Sem perder de vista o ensinamento de Magalhães Pinto, a melhora de Bolsonaro nas pesquisas de intenções de voto não significa muita coisa. Diz Marcus Melo:
“O ciclo da popularidade presidencial é conhecido: lua de mel no início do mandato; seguida de declínio nas taxas de aprovação; e finalmente elevação seis meses antes das novas eleições (…). Popularidade não implica voto, que é uma escolha estratégica. O eleitor votará em quem não aprova para evitar quem rejeita mais.”
Digo Mainardi complementa:
“No segundo turno, o sociopata tem menos de 40% dos votos contra todos os candidatos, em todas as pesquisas. Esse é seu teto. Vamos ver se, nas próximas semanas, ele será capaz de furá-lo. Duvido muito, mas não entendo nada do assunto, nem quero entender.”
Eu assino embaixo.
Em abril de 2021, quando a terceira via — aquela que foi sem nunca ter sido — ainda se chamava assim — polo democrático, Mario Sabino publicou um artigo intitulado O perigo é Lula virar o polo democrático. Na ocasião, um manifesto em prol de uma candidatura alternativa às de Jair Bolsonaro e Lula, assinado por Ciro Gomes, Luiz Henrique Mandetta, João Doria, Eduardo Leite, João Amoêdo, Luciano Huck e Sergio Moro havia sido divulgado. Um ano depois, que no Brasil é sempre um século, todos os signatários diminuíram de tamanho (alguns até moralmente).
Ciro, o perdedor nato que se apresenta como alternativa ao PT, vai aderir outra vez a Lula no segundo turno. Se ele ainda ataca o chefão petista, é porque a hipocrisia é uma necessidade imposta pelo vício ao fracasso bem precificado. Mas agora o cearense de Pindamonhangaba virou sua boca rota contra Sergio Moro, a quem qualifica de “inimigo da República”.
Como Moro não está mais na disputa, o esterno candidato pedetista se divide entre uma piscadela ao seu eleitorado — le gauchisme oblige — e uma requebrada para Lula e o sistema ao qual pertencem.
Mandetta se tornou uma vaga lembrança de uma pandemia que ainda está aí, mas é como se não se estivesse mais — graças à vacina (que devemos a João Doria) e à admirável capacidade humana de entrar em estado de negação da realidade, imunizante de rebanho potentíssimo.
Depois de cogitar lançar-se candidato à Presidência, o primeiro ex-ministro da Saúde de Bolsonaro se afastou delicadamente do primeiro ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Cogita disputar uma cadeira no Senado pelo Grêmio Recreativo Escola de Samba União Brasil, do qual Moro foi rebaixado da comissão de frente para puxador de carro alegórico da agremiação que, tudo indica, terá o reto e vertical Luciano Bivar como candidato a presidente.
Observação: Bivar negou ter rifado Moro. Em mensagem enviada a um grupo de lavajatistas, ele disse: “Ao tomar sua decisão, Moro estava ciente de que em nenhum momento a legenda para a disputa presidencial lhe fora prometida. O que foi conversado e prometido foi a abertura para sua contribuição na construção de uma alternativa à polarização e, claro, a opção de candidatar-se em São Paulo para o cargo que quiser, onde certamente terá sucesso”. E concluiu, segundo a Folha de S. Paulo: “Vocês gostariam de ver o Moro fora da política definitivamente? Era o que o Podemos estava fazendo de forma sorrateira, tirando dele toda a capacidade de prosseguir com sua candidatura, sem nenhuma estrutura. Tudo o que lhe fora prometido foi, logo depois das pesquisas decrescentes, negado e boicotado, e ele ficou à própria sorte”. De acordo com Bivar, portanto, a candidatura presidencial de Moro morreu por causa de suas “pesquisas decrescentes”, e não por causa do poder crescente dos quadrilheiros.
Doria é um capítulo à parte. Mas muito curto. Ele se mantém firme em direção a uma derrota humilhante. Leite, que poderia ser candidato viável se tivesse sido bem trabalhado, permanece na disputa interna tucana, mesmo tendo sido cortejado pelo PSD de Gilberto Kassab e pelo GRESUB. Se não abrir o olho, vai virar mais um eterno candidato presidencial — assim como Ciro Gomes, só que à direita. Amoêdo abdicou do nada — uma candidatura pelo Novo — em nome do lugar nenhum, o que resume de forma lapidar (sem trocadilho) seu envelhecimento político precoce. É outro caso de alguém com ideias certas no lugar errado — no caso, a política.
Quanto a Luciano Huck, recém-convertido a apoiador do ex-governador do Rio Grande do Sul, só quer aparecer nessa outra “dança dos famosos”. Já o apresentador José Luiz Datena não sabe o que quer. Diz que “o melhor candidato é aquele que não quer ser e não precisa se eleger”. Só não explica por que não desiste de ameaçar disputar ora a Presidência, ora uma cadeira no Senado. Talvez se dê melhor como vereador. Afinal, 2024 está logo aí.
Voltando ao vaticínio de Sabino, passado um século, o jornalista reconhece que, mesmo mais pobre, sua profecia se confirmou. Como ele escreveu lá atrás: “Se o Polo Democrático modelo 2021/2022 não lançar um candidato viável a tempo de ser trabalhado eleitoralmente, o perigo é Lula virar o candidato de centro contra Bolsonaro, transmutando-se em Polo Democrático”. O andar da carruagem não deixa dúvidas de que isso está acontecendo.
Ironicamente, se tudo der certo para Lula, assistiremos à maioria dos signatários do manifesto — exceto Moro e talvez Amoedo — apoiando o molusco no segundo turno ou bancando o isentão, porque, sabe como é, no Brasil ainda se acredita que um extremo é mais centro do que outro. A terceira margem do rio se revelaria, então, finalmente uma miragem. “Eu não votaria nem por um nem pelo outro. No Bolsonaro, eu não voto”, disse FHC nos tempos do Polo Democrático de 2018.
Parafraseando Diogo Mainardi, “entre Lula e Bolsonaro, melhor se atirar do Campanário de San Marco”. Mas vale lembrar que Mainardi mora em Veneza. Para os brasileiros, as alternativas são votar em branco, anular o voto, abster-se de votar ou se enforcar num pé de cebola.