segunda-feira, 23 de maio de 2022

NUMA DISPUTA DE MENTIRAS, VENCE QUEM MENTE MELHOR


O Genesis não conta, mas Deus foi acusado de protecionismo em relação à porção de terra tempos depois se tornaria o Brasil. Em resposta, disse o Criador: “Esperem até ver o povinho de merda que eu vou colocar lá”. 

Esse fato é pouco conhecido, mas demonstra de maneira lapidar que é perda de tempo esperar discernimento de lulopetistas — vermelhos, cegos, desmemoriados, com a cabeça cheia de merda, que andam para trás e vivem nas costas do Brasil. Ou de bolsonaristas — um bando de imbecis travestidos de militantes e comandados por um imbecil travestido de presidente.

As duas fações se merecem. Se retroalimentam. São mais parecidas do que costumamos imaginar. A diferença é a "entidade" que cada qual venera. Em sua mentalidade tacanha, essa escumalha acha que políticos devem ser cultuados, quando na verdade devem ser cobrados e, como fraldas (e pelos mesmos motivos), trocados regularmente.

Saramago ensinou que a cegueira é uma questão pessoal entre as pessoas e os olhos com que elas nasceram, e que a cegueira mental produz credulidade desmedida. Mas nem a finada Velhinha de Taubaté acreditaria em Lula ou em Bolsonaro — quanto ao candidato da terceira via, ninguém acredita sequer na sua existência.

A mentira nasceu com o homem, provavelmente quando Caim negou ter matado Abel. De lá para cá, todo mundo mente. Porém, quando alguém começa a mentir a si mesmo e a acreditar nas próprias mentiras, aí a vaca vai para o brejo.

Durante o julgamento do Mensalão, diante do cinismo e das mentiras dos acusados, Nelson Motta escreveu uma crônica com o título de “Minto, logo existo”. Mas o que se mentiu de lá para cá superou em muito suas previsões mais pessimistas. A mentira dominou a cena no Petrolão e na Lava-Jato. “Eu não sabia” foi a campeã das mentiras.

A partir de Donald Trump — egresso do show business, onde ficção e realidade se misturam —, as mentiras foram institucionalizadas e rebatizadas de fake news. Ele teve a conta no Twitter suspensa, mas Elon Musk já prometeu devolver-lha. Antes de Trump, as mentiras públicas eram poucas. Nixon foi um ponto fora da curva: mentiu tanto num país de cultura protestante, onde faltar com a verdade é crime, que se viu obrigado a renunciar. Clinton foi impichado não por ter um caso com a estagiária, mas por mentir para o Congresso.

Mas até para mentir é preciso talento. Mentiras em que se percebe a falsidade não colam. Só mentiras sinceras convencem. Lula leva vantagem porque mente melhor, acredita em suas mentiras — chegando mesmo a se debulhar em lágrimas. Bolsonaro mente mal, embora convença seu gado. Mas não deve ser subestimado.

As pessoas só acreditam no que querem acreditar. Uma crônica de Luís Fernando Veríssimo deixa isso claro. E a reproduzo a seguir, ainda que ela nada tenha que ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação no Leste Europeu ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Confiram:

O sujeito estava voltando para casa como fazia todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos — idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas que a vida ainda pode surpreender com um bilhete de loteria premiado ou um pneu furado. Naquele dia, venceu o pneu. O homem encostou o carro no meio-fio e se preparou para a batalha contra o macaco, que provavelmente não funcionaria. Mas funcionou, e ele conseguiu trocar o pneu. Quando já estava fechando porta-malas, sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. No afã de apanhá-la, ele a chutou, e ela mergulhou num bueiro. Desolado, o homem limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e foi para casa pensando no que diria à mulher. Imaginou-se entrando em casa e respondendo às perguntas antes mesmo de a mulher as fazer.

— Você não sabe o que me aconteceu!

— O quê?

— Uma coisa incrível.

— O quê?

— Contando ninguém acredita.

— Conta!

— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?

— Não.

— Olhe.

E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.

— O que aconteceu?

E ele contaria tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. A aliança desaparecendo no bueiro.

— Que coisa — diria a mulher, calmamente.

— Não é difícil de acreditar?

— Não. É perfeitamente possível.

— Pois é. Eu...

— SEU CRETINO!

— Meu bem...

— Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história que só um imbecil engoliria.

— Mas meu bem...

— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha! — E ela sairia de casa, com as crianças, sem sequer ouvir as explicações.

Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:

— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:

— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.

Ela fez cara de choro, correu para o quarto e bateu a porta. Reapareceu dez minutos depois. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que, com bom-senso, eles a venceriam.

O mais importante é que você não mentiu pra mim.

E foi terminar de fazer o jantar.