais uma vez, em um ponto percentual, na reunião que acontecerá em maio. E que pode seguir seu ciclo de aumentos se a inflação teimar em se manter alta. Com isso, todo mundo correu para atualizar suas previsões, e há quem aposte na Selic para além dos 13%.

Joelmir Beting dizia que "combater a inflação a golpes de recessão é matar a vaca para acabar com o carrapato". Como o mercado prefere ter a vaca cheia de carrapatos a vê-la na UTI, o mercado financeiro reagiu bem, com o Ibovespa cravando 1,98% de alta.

No que concerne ao “conflito no leste europeu”, parece que as negociações do “cessar fogo” têm avançado, ainda que a passo de tartaruga. Mas não se pode perder de vista que a Rússia invadiu a Ucrânia, e é na Ucrânia que a guerra está sendo travada. Não me consta que o presidente Volodymyr Zelensky tenha enviado tropas ao reino de Vladimir Putin, razão pela qual a decisão sobre o “cessar fogo” depende unicamente do "criminoso de guerra" (nas palavras de Joe Biden, que no ano passado já havia chamado o autocrata russo de assassino). O porta-voz do Kremlin disse que as falas são "inaceitáveis e de uma retórica imperdoável". Fico imaginando como ele preferia que... enfim, deixa pra lá.

Voltando à terra brasilis, outubro está "logo aí", e as campanhas presidenciais devem acirrar ainda mais a polarização e a tensão política. O ideal seria que o Poder Judiciário se pautasse pela legalidade, pela imparcialidade e pela celeridade, mas o histórico recente de atuação do TSE indica exatamente o contrário. 

O ministro Fachin, que assumiu a presidência da corte eleitoral em fevereiro e deve passar o bastão para Alexandre de Moraes antes das eleições, deixou claro que um Lula candidato, mesmo com seu histórico de acusações e prisões, teria feito bem à democracia: “O tempo mostrou que teria feito bem à democracia brasileira se a tese que sustentei no TSE tivesse prosperado na Justiça Eleitoral. Fazer fortalecer no Estado democrático o império da lei igual para todos é imprescindível. Especialmente para não tolher direitos políticos. (...) No julgamento em que esteve em pauta a candidatura do ex-presidente Lula fiquei vencido. Contudo, mantenho a convicção de que não há democracia sem ruído”.

Parece que Fachin não só gostaria de ver o ex-presidiário na Presidência como pode vir a ajudá-lo nesse intento, como já fez ao anular as decisões da Lava-Jato e declarar incompetente uma vara judicial cuja competência ele jamais pôs em dúvida por longos cinco anos. O togado também salientou que reagirá duramente a qualquer ataque de Bolsonaro — que continua insistindo na questão do voto impresso —, que "a Justiça Eleitoral brada por respeito" e que o TSE "não se renderá". Foi como se ele dissesse que a democracia está sob ataque do capetão — e talvez esteja mesmo, mas ouvir essa cantilena do ministro que desencadeou a celeuma que resultou na decretação da suspeição do ex-juiz Sergio Moro... não fosse trágico, seria cômico. 

Fachin (ainda) não chegou ao cumulo de agir como Lewandowski, que, durante o julgamento do impeachment de Dilma, mancomunou-se com Renan Calheiros para fatiar o processo e evitar a cassação dos direitos políticos da "chefa". Mas sua fala dá mostra de que, a exemplo do colega de tribunal, também ele também não despiu a farda de militante quando teve os ombros cobertos pela suprema toga (por obra de graça da gerentona de araque). E depois Sergio Moro que é taxado de “juiz parcial”.

Lewandowski ocupou o lugar deixado por Barroso, que encerrou o mandato de quatro anos no TSE. Além de Fachin, também integram a mais alta instância de nossa justiça eleitoral o ministro Alexandre de Moraes, dois ministros do STJ e dois advogados como notório saber jurídico. Num período normal, essa composição não chamaria a atenção, mas as eleições prometem clima de polarização acirrado, e a tensão política pode se tornar uma ameaça à ordem estabelecida. Num momento assim, espera-se do Poder Judiciário uma atuação pautada pela legalidade, pela imparcialidade e pela celeridade, mas o histórico recente de atuação do TSE não inspira confiança numa desejável condução serena do processo eleitoral.

Com exceção do ex-ministro Marco Aurélio Mello (de quem eu jamais imaginei que sentiria saudades) e dos dois ministros apadrinhados pelo devoto da cloroquina, o Supremo vem demonstrando tudo, menos empenho em "civilizar" o processo democrático. E a chegada de Lewandowski dificilmente contribuirá para a volta da prudência à alta cúpula da justiça eleitoral.

Numa democracia que se desse ao respeito, os atuais integrantes do TSE estariam envidando esforços no sentido de mitigar a polarização política e seus efeitos nefastos, mas sem a serenidade e imparcialidade dos juízes o Brasil pode se tornar ingovernável antes mesmo do resultado das próximas eleições.

Com Gazeta do Povo