A vida é feita de escolhas, escolhas têm consequências e o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois. Numa encruzilhada da vida, se escolhermos virar à direita, abdicamos de seguir em frente ou a esquerda, por exemplo. Quando o resultado não é o esperado, somos assombrados pelo bendito “se”.
O presente nada mais é senão a consequência da somatória das escolhas que fizemos no passado, mas o futuro do pretérito, também chamado pelos gramáticos de condicional, referencia um presente que poderia ter existido se nossas escolhas fossem outras.
Em 2018, fomos meio que obrigados a apoiar o bolsonarismo boçal para evitar a volta do lulopetismo corrupto, e a consequência foi o calvário que já dura três anos e quatro meses e, pior, pode ser prorrogado por mais quatro anos — ou sabe-se lá por quanto tempo mais; em se tratando de Bolsonaro, a única perspectiva impossível é a de uma gestão competente de pautada pela probidade.
Foi também em 2018 que Sergio Moro escolheu abandonar a magistratura em troca de um ministério no futuro governo, edulcorado pela promessa de uma cadeira no STF. Como consequência, o ex-juiz foi privado do Coaf e obrigado a reverter nomeações, enquanto seu projeto anticorrupção era desmontado. Por algum tempo, ele fingiu não ver, tentou relativizar, mas não se sujeitou ao papel de consultor jurídico informal do enrolado clã presidencial e acabou tendo de engolir sapos e beber a água da lagoa.
Moro abandou a canoa que deveria saber ser furada para tentar salvar o prestígio que ainda lhe restava. Mas já era tarde demais. Odiado por Lula e seus abjetos sectários, viu-se tachado de traidor pelos igualmente abjetos baba-ovos do “mito” de fancaria. A indicação para o STF jamais aconteceu. Segundo a narrativa palaciana, o então magistrado vinculara seu embarque no governo à suprema toga, quando na verdade foi Bolsonaro que lhe prometera a dita-cuja como forma de tê-lo a bordo e de cativar o eleitorado avesso à roubalheira lulopetista.
Passados dois anos da demissão de Moro — ele “não saiu atirando”, apenas relatou um fato que, se não era público, tornou-se notório depois que o então decano do STF retirou o sigilo da gravação da reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o inquérito instaurado para investigar a interferência criminosa de Bolsonaro na PF deu em nada (a exemplo de tantas outras envolvendo o sultão do Bolsonaristão).
Nesse entretempo, o presidente que, quando candidato, prometeu pegar em lanças contra a corrupção e a velha política do toma-lá-dá-cá, cometeu toda sorte de barbaridades. Flertou incontáveis vezes com o autogolpe. Chamou o presidente do TSE de filho da puta e um ministro do STF de canalha. Tornou-se alvo de mais de 140 pedidos de impeachment e de uma dezena de inquéritos. Quatro de seus cinco filhos são igualmente investigados. Mais recentemente, vieram a lume evidências gritantes de corrupção no MEC.
Observação: Ontem, a cereja do bolo: sua alteza irreal anistiou o deputado troglodita baba-ovos Daniel Silveira antes mesmo que a condenação transitasse em julgado. Mais uma vez, o sociopata estica a corda. Se será enforcado com ela ou se a pusilanimidade do STF permitir-lhe-á sair impune, com vem acontecendo desde sempre, só o tempo dirá. O pouco tempo que falta até as cada vez mais próximas eleições. Se alguém acha que esse sujeito vai mesmo largar o osso se assim decidir a ospália votante, esse alguém está redondamente enganado.
Políticos pegos com manchas de batom na cueca sempre têm alguma desculpa idiota. Lula se disse traído; Dilma, indignada; Bolsonaro afirma não pode saber de tudo — e para evitar que se venha a saber de (mais) alguma coisa que o desabone, decreta sigilo sobre fatos de interesse público.
Em julho do ano passado, o Planalto impôs um segredo de 100 anos sobre informações dos crachás de acesso em nome dos filhos 02 e 03. Um cumpre na sede do governo federal (diz-se que no “gabinete do ódio”) seu quinto mandato de vereador, quando deveria dar expediente na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O outro é deputado federal por São Paulo, mas acompanha o pai em viagens internacionais, frita hambúrguer nas horas vagas e chegou a ser cotado para chefiar a embaixada do Brasil nos EUA.
Em janeiro de 2021, o Planalto decretou 100 anos de sigilo cartão de vacinação do mandatário negacionista e antivacina, a pretexto de os dados dizerem respeito "à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do presidente”. Em junho de 2021, mandou o Exército impor sigilo de 100 anos ao processo interno isentou de punição o então general da ativa Eduardo Pazuello.
Dias atrás, o GSI repetiu a dose em relação às visitas dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos ao Planalto, alegando que “a divulgação poderia colocar em risco a vida do presidente da República e de seus familiares”. Pressionado, o gabinete comandado pelo general Augusto Heleno liberou os registros, que apontam mais de 30 acessos. O pastor Arilton visitou gabinetes de Mourão, ministros e do responsável pela agenda de Bolsonaro; o pastor Gilmar esteve pelo menos 10 vezes na sede do governo. Detalhe: ambos voltaram ao Planalto mesmo após pedido de apuração.
Voltando a Sergio Moro — que deve estar tão arrependido de ter aceitado participar deste espúrio governo quanto Lula de ter feito Dilma sua sucessora —, lulistas, bolsonaristas, magistrados ditos “garantistas” e parte da mídia promoveram a párias o ex-juiz federal e o ex-coordenador do braço paranaense da maior operação anticorrupção da história desta banânia, que colocou na cadeia dezenas de empresário e políticos que se locupletaram nos governos petistas.
No Brasil, a corrupção é como a Hidra de Lerna — bicharoco mitológico com corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar. Tudo ia de vento em popa até que, um belo dia, o semideus togado que manda e desmanda no STF virou a casaca, passando de apoiador a inimigo figadal da Lava-Jato. E o resto é história recente.