Nos anos 90, ficou famosa no Rio a história de um velho comunista que, para comemorar os 60 anos, soprou as velinhas colocadas sobre confeitos em forma da foice e do martelo e, em vez do tradicional “Parabéns para você”, foi saudado pelos amigos com o hino da Internacional Socialista. Já àquela altura, com a queda do Muro de Berlim, era um ato simbólico extemporâneo de antigos membros do Partidão, um saudosismo inofensivo, quase juvenil.
O que dizer de Geraldo Alckmin, outrora acusado de ser do Opus Dei, ouvindo (não acredito que conhecesse a letra para cantá-la) a Internacional Socialista todo empertigado, ao lado de Lula numa reunião do PSB? Se nos anos 90 já era apenas um retrato na parede da memória, o que será agora?
Tão surpreendente quanto anacrônico, o ato é uma amostra fiel do que vem sendo a campanha do ex-presidiário, que diz que criará uma moeda latino-americana para não depender mais do dólar. Fatos como esse do hino socialista — ou de insinuar que policiais "não são gente", fato que o obrigou a desculpar-se de público — ajudam Bolsonaro a espalhar o medo entre eleitores de centro-direita que, desapontados com ele, pensam em votar em seu adversário. O medo, já ensina o sociólogo Manuel Castells, é um grande impulsionador nas escolhas eleitorais.
Por caminhos distintos, Lula e Bolsonaro chegam ao mesmo antiamericanismo infantil. O Itamaraty na época do petista tinha um viés esquerdista que permanece em suas declarações e atitudes políticas até hoje — até não falar inglês chegou a ser considerado para os alunos do Instituto Rio Branco.
Bolsonaro acaba de fazer uma reforma estrutural no Itamaraty que também relega os Estados Unidos a um departamento em que nem mesmo o nome do país aparece: “Departamento do Caribe, América Central e do Norte”, chama-se agora.
O fracasso relativo das manifestações pelo Dia do Trabalhador mostra que, a esta altura da campanha, nem Lula nem Bolsonaro conseguem entusiasmar os eleitores. O atual presidente já esteve pior, e o ex, melhor.
Lula está à frente nas pesquisas, mas não empolga mais como antigamente, tem cometido erros com frequência, falado muita bobagem e sido obrigado a pedir desculpas (sinal evidente de que não está na melhor forma). Bolsonaro esvaziou sua própria manifestação, pois sentiu que não era um bom momento — não por bom senso, mas por falta de força.
Estamos diante de dois candidatos que se destacam por falta de alternativa, já que não têm mais a repercussão popular um dia tiveram — especialmente Lula. Além de se ajudarem mutuamente alimentando a polarização, ambos têm cometido erros primários que beneficiam o opositor — especialmente Lula.
Quando repete que fortalecerá o Brics, mas que para isso tem de mandar Putin parar “essa porra de guerra”, o demiurgo de Garanhuns volta a ser aquele que queria ganhar o Prêmio Nobel da Paz tentando mediar a crise nuclear do Irã sem a menor condição geopolítica de obter sucesso. Para além disso, dá chance ao adversário de criticar a proposta de resolver a guerra tomando cerveja e se despe da fantasia de líder mundial para assumir a realidade de um falastrão de mesa de bar. O sociopata, por seu turno, meteu-se a mediador da guerra na Ucrânia, atribuindo a si um suposto recuo de Putin depois de uma conversa a dois. A patacoada virou pó poucos dias depois dessa jactância jeca, na esteira dos tanques russos invadindo território ucraniano.
Vivemos uma situação muito delicada, e o caminho até as eleições será tumultuado, especialmente porque Bolsonaro aposta tudo na desconfiança das urnas. Ele faz ao mesmo tempo campanha para se reeleger e um hedge para se proteger em caso de derrota. É do tipo que avança e recua. Temia-se que participasse das manifestações de 1º de Maio de forma agressiva, o que não aconteceu — talvez porque ele não quis "esticar (ainda mais) a corda". Mas só a presença dele em atos em que o (ainda) deputado federal Daniel Silveira era defendido e o STF, atacado, não é um bom sinal.
No Nordeste, Lula tem a preferência da récua de muares fantasiados de leitor, mas em São Paulo já começa a ser superado por Bolsonaro, enquanto que, no Centro-Oeste, no Sul e no Sudeste, algumas pesquisas sugerem um empate técnico. Ambos estão com dificuldades nos seus campos; só disputam o primeiro lugar na preferência dos descerebrados porque não apareceu ninguém que mobilize a população para uma disputa maior pelo segundo turno.
Tanto Lula quanto Bolsonaro terão campanhas mais difíceis do que imaginaram. Trata-se de uma disputa entre um líder envelhecido contra outro, envilecido, ambos recuando no passado numa máquina do tempo enferrujada.
Com Merval Pereira