sexta-feira, 15 de abril de 2022

GRILHÕES DE BARBANTE


Num escândalo em que a voz de um ministro soa numa gravação atribuindo o pastoreio nos cofres da Educação a um “pedido especial” do presidente da República, o segredo vale como confissão de culpa. Seria de esperar do presidente que “acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo” maior interesse em pôr as coisas em pratos limpos. Mas não Bolsonaro, que é um defensor da transparência, mas só para os outros.

Depois que parlamentares de oposição reuniram assinaturas para a criação de CPI com vistas a apurar as suspeitas, o governo “convenceu” senadores a retirarem seu apoio e apresentou um pedido de CPI com foco nas gestões do PT no ministério. Nada contra investigar desmandos do partido que gestou e pariu o Mensalão e o Petrolão, mas só um idiota não desconfia das verdadeiras intenções do capetão e seus paus-mandados.

 

Observação: Como quem não tem cão caça com gato, a Comissão de Educação do Senado, que tem poderes mais limitados do que uma CPI, virou frente de investigação. O colegiado já aprovou 21 convites, colheu depoimentos de cinco prefeitos e do presidente do FNDE. A conferir se o PGR não matará no peito mais essa investigação.

 

Valendo-se da Lei de Acesso à Informação, O Globo solicitou a relação das entradas e saídas dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura — que se encontraram diversas vezes com o presidente no Palácio do Planalto e no Ministério da Educação —, mas o pedido foi negado. Segundo o GSI, “a divulgação poderia colocar em risco a vida do presidente da República e de seus familiares”. 


Atualização: Pressionado, o GSI liberou as informações. Os registros apontam mais de 30 acessos. Arilton Moura visitou gabinetes de Mourão, ministros e do responsável pela agenda de Bolsonaro. Gilmar esteve pelo menos 10 vezes na sede do governo. Os pastores voltaram ao Planalto mesmo após pedido de apuração. Haja apascentação!


Todo orçamento de R$ 55 bilhões que Bolsonaro entregou ao Centrão no FNDE não daria para vestir a desculpa esfarrapada que o general Augusto Heleno inventou. Na versão do taifeiro do capitão, a revelação de encontros mantidos com um par de interlocutores evangélicos na sede do governo constitui um risco à integridade física de Bolsonaro e de todo o clã presidencial. A alegação é intrigante, preocupante e desmoralizante, anotou Josias de Souza em sua coluna. 


Intriga porque revela a presença no Planalto de um general que confunde jornalismo com terrorismo.

Preocupa porque passa a impressão de que a segurança da principal autoridade do país está entregue a um gabinete de aloprados. Desmoraliza porque sinaliza que o discurso segundo o qual Bolsonaro comanda um governo sem corrupção não resiste a uma análise da agenda de compromissos do presidente.

 

O comportamento do Planalto não orna com a moralidade. Não combina nem mesmo com o versículo multiuso que Bolsonaro extraiu do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". O presidente está preso à verdade por grilhões de barbante.