Depois de construir uma carreira parlamentar tão longeva quanto inexpressiva, o azarão da disputa presidencial de 2018 provou que o Brasil definitivamente não é um país sério.
Para mostrar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada.
Para mostrar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, pertenceu a oito partidos diferentes, todos de aluguel, adepto das práticas da baixa política, amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada.
Para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.
Não podia dar certo — com de fato não deu. Mas o pior é que Bolsonaro tem chances reais de se reeleger. Não conseguirá fazê-lo reeditando a estratégia que o levou ao Planalto, pois Gustavo Bebianno está morto e o napoleão de hospício, Adélio Bispo, fora de circulação. Tampouco será pela via do antipetismo ou com promessas vãs — como apoiar a Lava-Jato, acabar com a reeleição, enxugar a máquina pública, privatizar estatais, defender a liberdade de imprensa, reduzir a carga tributária, acabar com indicações políticas e não trocar cargos e verbas por apoio parlamentar — que enfiou onde o sol não bate assim que subiu a rampa.
Em 2018, a parcela pensante da população apoiou a eleição do capitão caverna, mas comemorou a derrota do bonifrate do presidiário. Agora, essa mesma gente pode se abster, votar em branco ou anular o voto. As pessoas estão cansadas de votar em quem não querem para evitar a vitória de alguém querem menos ainda, sobretudo quando esse alguém cultiva o hábito de enfiar onde o sol não bate as bandeiras de campanha — incluindo a do fim da reeleição —, fincar um pé no palanque e usar o outro para escoicear nossa frágil democracia.
A quimérica terceira via — aquela que foi sem nunca ter sido —, que era vista como a solução para furar a polarização, tornou-se parte do problema (senão o problema propriamente dito). Egos avantajados, carência de projetos e de apoio popular eliminaram um a um os postulantes. Restaram Doria, que não empolga e não consegue unir o próprio partido, e Tebet, que, convenhamos, é uma ilustre desconhecida.
Ciro está propenso a tentar mais um voo solo, mas tudo indica que não aterrissará no Planalto — como não aterrissou em 1998, 2002 e 2018. A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o embate final se dará entre a mistura do mal com o atraso e o sociopata com pitadas de psicopatia, que só existem como candidatos porque se retroalimentam.
Continua...