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segunda-feira, 25 de maio de 2020

GOVERNO DO GENERAL DA BANDA — GANGRENA EM ESTADO AVANÇADO REQUER AMPUTAÇÃO DE MEMBRO AFETADO, SOB PENA DE ÓBITO DO PACIENTE



Nelson Teich divulgou no último sábado, 23, ter recusado um convite para ser conselheiro do Ministério da Saúde. Em postagem no Twitter, o oncologista disse que “não seria coerente ter deixado o cargo de ministro da Saúde na semana passada e aceitar a posição de conselheiro na semana seguinte”. Aplausos para o ex-ministro. De bobos da corte, o quadro palaciano está mais que completo.

Abrilhantam a Esplanada um ministro da educação mal-educado, que defende a prisão de ministros do STF; uma ministra que viu Jesus na goiabeira e quer prender governadores e prefeitos; uma (agora ex) secretária da Cultura que dá piti no ar e interrompe entrevista porque o script “fugiu ao combinado”; um ministro que enche o tempo (e o saco) com notas de repúdio ao Supremo por ter sido convocado a depor debaixo de vara, e que acha que periciar o telefone do capitão trará “consequências imprevisíveis”; um ministro que concorda e apoia a opinião do ministro anterior e, pior, fala em nome das Forças Armadas...

Isso sem falar nos ministros terraplanistas, criacionistas, negacionistas... Tem até ministro que acredita (mesmo) que o general da banda comanda. Suas excelências devem ter tomado muita cloroquina. Ou tubaína.

Interlocutores ligados à Globo vazaram que a emissora cresceu o olho para o Ibope do vídeo da reunião interministerial, que deu de lavada na novela Malhação — exibida pela Vênus Platinada desde o tempo em que televisor era movido a corda. Já se fala num projeto de filmar outras reuniões e exibi-las numa minissérie, cujo título será escolhido pelo diretor de dramaturgia, Sílvio de Abreu, entre as diversas sugestões apresentadas. Entre as cotadas estão “Palhação”, “Empulhação”, “O Canastrão” e “O Canetão”.

Brincadeiras à parte, uma série de mensagens trocadas entre o presidente e o então ministro da Justiça evidencia que o primeiro falava da Polícia Federal, e não de sua segurança pessoal, quando exigiu substituições nessa área na fatídica reunião ministerial.

A cronologia de oito diálogos aos quais o Estadão teve acesso mostra que Bolsonaro chegou à reunião com a decisão já tomada de demitir o diretor-geral da PF: “Moro, Valeixo sai esta semana”, escreveu o presidente às 6h26 de 22 de abril. “Está decidido”, continuou ele, em outra mensagem enviada na sequência. “Você pode dizer apenas a forma. A pedido ou ex ofício”. A resposta de Moro foi enviada 11 minutos depois, às 6h37. “Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar pessoalmente. Estou ah (sic) disposição para tanto”.

Em outra sequência de mensagens, enviadas também antes da reunião ministerial, Bolsonaro encaminha dois vídeos e reclama com Moro de ser informado por “terceiros”. “Força Nacional, Ibama, Funai... As coisas chegam para mim por terceiros... Eu não vou me omitir”, disse o presidente às 8h01m.

Na reunião ministerial, Bolsonaro demonstrou irritação. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu (sic), porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse o presidente, olhando para Moro.

As mensagens que agora vêm à tona contrariam a versão de Bolsonaro de que Valeixo pediu para ser demitido, além de ajudarem a explicar o comportamento de Moro na reunião. O ex-ministro ficou em silêncio quando foi constrangido pelo chefe, que cobrou mudanças nas áreas de inteligência. Àquela altura, ele já havia sido comunicado da decisão unilateral de demitir Valeixo, sem que pudesse opinar a respeito. Na entrevista que o Fantástico levou ao ar neste domingo, Moro reforçou essa justificativa, além de afirmar que "o ambiante claramente não abria espaço para o contraditório". Disse ainda que se valeu de um compromisso previamente agendado para antecipar sua saída da reunião. Menos de 48 horas depois, o então ministro pediu sua exoneração. 

Bolsonaro tem sustentado em entrevistas que foi Valeixo quem pediu para ser demitido. Segundo ele, isso comprova que não houve interferência da sua parte. “O senhor Valeixo de há muito vinha falando que queria sair. Na véspera da coletiva do senhor Sérgio Moro, dia 24 (de abril), o senhor Valeixo fez uma videoconferência com os 27 superintendentes do Brasil, onde disse que iria sair. Eu liguei pro senhor Valeixo, o qual respeito, na quinta-feira, à noite. Primeiro ele ligou pra mim. Depois eu retornei pra ele. ‘Valeixo, tudo bem?. Sai amanhã? Ex officio ou a pedido?’. A pedido (foi a resposta de Valeixo, segundo Bolsonaro). E assim foi publicado no DOU. Lamento ter constado o nome do ministro da Justiça ali. É porque é praxe”, disse o presidente na noite de sexta-feira, após a divulgação do vídeo.

Em depoimento no inquérito, no dia 11 de maio, Valeixo contou que jamais formalizou um pedido de demissão. De acordo com ele, um dia antes da publicação no Diário Oficial, recebeu um telefonema do próprio presidente questionando se ele concordava que sua exoneração saísse a pedido. Sem alternativa, assentiu. Valeixo relatou, ainda, que Bolsonaro justificou que queria alguém no cargo com quem tivesse “afinidade”.

A troca de mensagens foi extraída do celular de Moro durante seu depoimento. Na ocasião, peritos da PF fizeram uma varredura completa no aparelho, em busca de mensagens que poderiam comprovar a acusação contra o presidente. Na sexta-feira, o ministro Celso de Mello encaminhou à PGR um pedido de partidos de oposição para que o celular de Bolsonaro fosse apreendido em busca de mais provas da suposta interferência dele na PF. A reação do Planalto veio do general Augusto Heleno, que, em nota, disse que uma decisão favorável a esse pedido poderia ter “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

Três horas depois dos diálogos obtidos pelo Estadão, nos quais Bolsonaro dá a ordem para mudar a PF, ocorreria a reunião ministerial tornada pública na sexta-feira, na qual o presidente afirma claramente que desejava troca na “segurança” do Rio. Chegou a dizer que era alvo de “putaria o tempo todo” para atingir não só ele como sua família.

Bolsonaro disse ali que não podia ser “surpreendido com notícias”. “Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”, reclamou. E assegurou, ainda, que ia interferir em todos os ministérios. “Não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma … uma extrapolação da minha parte. É uma verdade”, afirmou, olhando para o lado onde estava Moro.

A versão de que o presidente se referia à sua segurança pessoal no Rio, e não à PF, é colocada em xeque por mudanças ocorridas no escritório do GSI no Rio, dois meses antes da reunião ministerial. A contradição foi revelada pelo Jornal Nacional. A reportagem mostrou também que, 28 dias antes daquela reunião, o responsável pela segurança do presidente havia sido promovido.

Em 5 de maio, Bolsonaro exibiu o seu celular com mensagens trocadas por ele e Moro na tarde do dia 22 de abril para dizer que o ex-ministro havia mudado de versão sobre a tentativa de interferência na PF. “Isso é uma mentira deslavada”, disse. No entanto, a conversa ocorrida na manhã do dia 22, em que Bolsonaro avisa a Moro que demitirá Valeixo, não foram mostradas pelo presidente.

Estadão procurou a Secom para falar sobre as mensagens, mas o Planalto informou que não iria comentar. A defesa de Moro disse que “as declarações do presidente da República demonstram, de maneira inquestionável, sua vontade de interferir indevidamente” na Polícia Federal. “Esses elementos probatórios somam-se às demais diligências investigatórias, inclusive ao vídeo da reunião de 22 de abril, comprovando as afirmações do ex-ministro Sérgio Moro”, afirmou o advogado Rodrigo Rios.

Fica cada vez mais nítido que este governo apodreceu. Urge concitar o excelso general da banda a enfiar a cloroquina no saco e ir tocar em outro coreto.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

ALEA JACTA EST — E QUE DEUS NOS AJUDE A TODOS

Enquanto o mundo se curva ao poderio do inimigo invisível que já infectou 4,8 milhões de pessoas e, destas, matou 314 mil, o Brasil, que superou a Itália e a Espanha no último sábado e se tornou o quarto país do mundo em número de casos confirmados da Covid-19, precisa se desdobrar em três frentes de batalha.

Além de debelar a crise sanitária e seus efeitos nefastos na economia, o país precisa combater outro adversário. Este, porém, nada tem de invisível. Tem nome, sobrenome e endereço conhecidos (embora também se apresente como "Airton Guedes", "Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz" e "paciente 05"). Trata-se de alguém em quem fomos obrigados a votar a contragosto, para evitar um mal maior. Mas jamais imaginamos que estaríamos criando o monstro que aí está.

Sabíamos tratar-se de um anormal e mau militar (na definição irreprochável do ex-presidente general Ernesto Geisel), que foi defenestrado do Exército por planejar explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias, que se elegeu deputado federal sete vezes seguidas e, ao longo de longos 27 anos e fumaça como parlamentar do baixo clero, aprovou dois projetos e colecionou mais de trinta ações criminais (a maioria movida por políticos de esquerda, mas até aí morreu o Neves).

Resta saber o que fazer para combater um comandante que bombardeia o próprio navio, quando deveria conduzi-lo a bom porto. Felizmente, a sabedoria popular ensina que a necessidade é a mãe da invenção, e a história, que quando não há caminhos é preciso criá-los.

É certo que o momento não poderia ser pior para um impeachment, como adverte o presidente da Câmara dos Deputados. Mas o mesmo se poderia dizer em relação à demissão não de um, mas de dois ministros da saúde, em menos de 30 dias, por um presidente que não se sabe se é maquiavélico ou demente. E isso em meio à mais grave crise sanitária dos últimos 100 anos — situação em que alguém experiente e muito bem assessorado no comando do Ministério da Saúde faria toda a diferença.

Nelson Teich não foi um bom ministro, mas não é justo culpá-lo pelo desperdício de quase um mês de energias dispersas. Desde a implosão de Mandetta, quem assumiu o posto foi o próprio presidente — Teich passou por Brasília como mera camuflagem para a aversão que seu agora ex-chefe nutre pelo iluminismo.

Bolsonaro — que ganhou no quartel o apelido de "Cavalão" — não quer um ministro da Saúde, mas um fantoche, um áulico que ecoe as suas ideias para o setor. Ninguém com um pingo de dignidade, ou que tenha uma reputação a zelar, ou pura e simples vergonha na cara aceitará o papel de submissão aos “achismos” e obsessões presidenciais, exigência determinante do capitão para a sobrevivência de seus auxiliares. Sendo assim, talvez a única solução seja recorrer à disciplina militar.

Se Cavalão, digo, se Bolsonaro abdicasse do posto de ministro da Saúde para assumir a Presidência — cargo para o qual foi eleito por 57,7 milhões de brasileiros —, algo de bom poderia acontecer, sobretudo se fizesse uma autocrítica e abrisse um canal de diálogo sincero com governadores e prefeitos. Como o único tipo de autocritica que o presidente conhece é a autocritica a favor, o que vem por aí é a continuidade de uma corrida insana, com o capitão trevoso disputando com o vírus o comando da crise.

Pouco importa se Cavalão (ops), se Bolsonaro se criou no confronto ou foi criado por ele. Fato é que criatura e criador tornaram-se indissociáveis, o que desqualifica ambos os dois para o exercício da Presidência. A Constituição oferece duas soluções: o impeachment, em caso de crime de responsabilidade, e a abertura de inquérito pelo procurador-geral da República, em caso de crime comum. Existe uma terceira via — menos traumatizante — que seria a renúncia, mas nesse caso a iniciativa caberia ao próprio presidente, o que a torna tão improvável quanto uma chuva de Moët & Chandon.

Houve ao menos quatro renúncias (de presidentes) na história republicana do Brasil: Deodoro da Fonseca, em 1891; Getúlio Dornelles Vargas, em 1945; Jânio da Silva Quadros, em 1960; Fernando Affonso Collor de Mello, em 1992. Cada qual teve suas peculiaridades e motivações, naturalmente, mas este não é o momento para esmiuçar esse assunto.

Impeachments, houve dois na era pós-ditadura: Collor, em 1992, e Dilma, em 2016 (tecnicamente, houve outros casos desde a proclamação da República, mas alguns não resultaram em deposição e outros que... enfim, não é o momento para maiores delongas).

Collor renunciou horas antes de ser julgado no Senado, mas os parlamentares resolveram prosseguir com o julgamento e, por 76 votos a 3, o caçador de marajás de araque foi inabilitado para o exercício de função pública pelos oito anos seguintes. Dilma é história recente e, portanto, dispensa outras considerações. Mas não me furto a mencionar que a gerentona de araque foi campeã absoluta em pedidos de impeachment: foram nada menos que 68, enquanto Collor foi alvo de 29Itamar, de 4; FHC, de 27; Lula, de 37, e Temer, de 33.

Pedidos de impeachment de presidentes da República são protocolados na Câmara dos Deputados, e cabe ao presidente da Casa decidir se dá, ou não, andamento aos processos. Bolsonaro já contabiliza mais de 30, mas Rodrigo Maia ainda não se dignou de dar andamento a nenhum deles (e tampouco os arquivou, é bom que se diga).

Na última sexta-feira, o ministro Celso de Mello determinou que Bolsonaro fosse notificado do processo em tramitação na Corte que envolve um pedido de impeachment contra ele (o processo foi apresentado com o objetivo de cobrar, pela Justiça, que o presidente da Câmara examine um pedido de afastamento protocolado em março).

Os autores alegam "omissão do Legislativo" em avaliar a abertura de impeachment do presidente. O decano pediu “prévias informações” a Rodrigo Maia, que classificou o afastamento como “solução extrema” e pontuou que não há norma legal que fixe prazo para a avaliação dos pedidos protocolados no Congresso. A decisão por arquivar, ou não, a ação cabe ao relator, ministro Celso de Mello.

Em meio a esse salseiro todo, o general Augusto Heleno desceu à trincheira das redes sociais e, armado de tambores e clarins, o peito estufado como uma segunda barriga, proclamou que o decano do STF cometerá "um ato impatriótico, quase um atentado à segurança nacional" se mandar divulgar a íntegra da gravação da reunião ministerial de 22 de abril (vale lembrar que o Celso de Mello deve assistir ao vídeo hoje à tarde e decidir se libera o conteúdo parcial ou integralmente).

Heleno insinua que, na reunião, o presidente e seus ministros trataram de "assuntos confidenciais e até secretos." Em petição ao decano, a defesa de Moro pede transparência total, alegando que a gravação não expõe "segredos de Estado", apenas "constrangimentos". De fato, a julgar pelos vazamentos, a reunião transcorreu em clima de botequim, sob atmosfera constrangedora, marcada por xingamentos, desqualificações e alucinações.

Ao empurrar Moro para fora do governo, o Cavalão, digo, o capitão ganhou um adversário metódico. Com a experiência adquirida em 22 anos de magistratura, o ex-ministro tenta transformar sua cruzada contra numa espécie de combo, misturando dois inquéritos: o que apura a interferência política de Bolsonaro na PF e o que investiga um aparato de fake news com as digitais do bolsonarismo. Moro e seu advogado, Rodrigo Sanchez Rios, insistem em vincular os comentários feitos pelo presidente, na reunião de 22 de abril, à mensagem que ele enviou para o então ministro da Justiça no dia seguinte, via WhatsApp.

Na reunião, Bolsonaro falou em trocar "gente da segurança nossa no Rio de Janeiro" (pode me chamar de superintendente da PF) antes que surgisse uma "sacanagem" com potencial para "foder minha família toda ou amigo meu". Deixou claro que, para atingir seu objetivo, demitiria até o ministro se necessário. No WhatsApp, reproduziu para Moro notícia segundo a qual o inquérito sobre fake news está "na cola" de uma dezena de parlamentares bolsonaristas. E arrematou, referindo-se a Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF: "Mais um motivo para a troca". Os dois inquéritos correm no STF; um é relatado pelo ministro Celso de Mello, e o que roça em Carluxo, pelo ministro Alexandre de Moraes. Num, observa-se o desejo de Bolsonaro, noutro a causa. Juntá-los é como unir pólvora e o fósforo.

Num esforço extra para defender o chefe da acusação de interferir politicamente na PF, Augusto Heleno divulgou uma nota. Quem lê o texto fica com a impressão de que, defendido pelo amigo, o presidente tornou-se um personagem ainda mais indefeso. A pretexto de socorrer Bolsonaro, um amigo em apuros, o general namora o ridículo. E vem sendo totalmente correspondido. Beleza. Cada um faz com sua biografia o que bem entender. O que não é aceitável é que peça aos brasileiros para fazerem como ele, fingindo-se de bobos pelo bem do presidente.

"Não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu. Vou interferir. Ponto final", proclamou o general da banda na fatídica reunião. Sua declaração consta de transcrição oficial levada ao STF pela AGU, que extraiu da gravação feita durante a reunião os trechos que considera relevantes para o inquérito. A transcrição é parcial, mas o pouco que ela expõe já é suficiente para desnudar a versão oficial difundida pelo próprio Bolsonaro. "Eu não falo Polícia Federal", disse o capitão. Mentira. A menção ao órgão escorre dos lábios do presidente no instante em que ele se queixa do desempenho dos serviços de espionagem do governo. "Pô, eu tenho a PF, que não me dá informações", ralhou a certa altura.

Bolsonaro também afirmou a repórteres que o conteúdo da fita estilhaçaria a acusação de Moro, que mencionara somente preocupações com sua segurança pessoal e a proteção de seus filhos e amigos, e que não dirigira a queixa a Moro, mas o chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Lorota. O contexto e os fatos que se sucederam ao encontro não deixam dúvidas de que os alvos eram a PF e Moro. "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse o presidente.

Com efeito, nesse trecho o capitão não cita a PF nem Moro, mas tampouco faz referência ao GSI nem ao general Heleno. Confrontada com os fatos, a versão não para em pé. De resto, o que se verificou nos dias subsequentes à reunião foi uma incursão de Bolsonaro na estrutura da PF, não no GSI. E que ele exonerou o diretor-geral da PF, Mauricio Valeixo, com requintes de falsidade, seja por anotar no ato de exoneração que o delegado deixou o cargo "a pedido", seja por incluir no documento a assinatura digital de Moro.

Nas pegadas do expurgo de Valeixo sobrevieram o desembarque de Moro, a tentativa de nomeação de Ramagem (barrada pelo STF), a troca de Ramagem pelo subordinado dele na Abin e a mexida no comando da superintendente da PF no Rio. Tudo exatamente como ameaçara Bolsonaro na reunião: "Vai trocar [o superintendente do Rio]; se não puder trocar, troca o chefe dele [Valeixo]; não pode trocar o chefe, troca o ministro [Moro]. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira."

No GSI, nada indica que o general Heleno tenha sido decapitado. Não há registro de substituições no grupo que cuida da segurança de Bolsonaro e de sua família. Afora a percepção de que Bolsonaro tentou mesmo colocar a PF a serviço do seu clã, a transcrição trazida à luz pela AGU revela que o presidente tem uma noção esquisita sobre a tarefa dos órgãos de inteligência do governo. Do modo como se expressou, ele parece associar esse setor mais à bisbilhotagem do que à coleta de dados estratégicos, úteis à tomada de decisões de um presidente. 

O linguajar rastaquera, os modos rústicos e a ignição instantânea fazem parte do DNA do capitão caverna, mas os temas tratados na reunião parecem ter aguçado os seus maus bofes. Em certos trechos, ele se dirigiu aos subordinados como se estivesse fora de si, e sempre que isso ocorre ele não consegue esconder o que tem por dentro.

Resta a Bolsonaro confiar na aposta que fez ao indicar Augusto Aras para o posto de procurador-geral. Se ele decidir que a investigação deve ser arquivada, o assunto estará encerrado, não importa a quantidade de evidências em contrário. É nisso que aposta o Cavalão, mas, por vias das dúvidas, articula com o rebotalho do Centrão para evitar que eventuais desdobramentos políticos lhe ameacem o mandato.

Aras já pediu ao ministro Celso de Mello que mantenha os detalhes sórdidos da gravação da reunião em sigilo, revelando-se menos concessivo do que a AGU e mostrando-se mais realista que o rei. Defensor de Bolsonaro no imbróglio, o AGU defendeu que sejam expostas à luz solar todas as manifestações do presidente na reunião, menos "a breve referência a eventuais e supostos comportamentos de nações amigas", além das falas dos ministros e presidentes de bancos públicos presentes à reunião. 

Aos devotos que carregam seu andor nas redes sociais, Bolsonaro disse o seguinte: "São dois trechos de 30 segundos que interessam ao processo. Mas, da minha parte, autorizo a divulgar todos os 20 minutos, até para ver dentro de um contexto. O restante a gente vai brigar. A gente espera que haja sensibilidade do relator [Celso de Mello]. É uma reunião reservada nossa.”

No serviço público, a publicidade é a regra e o sigilo, a exceção. Pela lei, o Planalto poderia ter requisitado a classificação da fita da reunião como sigilosa, secreta ou ultrassecreta. Mas não ocorreu a ninguém que seria necessário proteger segredos de polichinelo despejados num encontro com mais de duas dezenas de pessoas, incluindo dirigentes de bancos públicos.

Aras justifica a defesa do breu com o argumento de que a divulgação da íntegra transformaria o inquérito em "palanque eleitoral precoce das eleições de 2022." Se procurar um pouco, o procurador notará que o palanque já está montado. De um lado, o capitão das trevas, candidato à reeleição. Do outro, Moro, potencial adversário do trevoso. O procurador esmiuçou suas preocupações: "A divulgação integral do conteúdo o converteria, de instrumento técnico e legal de busca da reconstrução histórica de fatos, em arsenal de uso político, pré-eleitoral (2022), de instabilidade pública e de proliferação de querelas e de pretexto para investigações genéricas sobre pessoas, falas, opiniões e modos de expressão totalmente diversas do objeto das investigações."

Deve-se torcer para que o esforço exibido pelo PGR na busca de argumentos para poupar o governo da exposição de um vexame seja duradouro. O empenho pode ser útil na hora de procurar no inquérito elementos para o oferecimento de uma denúncia criminal que Bolsonaro dá de barato que o procurador-geral não formalizará. 

Aras está sendo pressionado pelas duas partes. Por um lado, a pressão interna, vinda dos procuradores, é pela denúncia, sobretudo depois de terem visto a gravação e interrogado as testemunhas. Há informações de que, ao receber os primeiros detalhes sobre o vídeo, o PGR soltou um palavrão de espanto diante dos relatos. De outro lado, a pressão vem do Cavalão, digo, do presidente, que acena ao procurador com a vaga do decano no STF, mas insinua que a indicação dependeria da atuação de Aras.

À medida que as provas se acumulam, arquivamento desse processo fica mais difícil. O advogado constitucionalista Gustavo Binemboim, muito antes de o vídeo da reunião ministerial se tornar o busílis da questão, escreveu um artigo em que explica os padrões decisórios consolidados para situações de incerteza no direito processual penal: in dúbio pro societate (em dúvida, a favor da sociedade), pelo recebimento da denúncia, no início do processo; in dúbio pro réu (em dúvida, a favor do réu) quando do julgamento final. “Na instauração da ação penal, prefere-se correr o risco de processar suposto inocente a inocentar possível culpado. No veredicto final, havendo dúvida razoável, prefere-se inocentar eventual culpado a condenar virtual inocente”.

Toda investigação é um quebra-cabeça que vai sendo montado peça por peça. Se alguma for esquecida, não se forma a figura final. Aras precisa levar em conta as atitudes pregressas do Cavalão, digo, do presidente, que desde agosto fala publicamente que quer mudar o comando da PF no Rio. Cabe ainda ao PGR analisar cuidadosamente o ambiente da reunião ministerial. Bolsonaro disse que em nenhum momento se referiu à Polícia Federal; os ministros Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos disseram que ele falou, sim, mas em outro momento da reunião, em outro contexto. Depois, tiveram uma crise de amnésia — que acometeu também o general Heleno. É preciso ver o vídeo inteiro para juntar as peças do quebra-cabeça. Um bom passatempo para o decano na quarentena.

Ao fim e ao cabo, de concreto, por ora, há apenas a evidência de que o rei se desnudou. O preço do apoio do centrão dependerá do tamanho da nudez.

Com Merval Pereira e Josias de Souza.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

FATOS OU VERSÕES?


Não sei o que está mais difícil de aturar: se a quarentena — que, pelo visto, deve durar até o final dos tempos; se o noticiário, que atualiza frame a frame o número de infectados e mortos pela Covid-19; se o patético jus sperniandi do napoleão de hospício, que em sua maneira tradicionalmente tosca e canhestra tenta explicar o inexplicável e justificar o injustificável.

Igualmente desconcertantes, ainda que em menor medida, o contorcionismo dos ministros generais para não faltar com com a verdade e, ao mesmo tempo, evitar incriminar um capitão que, ironicamente, acontece de ser seu comandante em chefe.

Acrescente-se a essa pândega um ministério da Saúde acéfalo, um médico songamonga em avançado processo de fritura (*) e um inquérito envolvendo uma guerra de narrativas que serve apenas para acirrar os ânimos e fomentar a dicotomia. Quando por mais não seja, bastaria tornar pública a gravação da fatídica reunião ministerial de 22 de abril para pôr um ponto final nessa história.

(*) Bola cantada, bola encaçapada: Menos de um mês depois de substituir Mandetta no comando do Ministério da Saúde, o oncologista Nelson Teich — que na cerimônia de posse disse estar alinhadíssimo com Bolsonaro — pediu demissão na manhã desta sexta-feira. A live do presidente na véspera, marcada por ataques gratuitos ao ministro e a seu trabalho, e a ingerência no ministério, coroada pelo decreto que incluiu cabeleireiros, barbeiros e academias de ginástica à lista das atividades "essenciais", foram a gota que fez o copo transbordar. O médico deixou o ministério na noite de ontem disposto a seguir no governo, e pavimentava o caminho para tentar reduzir a tensão, mas as palavras do general da banda na internet deixaram evidente que ele já não fazia questão de preservar seu soldado no front de batalha. A demissão pegou de surpresa até mesmo os auxiliares que vinham tentando auxiliar o ora ex-ministro no gerenciamento da crise. Bolsonaro chegou a convidar o número dois da pasta, o general Eduardo Pazuello, para assumir o posto, caso Teich se demitisse. Mas Osmar Terra — esse, sim, alinhadíssimo com o capitão sem luz no que tange ao afrouxamento da quarentena e ao uso da cloroquina — também é um forte candidato. Faças suas apostas.

Vivemos num país em que políticos se elegem para roubar, roubam para se reeleger e escrevem leis em causa própria e para favorecer seus bandidos de estimação. Aqui, a raposa é pilhada na porta do galinheiro, com as penas da galinha grudadas no focinho, mas considerada inocente até que regurgite a ave, devolva-lhe a vida e torne a comê-la, desta vez dentro do galinheiro e sob as vistas "imparciais" das corujas supremas, que só enxergam o que lhes convém e quando lhes convém.

A estratégia do ex-ministro Sergio Moro nunca foi a de simplesmente apontar o caminho das provas no inquérito, mas, principalmente, de tornar pública a forma incauta como seu ex-chefe insistiu na troca de peças-chave no comando da PF. Na última quarta-feira, seus advogados afirmaram que a divulgação integral do vídeo da reunião ministerial “trará à luz inquietantes declarações de tom autoritário inviáveis de permanecerem nas sombras” e que caracterizará verdadeira lição cívica. O que vai ao encontro do que eu disse linhas atrás.

Ao dizer em seu depoimento à PF que não apontou crime contra o presidente, e que esse juízo caberá às “instituições competentes”, Moro se defendeu, mas, em seguida, contra-atacou: “que o declarante [Moro] gostaria de sintetizar as provas que pode indicar a respeito do seu relato; [como] as declarações do Presidente no dia 22 de abril de 2020, na reunião com o conselho de ministros, e que devem ter sido gravadas como é de praxe”.

Na avaliação de investigadores da PF e de procuradores do MPF, a vinculação entre a troca na superintendência da instituição do Rio e a proteção à primeira-família pode dificultar bastante o arquivamento da investigação. Resta saber se o PGR resistirá à tentação de se desviar do caminho da denúncia se o alvo da denúncia tenta desviá-lo desse caminho, balançando na ponta de uma vara, diante de seu nariz, a sedutora cenoura da vaga de Celso de Mello no STF.

Mesmo que o procurador entenda que não houve crime na postura do capitão e defenda o arquivamento do inquérito, a divulgação do vídeo, defendida por Moro, permitirá que qualquer cidadão submeta as evidências ao presidente da Câmara na forma de mais um pedido de impeachment. Há quem diga que o arquivamento da denúncia esvaziaria o processo no Legislativo, mas não é isso que mostra a história recente (vide o impeachment do caçador de marajás de araque, em 1992). 

Para o colunista de Veja Thomas Traumann, o capitão pode enfrentar uma tempestade perfeita: a crise moral pela pandemia e a postura negacionista responsável em parte pela propagação da doença, a crise econômica causada pelo fechamento do comércio para combater o vírus e, finalmente, a política, agravada pelas denúncias de Moro. E de acordo com o também colunista de Veja Matheus Leitão, um importante ator e jurista brasileiro avalia que parte dos apoiadores do presidente pode debandar ao ver, na gravação da reunião, a forma torpe como o capitão e alguns de seus ministros se comportaram, sem falar na obviedade ululante da ingerência na PF, que somente um cego não vê que era impedir investigações contra rebentos e aliados.

Por falar em narrativas, versões e meias verdades, não deixe de clicar neste link.

domingo, 7 de novembro de 2021

O IMBROXÁVEL SEM SACO



Dizendo "estar sem saco", o mito imorrível, imbroxável, incomível e insuportável, recém-chegado de mais um passeio turístico a custas do erário canarinho, abreviou sua live da última quinta-feira. Alguém deveria lembrá-lo de que "sem saco" estamos nós. Além de desolados com a possibilidade de aturar, por mais 13 meses e 22 dias, uma gestão pior que a da gerentona de araque — que alguns de nós, eu inclusive, considerávamos insuperável. Sem mencionar a possibilidade (nada remota) de termos em 2022 um repeteco do pleito plebiscitário de 2018, mas com uma diferença fundamental: enquanto no anterior a récua de descerebrados (que representa a maioria do nosso esclarecidíssimo eleitorado) obrigou a minoria pensante a apoiar o bolsonarismo boçal (que até então não se achava que fosse também corrupto) para evitar o nada desejável retorno do lulopetismo lalau, no próximo, ao que tudo indica, dar-se-á o inverso.

Até o presente momento, o que se tem de concreto é a abjeta polarização que a igualmente abjeta "alma viva mais honesta da galáxia" gestou e pariu com a também abjeta cantilena do "nós contra eles", mas, também aí há uma diferença importante: antes de 2018, o "eles" era o tucano da vez; agora, trata-se de um certo presidente sem partido. E como o mundo dá muitas voltas, fala-se na possibilidade de Geraldo Alkmin, tucano de vistosa plumagem, disputar a vice-presidência na chapa encabeçada pelo ex-presidiário de Curitiba. É mole?

Só nos resta torcer pela tal terceira via, que só terá chances reais de prosperar se os candidatos "alternativos" se unirem em prol de um objetivo comum, qual seja impedir que Bolsonaro chegue ao segundo turno — considerando que todas as pesquisas feitas até agora apontam o petralha como franco-favorito, a pulverização da terceira via labora em seu favor.

A pré-candidatura do ex-juiz Sérgio Moro é uma possibilidade a ser considerada — a largada oficial deve ser dada nos próximos dias, com a festa do Podemos, e algum efeito nas pesquisas, observado no mês que vem, perto do Natal. O que se sabe, desde já, é que ele sai em vantagem na disputa. Antes de iniciar a campanha, o eterno juiz da Lava-Jato é o candidato com o maior percentual no mano a mano com o provável candidato do PT: na pesquisa feita pelo Ipespe para o segundo turno, ele perde para o ex-presidiário com 34% dos votos, mas vence Bolsonaro (32%), Ciro Gomes (29%), João Doria (23%) e Eduardo Leite (22%).

Deltan Dallagnol deve disputar uma vaga na Câmara pelo Paraná. Por ser atuante na Igreja Batista, o ex-coordenador da Lava-Jato pode conquistar votos entre os evangélicos — eleitorado cativo de Bolsonaro. Cansado de ser perseguido por tentar fazer seu trabalho, o procurador pediu exoneração do Ministério Público. Se realmente entrar para a política, sua candidatura poderá favorecer de Moro na disputa pela Presidência.

O líder do Cidadania na Câmara, deputado Alex Manente, disse a Moro que defende a retomada da tramitação da PEC da prisão de condenados em segunda instância, que está empacada na Câmara desde o começo da pandemia. Segundo entrevista concedida pelo parlamentar ao Antagonista, a entrada de Moro na política partidária vai ajudar a retomar o discurso da proposta e favorecer sua aprovação. Na avaliação do líder do Cidadania, o nome do ex-juiz é o mais importante da terceira via; quem rejeita sua candidatura são os "radicalizados", para os quais a opção por Lula ou Bolsonaro é "irreversível".

Em seu depoimento à PF, o sultão do Bolsonaristão afirmou que sugeriu a Sergio Moro a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da corporação, e que o então ministro da Justiça e Segurança Pública disse concordou, “desde que a nomeação ocorresse após sua indicação à vaga no STF”.

Vale lembrar que na ocasião, por mensagem de aplicativo, a deputada Carla Zambelli se ofereceu para tentar pacificar a crise, e o ainda ministro respondeu: “Prezada, não estou à venda”. A deputada insistiu: “Ministro, por favor… milhões de brasileiros vão se desfazer”. E depois: “Por Deus, eu sei. Se existe alguém no Brasil que não está à verba [sic] é o sr.”.

Depois da divulgação do conteúdo do depoimento de Bolsonaro à PF, o ex-juiz e ex-ministro divulgou uma nota afirmando que não troca princípios por cargos e que jamais condicionou a troca no comando da PF à vaga no Supremo. Segundo ele, o próprio Bolsonaro deixou claros os motivos da troca na reunião ministerial de 22 de abril.

Sobre o depoimento do Presidente da República no inquérito que apura interferência política na Polícia Federal, destaco que jamais condicionei eventual troca no comando da PF à indicação ao STF. Não troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como Ministro. Aliás, nem os próprios Ministros do Governo ouvidos no inquérito confirmaram essa versão apresentada pelo Presidente da República. Quanto aos motivos reais da troca, eles foram expostos pelo próprio Presidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020 para que todos ouvissem. Também considero impróprio que o Presidente tenha sido ouvido sem que meus advogados fossem avisados e pudessem fazer perguntas.”

Fato é que o mesmo Judiciário que articulou a libertação do presidiário de Curitiba e o transformou em "ex-corrupto" vem armando um bote que tem por objetivo pôr Moro e Dallagnol atrás das grades. No Brasil de hoje, essa ministros das cortes superiores se valem de uma hermenêutica desbragada para soltar os bandidos e colocar em suas celas os "xerifes" que os prenderam.   

O tempo trabalha a favor da candidatura da Terceira Via. A aposta é derrotar o sociopata no primeiro turno e montar uma aliança nacional contra Lula no segundo.

Com O Antagonista

sábado, 2 de abril de 2022

O BRASIL E O PRIMEIRO DE ABRIL



Dia da Mentira é celebrado em alguns países ocidentais, entre os quais o Brasil. Pregar peças (pranks) durante o Fool's Day (Dia dos Tolos) é uma prática que foi importada dos EUA pelos tupiniquins. Mas o Brasil é um ponto fora da curva em muitos sentidos, e 2022 é mais um ano atípico. Até porque é ano de eleições gerais.


Escrevo este texto na manhã de 1º de abril. Na véspera, aniversário do golpe militar de 1964, o general Braga Netto, que se desincompatibilizou do cargo de Ministro da Defesa para disputar a vice-presidência na chapa encabeçada por Bolsonaro, publicou uma ordem do dia celebrando um "movimento" e um "marco histórico da evolução política brasileira"


Ainda segundo o conspícuo general, os militares agiram para "restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil", embora não haja qualquer evidência histórica que sustente tal afirmação. E Bolsonaro, que se elegeu presidente em 2018 assegurando, entre outras promessas que não cumpriu, acabar com o instituto da reeleição, rosnou que o pleito presidencial de outubro próximo será “uma guerra do Bem contra o Mal”. 


Observação: A nota do general não diz, mas a ditadura militar foi um período de turbulência, de violência arbitrária e de gestão econômica irresponsável. Trouxe recessão, explosão da dívida externa e hiperinflação. Falar em amadurecimento político em uma ditadura é ridículo. Dizer que “trouxe paz”, só se for a paz dos cemitérios. Dizer que o regime observou “o regramento constitucional” é mentira: a ditadura rasgou a Constituição de 1946, criou uma Constituição espúria e, ao praticar a tortura e baixar atos institucionais, não respeitou nem essa própria Constituição.

 

Costuma-se dizer que nunca se mente tanto quanto numa guerra, durante uma campanha eleitoral e depois de uma pescaria. No Brasil, as mentiras — que de um tempo a esta parte passaram a ser chamadas de fake news — tornaram-se o way of live de políticos ímprobos, que, nunca é demais lembrar, não brotam nos gabinetes por geração espontânea; estão lá por obra e graça do esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim. 


Quando li que a Polícia Federal chegou à conclusão de que Bolsonaro não cometeu crime por interferências na instituição, pensei tratar-se deu uma clássica pegadinha de 1º de abril. Segundo o relatório, a despeito de todos os dados analisados, de todas as perícias realizadas e das 18 pessoas ouvidas em quase dois anos de investigação, nenhuma prova foi encontrada — as testemunhas alegaram não ter recebido pedidos para interferir ou influenciar investigações da PF. 

 

Vale lembrar que o próprio Bolsonaro confessou, em reunião ministerial gravada no dia 22 de abril no Palácio do Planalto, sua tentativa de interferência. Num trecho da gravação, ele detalhou que as mudanças ilegais na PF eram para proteger seus filhos. “É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.” 

 

Em outra oportunidade, Bolsonaro minimizou a repercussão dada pela imprensa a sua participação numa manifestação realizada defronte ao Quartel General do Exercito — que chamou de “Forte Apache” — em prol de uma intervenção militar no Brasil. E ainda afirmou que “o AI-5 não existe”. Ano passado, dias antes das comemorações do Dia da Independência, vociferou que haveria uma ruptura se o STF agisse fora das “quatro linhas da Constituição”. Seus discursos no dia 7 de setembro — tanto na Praça dos Três Poderes, em Brasília, quanto na Avenida Paulista, em São Paulo — foram assustadores. Mas ninguém fez nada a respeito. 

 

A despeito de ser o presidente que mais vituperou o Estado Democrático de Direito, o STF e o Congresso Nacional desde a redemocratização, de colecionar mais de 140 pedidos de impeachment, de ser alvo de seis inquéritos e de ter sido acusado pela CPI do Genocídio pela prática de mais nove crimes (comuns e de responsabilidade), Bolsonaro não só continua no cargo como é candidatíssimo à reeleição. E como nada é tão ruim que não possa piorar, de duas, uma: ou essa tragédia se prolonga por mais quatro anos, ou amargamos a volta do ex-presidiário mais famoso desta banânia, ora paramentado com a esdrúxula plumagem de “ex-corrupto”. E isso não é pegadinha de primeiro de abril.

 

Contando, ninguém acredita, mas também não é pegadinha de primeiro de abril: O deputado bolsonarista Daniel Silveira — que se entrincheirou na Câmara dos Deputados para descumprir decisão judicial que determinou o uso de tornozeleira eletrônica (e só desarmou o circo depois que o ministro Alexandre de Moraes estipulou uma multa de R$ 15 mil por dia e mandou bloquear as contas bancárias do parlamentar) — não só compareceu ao evento de despedida dos ministros que deixaram os cargos para disputar as eleições de outubro como foi defendido pelo presidente


Não podemos aceitar o que vem acontecendo passivamente. Ele [Daniel Silveira] pode ser preso? Deixa para lá. Pode ter os bens retidos? Deixa para lá. Vai chegar em você”, discursou Bolsonaro, que também fez eco às aleivosias de Braga Netto. E sem citar nominalmente nenhum ministro do STF, mas fazendo uma clara alusão a Barroso e Moraes, seus principais desafetos, rugiu o leão do Bolsonaristão: “Cala a boca, bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros...

 

Triste Brasil neste primeiro de abril.

domingo, 16 de maio de 2021

COISAS DO BRASIL


Começo a postagem deste domingo (que redigi de véspera) com algumas perguntas retóricas: Quem imaginaria que o candidato vitorioso à prefeitura de São Paulo em 2020, que mal ingressou na confraria dos quarentões, estaria, dali a seis meses, desenganado pelos médicos e aguardando o minuto fatal de sua passagem por este vale de lágrimas? (Me ocorreu escrever “com o pé na cova”, mas achei a expressão desrespeitosa, sem mencionar que resultaria num trocadilho infeliz e de muito mau gosto).

Observação: Bruno Covas morreu às 8h20 deste domingo (16) aos 41 anos. Ele foi diagnosticado com a Covid em julho do ano passado, quando a doença já havia matado quase 5.600 pessoas no estado de São Paulo, mas não resistiu a câncer no sistema digestivo com metástase no fígado, contra o qual vinha lutando desde 2019. Minhas condolências à família do falecido.

Ou que um ex-presidente condenado a mais de 20 anos de cadeia (da qual saiu pela porta da frente graças a uma manobra espúria de seus sectários no STF) seria guindado à bizarra situação de “ex-corrupto” e reabilitado politicamente a tempo de disputar em carne e osso a próxima eleição presidencial? Ou quão desastrosa seria para esta republiqueta de bananas a vitória do dublê de mau militar e parlamentar medíocre (com pitadas de psicopatia, se me permitem parafrasear o ministro Luiz Roberto Barroso, um dos poucos que se salvam no supremo ninho de urubus) sobre o bonifrate do ex-presidiário no pleito de 2018? Ou, ainda, que um vírus genocida (falo do Sars-CoV-2, porque há outros por aí, com nome, endereço e CPF) dizimaria quase 0,2% da população tupiniquim em “apenas” 15 meses de pandemia?

Todas elas levam a situações em que o imprevisto teve voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. Aliás, sempre que imagino ter visto de tudo neste caldeirão de merda que atende por cenário político nacional, surge um episódio ainda mais surreal, como que para me dizer que eu ainda não vi nada. 

Não bastasse o cheiro pútrido que emana dos fatos revelados pela CPI da Covid — sem mencionar os que ainda virão à luz, considerando que o ex-ministro Eduardo Pesadelo prestará depoimento na próxima quarta-feira, a não ser que consiga arrumar outra desculpa para não dar o ar de sua graça (quem sabe uma caganeira como a que acometeu D. Pedro I há quase 200 anos) —, aflorou do mar de lama do Planalto, graças a um trabalho exaustivo e minucioso do jornal O Estado de S. Paulo, a monumental maracutaia vem sendo chamada de Tratoraço das Emendas Secretas.

A matéria apresenta fortes indícios de que o governo montou um esquema paralelo para o manejo das emendas parlamentares ao Orçamento da União a fim de assegurar apoio no Congresso. Pouco antes disso surgiram na CPI evidências sobre o uso do mesmo tipo de recurso obscuro no Ministério da Saúde, onde a gestão da pandemia conta com um grupo de aconselhamento do presidente da República que atua à margem das orientações da estrutura oficial.

Muito antes, mais exatamente em maio do ano passado, o país tomou conhecimento de que numa reunião ministerial ocorrida no mês anterior (22 de abril de 2020) o presidente da República revelara contar com um “sistema particular de informações” por não se sentir atendido pelas instâncias formais da área, tais como a Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência e até o setor de inteligência das Forças Armadas.

Voltando ainda mais no tempo, desde o início do mandato de Jair Bolsonaro sabemos da atuação, digamos, informal, de filhos e correligionários do presidente na comunicação governamental, motivo, inclusive, de atritos com aqueles oficialmente nomeados para funções nesse setor. Alguns saíram, outros preferiram ficar, simulando não perceber a impropriedade — quando não o risco do flerte com a ilegalidade — dessa maneira oficiosa de lidar com assuntos oficiais. Ali viceja o chamado gabinete de ódio, de composição e atuação envoltas em sombras.

Isso é o que por ora conhecemos sobre o conjunto de sujeitos ocultos em ação no que poderíamos chamar de Planalto profundo. Ainda que não se estabeleça com isso a existência de um governo paralelo como algo extensivo a todas as áreas, é o suficiente para constatar a predileção do presidente Bolsonaro por trabalhar, desorganizada e indisciplinadamente, com instâncias montadas à margem da máquina do Estado.

Se confirmados os indícios de uma reserva de bilhões de reais do Orçamento da União para o atendimento privilegiado (e sem transparência) de deputados e senadores, teremos a ocorrência de um crime de responsabilidade. Isso, no máximo. No mínimo, ficará demonstrada a adesão do governo aos costumes da velhíssima política.

Vestidas com roupa nova, as mesmas práticas que há quase trinta anos ensejaram uma CPI cujo resultado foi a cassação de seis deputados e a renúncia de outros quatro entre os 37 investigados, conhecidos como “anões do Orçamento”. Na gestão da crise sanitária, as posições do presidente contrárias às orientações da ciência pareciam ser fruto exclusivo da cabeça dele. A CPI da Covid vem nos mostrando que Bolsonaro bebia também em outras fontes, buscando respaldo em gente que nada tinha a ver com a equipe presidencial. Pessoas que desconheciam procedimentos normativos, como ocorreu no caso do preparo daquela minuta de decreto para incluir na bula da hidroxicloroquina o tratamento para a Covid, ao arrepio das exigências legais.

O episódio da notória reunião do fatídico 22 de abril foi o mais explícito sobre os métodos presidenciais de operação, fundados no aconselhamento de uma rede de conhecidos que compartilham das posições dele. Ali o presidente, sem imaginar que a gravação viria a ser de conhecimento público, criticou fortemente a Polícia Federal (“não me dá informações”), “as inteligências das Forças Armadas” e a Abin. Todas por não o atenderem de acordo com seus desejos e poderes que ele acredita ter.

Daí foi que revelou a existência de um “sistema particular de informações”. Ele mesmo tratou de descrever o perfil e o funcionamento do tal sistema. “É o sargento do batalhão do Bope do Rio de Janeiro, é o capitão do grupo de artilharia lá de Fortaleza, é o policial civil que tá em Manaus, é meu amigo que tá na reserva e me traz informação da fronteira”, disse ele, ressaltando a eficácia do assessoramento e ao mesmo tempo atribuindo a ineficiência das instâncias formais ao “aparelhamento das instituições”.

A solução encontrada pelo presidente, ao que se viu e se vê agora de maneira ampliada, foi montar aparelhos paralelos para exercer a chefia da administração federal como quem toca uma reforma em casa sob critérios de vontade e de conveniências pessoais. Um indubitável desvio dos ditames a que está submetido o exercício da Presidência da República.  

Com Dora Kramer 

quarta-feira, 3 de junho de 2020

DECIFRA-ME OU TE DEVORO



Quando ouvimos falar em “esfinge”, logo nos vem à mente a estátua faraônica (literalmente), com corpo de leão e rosto humano, que espreita há mais 40 séculos as pirâmides de Quéops, Quéfren e Mikerinos, em Gizé. ("Gizé" vem do árabe al-Jizzah e significa “o vale” ou “o platô”).

Para os propósitos desta abordagem, porém, interessa dizer que na mitologia grega as esfinges têm pernas de leão, asas de pássaro e rosto de mulher, e são tidas como traiçoeiras e impiedosas.

A versão que integra o elenco da tragédia Édipo Rei, do dramaturgo Sófocles (496-406 a.C.), foi enviada para Tebas pela deusa Hera, e propunha a todos que passavam pela estrada que levava a Tebas o seguinte enigma: "Que criatura tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde?

Quem não soubesse a resposta era prontamente estrangulado — e muitos o foram, até que Édipo decifrou a charada: "É o ser humano! Engatinha quando bebê, anda sobre dois pés quando adulto e recorre a uma bengala na velhice". 

Furiosa, a esfinge se suicidou, atirando-se de um despenhadeiro.

Édipo ficou mais conhecido entre nós porque o neurologista e psiquiatra Sigmund Freud batizou de Complexo de Édipo o conjunto de desejos amorosos e hostis que meninos podem alimentar em relação à própria mãe. Isso porque, na tragédia de Sófocles, nosso herói matou o pai, Laio, para se casar com a própria mãe, Jocasta.

A telenovela Mandala, exibida pela Rede Globo em 185 capítulos (entre outubro de 1987 e maio de 1988) foi inspirada na tragédia retrocitada, e tinha como tema a luta do homem contra o próprio destino. A trama foi ambientada no Rio de Janeiro, e os primeiros 16 capítulos tinham como pano de fundo a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, e a Campanha da Legalidade, organizada para assegurar a posse de João Goulart

Na sequência, uma estudante de sociologia filiada ao partido comunista chamada Jocasta (personagem de Giulia Gam) se apaixona por um colega de faculdade chamado Laio (Taumaturgo Ferreira), que vivia a custas da mesada do pai e não fazia nada sem antes consultar o guru Argemiro (Marco Antônio Pâmio). Os dois se envolveram, a moça engravidou. Argemiro jogou os búzios e previu que o filho de Laio odiaria o pai e teria uma relação amorosa com a mãe. Laio tentou convencer Jocasta a abortar, mas não teve sucesso, e com a ajuda do guru urdiu um plano envolvendo a enfermeira da maternidade, que concordou em raptar a criança e... enfim, basta clicar aqui para ler uma breve resumo do desenlace.

No âmbito da Filosofia, o termo enigma (do vocábulo latino aenigma, que provém do grego ainíssesthai de ainos, que significa "falar com sentidos ocultos") designa um "problema impossível de resolver" — não por exceder nossos meios de conhecimento nem por razões unicamente lógicas, mas por estar mal colocado. Segundo o filósofo austríaco Ludwig Joseph Johann Wittgenstein, o enigma não passa de um jogo ou uma ilusão, existindo apenas para os que se deixam enganar por ele. 

Findo este (não tão) breve preâmbulo, a ideia era traçar um paralelo entre o Enigma da Esfinge e Jair Messias Bolsonaro, que não tem corpo de leão nem cara de mulher, mas desafia mandalas, búzios e cartas de tarô com sua sociopatia, egolatria e pitadas de narcisismo e messianismo — que, nunca é demais lembrar, não implicam déficit cognitivo; o presidente sabe muito bem o que faz e, portanto, pode e deve ser responsabilizado por seus atos.
   
Pensei também em embasar esta matéria com exemplos pontuais, e para isso revisitei centenas de postagens publicadas desde o primeiro turno das eleições de 2018, quando a parcela desinformada e descerebrada do eleitorado descartou o bebê junto com a água da bacia, ou seja, varreu da disputa, juntamente com o bizarro elenco de feira de horrores travestido de postulante à Presidência, duas ou três opções que talvez fizesse mais sentido a gente experimentar.

Depois de considerar o espaço que esse detalhamento ocuparia, quão grande ficaria esta postagem e tão cansativa seria sua leitura, resolvi recomendar a quem interessa possa que faça como eu fiz. Para facilitar a navegação através das quase 5.000 postagens publicadas, recorra ao campo "Arquivos do blog", que fica parte inferior da coluna à direita.

Observação: O despreparo do eleitorado impingiu à parcela pensante da população duas singelas alternativas para impedir que o patético bonifrate que se prestou ao ridículo papel de preposto do criminoso de Garanhuns se aboletasse no Palácio do Planalto: aliar-se aos igualmente patéticos bolsomínions ou engrossar as fileiras dos 42 milhões de brasileiros que anularam o voto, votaram em branco ou se abstiveram de votar. Não dá para dizer como estaríamos se o resultado tivesse sido outro, mas certamente não teríamos um projeto de psicopata no comando desta Nau de Insensatos.

O que foi dito nos parágrafos anteriores explica a vitória do capitão, mas não seu comportamento lunático, suas constantes agressões à imprensa, caneladas nos presidentes da Câmara e do Congresso e boladas nas costas de aliados — que resultaram na substituição, compulsória ou a pedido, de ministros do quilate de Gustavo Bebianno, Floriano Peixoto, Santos Cruz, Henrique Mandetta, Sergio Moro e Nelson Teich, e na ruptura com os deputados federais Joice Hasselmann e Alexandre Frota e a deputada estadual Janaína Paschoal, entre outros. 

Observação: Curiosamente, ministros como a pastora evangélica que viu Jesus na goiabeira — e, na célebre reunião ministerial de 22 abril, defendeu a prisão de prefeitos e vereadores — e o da Educação, que não sabe escrever e não tem educação — e que defendeu na mesma reunião a “prisão de vagabundos, a começar pelos ministros do STF” —, parecem ser “imexíveis”, como diria o sindicalista que o ex-presidente caçador de marajás de araque nomeou ministro do Trabalho e Previdência em sua desditosa gestão (abortada pelo primeiro impeachment presidencial da Nova República), e que foi obrigado a exonerar devido a  pasmem!  suspeitas de corrupção!

Ao longo dos últimos 17 meses, Bolsonaro abandonou uma a uma suas principais bandeiras de campanha  como a do combate à corrupção e punição dos corruptos, fossem eles quem fossem, e a do repúdio à velha política do toma lá, dá cá.

No primeiro caso, relembro a entrevista concedida pelo capitão à Bloomberg, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos. Questionado sobre as suspeitas de rachadinha no gabinete do primogênito na Alerj (o célebre Caso Queiroz), o presidente respondeu, litteris: "Se por acaso Flávio errou e isso ficar provado, eu lamento como pai. Se Flávio errou, ele terá de pagar preço por essas ações que não podemos aceitar".

Palpiteiros de plantão aplaudiram a retidão do mandatário, mas eu mantive um pé atrás. No post de 24/01/19 eu disse que “seria bom, só para variar, que não viéssemos a assistir uma reprise do episódio em que Lula, questionado sobre a ascensão financeira do primogênito Lulinha, referiu-se ao pimpolho como ‘Ronaldinho dos negócios”. E foi tiro e queda.

A polarização político-ideológica que o molusco abjeto instituiu com seu nefando "nós contra eles" criou legiões de anormais que acreditam naquilo que querem acreditar. Para os petistas, vale a versão, não o fato, daí a patuleia reverberar narrativas absurdas, sem pé nem cabeça, construídas sob medida pelos marqueteiros dos partidos para fins eminentemente proselitistas. Seu fanatismo é tamanho que até hoje essa caterva acredita que Lula foi condenado sem provas e preso injustamente. O que não chega exatamente a surpreender: se esse bando de pacóvios não consegue achar a própria bunda usando as duas mãos e uma lanterna, tampouco encontrariam provas contra seu amado líder. Nem mesmo se elas saltassem dos autos e lhes mordessem o nariz.

ObservaçãoNão faltam provas contra o molusco nas ações sobre o triplex e sobre o sítio, como reconheceram, inclusive, os desembargadores do TRF-4 e os ministros do STJ que julgaram os recursos do criminoso.

Por mal dos nossos pecados, os bolsomínions agem da mesma maneira (ou até pior) que a militância vermelha. No que tange à reunião ministerial de 22 de abril, por exemplo, essas toupeiras não veem absolutamente nada que sequer sugira a mais remota intenção do "mito" de interferir na PF. Mas bastaria que tirassem a venda do fanatismo e colocassem os óculos do bom senso para que concluíssem que se alguém está mentindo nessa história, esse alguém não é o ex-ministro Sergio Moro.

Observação: Não sei com certeza o que têm na cabeça os sectários de Lula e os puxa-sacos do capitão sem luz, mas suspeito que seja uma substância de cor amarronzada, consistência pastosa e cheiro bastante desagradável. É certo que as coisas nem sempre são o que parecem. Mas é igualmente certo que, às vezes, elas são. Como dizia o próprio Freud, “às vezes um charuto é só um charuto”.

Da gravação da tal reunião, salta aos olhos que Bolsonaro confunde governar com guerrear e confirma ad nauseam sua disposição de “interferir mesmo” quando ações desagradem a ele, à família e aos amigos. E o louvor ao combate fica patente não só como retórica política, mas também no sentido literal.

O vídeo desnudou um presidente conduzindo uma reunião ministerial com sangue nos olhos, explicitamente temeroso de não concluir o mandato, exortando o povo a “se armar”, a fim de enfrentar os que ele, Bolsonaro, acusa de pretender implantar uma “ditadura” no país. No que tange a seus vassalos, disse o general da banda: “Quem for elogiado pela Folha, pelo Globo, pelo Antagonista, está fora”, deixando claro que a ele não importa a qualidade do trabalho do auxiliar, mas a disposição de servi-lo de maneira cega.

Embora não tenha citado nomes, Bolsonaro fez referências claras ao Congresso e ao Judiciário quando falou, de maneira depreciativa, “esse pessoal aqui do lado” (da Praça dos Três Poderes), e ao dizer que falaria “na linha do Weintraub” logo depois de o ministro da deselegância ter dito que. se dependesse dele, “mandava pôr esses vagabundos todos na cadeia, a começar STF”.

Nem é preciso que o vídeo contenha a tal “bala de prata”, que justifique o processo de impedimento, para que se veja um presidente violento, interessado em impor suas convicções pessoais como políticas de governo, intolerante com o contraditório e bastante indulgente com propostas heterodoxas na administração pública.

Bolsonaro ficou calado quando o ministro Ricardo Salles propôs a derrubada de regulamentações “de baciada” enquanto “a imprensa está ocupada com a Covid-19”, e tampouco se manifestou quando a ministra que viu Jesus na goiabeira disse que seu gabinete pegaria pesado quando terminasse a pandemia, ameaçando mesmo “prender governadores e prefeitos”, devido à aplicação de medidas de isolamento social.

O vídeo pode não ser suficiente para embasar um impeachment formal (embora existam provas e provas, como veremos numa próxima postagem, quando tratarmos do “standard de prova”), mas dá e sobra para provocar seu impedimento moral no ofício de bem governar. O que me leva a encerrar com a seguinte anedota:

Dois amigos iam pela calçada quando se depararam com uma “obra canina”.
— Será que é merda? — perguntou um deles.
— Não sei — respondeu o outro. — Mas que parece, parece.
O primeiro se aproximou do troçulho, examinou-o atentamente e disse:
— Tem jeito de merda.
Tocou levemente o estrabo, levou o dedo ao nariz, fungou e diagnosticou:
— Tem cheiro de merda.
Ainda em dúvida, lambeu o dedo e só então sentenciou:
— Também tem gosto de merda! Então deve ser merda!
E o outro disse:
— Se é assim, ainda bem que não pisamos.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

E DÁ-LHE, CAPITÃO!



O noticiário deste início de semana constrange os brasileiros com dois fatos que não deveriam acontecer simultaneamente: a fila de depoentes ilustres do inquérito sobre a interferência do presidente da República na PF e a pilha de corpos do coronavírus. Os observadores do futuro — se houver futuro — ficarão fascinados com o relato de fatos extraordinários que aconteceram com pessoas ordinárias — em todos os sentidos.

Para barrar eventual denúncia da PGR ou processo de impeachment, Bolsonaro se aliou ao que há de pior na política nacional — e que ele tanto repudiou durante a campanha. No melhor estilo toma lá, dá cá, negocia o apoio das marafonas do Centrão — parlamentares fisiologistas, que alugam seus favores a quem se dispõe a pagar por eles como fazem prostitutas nas zonas de baixo meretrício, mas o detalhe é que estas cumprem sua parte no trato, ao passo que os políticos venais nem sempre o fazem. Enfim, com parte do Congresso seduzida pela oferta de cargos e a oposição brigando entre si, o general da banda mira no STF — é quase unanimidade entre ministros olavistas, assessores ideologistas e seu triunvirato de pimpolhos que o Supremo “é o inimigo a ser eliminado”. Será uma batalha perdida ou uma vitória de Pirro, dependendo de diversas variáveis.

Ontem foi exibido ao decano Celso de Mello (e distintos convidados) o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. O ex-ministro da Justiça, que madrugou na fila para assistir à avant-première, afirma que a gravação mostrará que Bolsonaro pediu publicamente a cabeça de Maurício Valeixo da direção-geral da PF e a nomeação de um delegado mais afinado, como Alexandre Ramagem, e o ameaçou de demissão, caso não fosse atendido. Sabe-se agora que foi exatamente isso que aconteceu, ainda que apoiadores de um e de outro venham torturando os fatos para encaixá-los em suas versões.

Também depuseram ontem os ministros militares Augusto Heleno (GSI), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), que participaram da tal reunião e, portanto, poderia confirmar — ou não — a versão de Moro. Eles foram arrolados, pela defesa de Moro, como testemunhas das ameaças proferidas pelo presidente. A convocação colocou-os numa saia justa: se o ex-ministro disse a verdade e eles o confirmassem, estariam sendo desleais com o chefe e tornando a denúncia quase inevitável. Se o desmentissem e, mais adiante, ficasse provado que mentiram, teriam sido coniventes com e poderiam ser processados. Se calassem, estariam admitindo que o presidente é culpado.

Ontem à noite, os noticiários divulgaram trechos dos depoimentos. Pelo que se pode ver, um dos depoentes foi mais evasivo, outro mais assertivo, e o terceiro pareceu ter problemas de memória. Mas nenhum deles disse com todas as letras que o presidente cometeu qualquer crime (até porque não lhes caberia fazer esse tipo de julgamento), nem que Moro mentiu. Ou "não se lembrava" de determinados detalhes da reunião, de modo que não poderia confirmar ou negar, ou se lembrava, mas achou, então, que a intenção do presidente era essa ou aquela (à testemunha não compete emitir opiniões, a menos que isso lhe seja expressamente solicitado; do contrário, ela deve se ater aos fatos).

Agora pela manhã eu obtive uma cópia dos depoimentos, que foi publicada mais cedo no site Poder 360. Mas é bom lembrar que uma imagem vale por mil palavras. Quando e se a gravação da reunião for divulgada, teremos uma ideia melhor do que realmente se passou. Por enquanto, leia os depoimentos dos generais e tire suas próprias conclusões:

Augusto Heleno (3 MB);
Braga Netto (1,6 MB);
Luiz Eduardo Ramos (1,5 MB).
Observações:

1 - No pronunciamento em resposta a Moro, Bolsonaro assumiu que determinou à PF que interrogasse o assassino de Marielle Franco, e que teve acesso ao relatório resultante. Salvo melhor juízo, isso representa uma admissão de culpa e, quando os investigadores descobrirem como a interferência se deu, a denúncia será quase inevitável.

2 - Curioso reparar como o vício de cachimbo entorta a boca. Por terem convivido com a hierarquia militar durante anos de caserna, os generais estão mais habituados aos rapapés da soldadesca do que com o jargão jurídico. Tanto é que ficaram “indignados” com os termos usados pelo decano do STF na convocação (debaixo de vara), embora não houvesse razão para isso: as divisões do poder judiciário são denominadas “varas”, e a expressão “conduzido debaixo de vara” significa apenas “forçado pela autoridade judicial”.

Nenhum dos generais — nem qualquer outro integrante da alta cúpula palaciana — deu um pio em defesa do STF quando bolsonaristas fanáticos se reuniram defronte a casa do ministro Alexandre de Moraes e despejaram um caminhão de impropérios e ameaças contra o magistrado (dois já foram identificados e indiciados). E o mesmo aconteceu (ou não aconteceu) quando uma deputada bolsonarista metida a boba-da-corte acusou levianamente o togado de ser ligado ao PCC, e quando o luminar que chefia a pasta da Educação referiu-se de forma pouco polida (para dizer o mínimo) às mães dos onze ministros supremos (na tal reunião ministerial cujo filme pode virar blockbuster e ser indicado para Oscar).

Ao justificar seu desembarque do governo, Moro apontou o interesse do presidente em dois inquéritos em curso no STF, ambos sob a pena do ministro Alexandre. O primeiro investiga supostas ofensas aos ministros e parece ter encontrado digitais do pitbull do papai (falo de Carluxo). O segundo apura o suposto envolvimento de deputados bolsonaristas e assessores palacianos nas manifestações subversivas que o capitão apoiou entusiasticamente em duas ocasiões recentes. Isso sem mencionar o folclórico “Caso Queiroz”, que bafeja no cangote do filho 01 e pode respingar no papai.

Bolsonaro tem um caminhão de problemas, entre os quais o aumento exponencial no número de mortes por Covid-19 e a postura de barata-tonta de Nelson Teich — que está há um mês no cargo e ainda não mostrou a que veio, mas não conseguiu disfarçar seu constrangimento ao descobrir pela imprensa que seu chefe havia incluído novas categorias profissionais na lista de atividades essenciais sem tê-lo consultado (e, pelo visto, sem ter tido a delicadeza de informá-lo a respeito). Daí o cheiro de fritura que se sente no ministério da Saúde.

Mestre em criar crises e incapaz de desfazê-las, Bolsonaro mantem sua linha de produção a todo vapor, na esperança de que as novas bolsonarices desviem a atenção das anteriores. Nas últimas semanas, participou de dois comícios subversivos, deu declarações golpistas, afirmou que as Forças Armadas o apoiam, revogou a nomeação de Ramagem e depois quis recorrer da decisão do Supremo (quando já era tarde, pois a “desnomeação” resultou na perda de objeto da ação). Também plantou Folhagem na floreira onde não pôde ter Ramagem, e arrancou pela raiz o superintendente da PF no Rio — estopim do imbróglio com Moro —, cavando ainda mais fundo o buraco em que se meteu: como não poderia deixar de ser, a decisão foi interpretada como confirmação da denúncia do ex-ministro. Ao final, mostrando-se mais destemperado que de costume, o capitão chegou mesmo a mandar jornalistas calarem a boca.

Conforme o desgaste aumenta, a popularidade cai, o preço do apoio do Centrão sobe e fica mais difícil barrar o impeachment. É o reprise de um filme que já vimos com Collor e com Dilma e cujo final todos conhecemos. A diferença é que Bolsonaro tem uma fieira de generais a quem trata como o sapo da anedota — que não percebe a temperatura da água subindo e morre cozido. Ao se envolverem nas confusões do chefe, os ministros estrelados correm o risco de serem arrastados com ele para o olho do furacão, daí suas respostas evasivas ou pouco assertivas nos depoimentos que prestaram na trade de ontem.

Por último, mas não menos importante: o decano do Supremo e o ministro Marco Aurélio devem pendurar as togas em 1º de novembro de 2020 e em 12 de julho de 2021, respectivamente. Bolsonaro já deixou claro que que nomear alguém que se disponha a lamber suas botas e puxar seu saco, mesmo depois de confirmados pelo Senado, quando então a vitaliciedade do cargo os desobriga desses salamaleques. Moro, que foi cogitado para a vaga do decano, agora é carta fora do baralho, e os candidatos mais prováveis são Augusto Aras — atual procurador-geral e a quem compete decidir se indicia ou não o presidente nesse imbróglio sobre interferência indevida na PF — e André Mendonça, atual ministro da Justiça. 

Aras parece levar jeito, pois age como advogado do presidente — ele recorreu ao relator do inquérito “Moro x Bolsonaro” para que o fatídico vídeo da já folclórica reunião não seja transcrito e divulgado na íntegra. Segundo o procurador, eventual confirmação de trechos da reunião com informações sobre países como a China pode pôr em risco a “soberania nacional”, razão pela qual defende que a transcrição se limite aos diálogos entre Moro e Bolsonaro.

Fato é que o IBOVESPA virou para queda depois que o advogado de Moro publicou nota afirmando que o vídeo confirmou o relato do ex-ministro. O site O Antagonista classificou o vídeo de “devastador”, a exemplo do site de O Globo, segundo o qual três fontes não identificadas confirmaram que Bolsonaro disse precisar “saber das coisas” que estavam ocorrendo na PF do Rio. Em outro momento, o ele teria dito que as investigações não poderiam prejudicar sua família ou amigos.

Com informações do Blog da Andréia Sadi.