segunda-feira, 4 de abril de 2022

ÁGUAS AINDA VÃO ROLAR


Sobre o conflito no leste europeu, apesar de estarem perdendo dinheiro com as sanções ocidentais, os milionários russos não têm força para confrontar Vladimir Putin. Assim, a situação pode ficar parecida com a da Coreia do Norte, onde a população sofre com os problemas econômicos, mas não consegue confrontar o governo. A avaliação é de Bill Browder, CEO e fundador do Hermitage Capital Management. Ele foi um dos maiores investidores estrangeiros na Rússia, mas acabou deportado e banido do país em 2005.
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Fechou-se às 23h59 do último dia primeiro a “janela partidária” que permite a deputados federais e estaduais mudar de partido sem o risco de perderem o mandato. Da feita que o cardápio oferece mais de 30 opções, teve gente “de direita” que migrando para legendas “de esquerda” e vice-versa, já que o Brasil tem muitos partidos e nenhum compromisso com ideologia — entenda-se por ideologia o conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo orientado para ações sociais e, principalmente, políticas.

Para surpresa de muitos — entre os quais a deputada Renta Abreu, presidente nacional do Podemos — o ex-juiz Sergio Moro migrou para o União Brasil mediante o compromisso de desistir de concorrer à Presidência. Mas política é como nuvem, dizia Magalhães Pinto. Tanto é que o Moro já “desistiu de desistir”, a exemplo de João Doria, que desistiu de renunciar ao cargo de governador de São Paulo para disputar a Presidência, mas, passadas poucas horas, anunciou que havia desistido de desistir e continuava candidatíssimo ao Planalto. 

Moro anunciou neste 1º de abril — sem pegadinha — que não será candidato a deputado federal. Fez acenos para agrupar a terceira via. Afirmou que trocou de partido visando à unificação do centro democrático. O movimento provocou uma reação imediata da ala do União Brasil que é contrária à candidatura dele ao Planalto, e que só aceitou sua filiação mediante o compromisso retro citado. ACM Neto e outros oito dirigentes do partido já anunciaram um pedido para invalidar a filiação do ex-juiz da Lava-Jato.

A reação foi anunciada após pronunciamento de Moro em São Paulo, durante a tarde de sexta-feira, no qual ele afirmou que a terceira via não pode ser um projeto individual e que sua filiação ao União Brasil foi um "movimento político" para ajudar nesse processo. "Não tenho ambição por cargos. Se tivesse, teria permanecido juiz federal ou ministro da Justiça. Também não tenho necessidade de foro privilegiado ou outros privilégios que sempre repudiei e defendo a extinção", disse ele.

Observação: Em mais uma demonstração cabal de que política é como as nuvens, o União Brasil divulgou neste sábado uma nota unificada de sua direção que desiste de questionar a filiação de Sergio Moro ao partido, mas também ressalta que o projeto político do ex-juiz é em São Paulo. Isso me faz lembrar do MACACO SÓCRATES, do humorístico Planeta dos Homens. Sempre que era pego em pequenas safadezas, deslizes, escorregadelas e pecadilhos inerentes ao ser humano, o símio brandia seu inevitável bordão: “Mas sou só eu? cadê os outros?

Na avaliação de aliados de Lula e Bolsonaro, as idas e vindas de Moro e Doria fortalecem a polarização entre os dois primeiros colocados nas pesquisas. Apesar disso, alguns setores consideram haver a oportunidade de unificação da “terceira via” em torno de algum nome mais competitivo. A mais recente pesquisa Datafolha mostrou Lula com 43% das intenções de voto, contra 26% de Bolsonaro, 8% de Moro, 6% de Ciro Gomes, 2% de Doria e 1% de Simone Tebet.

Doria se envolveu numa trapalhada e tentou fazer dela uma jogada. Levou o presidente do PSDB a confirmar sua candidatura para evitar estrondo maior no partido e, no primeiro momento, ganhou. Se leva ou não os louros dessa vitória, isso são outros quinhentos. No palco da cerimônia em que o agora ex-governador de São Paulo anunciou sua renúncia, a manifestação entusiasmada do vice Rodrigo Garcia em prol da unidade contrastou com o clima pesado que permeou os bastidores no Palácio dos Bandeirantes — em particular e no PSDB. A política, contudo, falou mais alto.

Montou-se a cena da unidade, mas ela não reflete a realidade. O vaivém de Doria não resolveu as divergências em curso no ninho tucano. Ao contrário, aprofundou a rejeição interna a ele por uma ala do partido, que chegou a comemorar a desistência como uma chance real de se destravar as negociações para a construção de candidatura alternativa a Bolsonaro e Lula. 

Águas haverão de rolar por baixo dessa ponte e, pelo que se ouve no conturbado ambiente partidário dos tucanos, não serão límpidas nem serenas.