Mentir, todo mundo mente. Mas poucos mentem com maestria. Até porque mentir exige talento. Só mentiras sinceras convencem.
Numa disputa de mentiras, vence quem mente melhor. Lula está à frente nas pesquisas porque acredita nas próprias mentiras. Bolsonaro convence a récua que o apoia, mas conta mentiras que não pode provar e as modifica ao sabor da conjuntura. Como fez dias atrás, ao dizer que o “acordo firmado com o ministro Alexandre de Moraes” depois dos discursos golpistas de 7 de Setembro envolvia o encerramento do inquérito das fake news.
Michel Temer, autor do patético pedido de desculpas que convenceu os presidentes do Senado e do Congresso de que o chefe do Executivo estava “profundamente arrependido”, nega a versão do capetão. Segundo o Nosferatu do Jaburu — que também mediou o armistício —, as conversas se deram em alto nível, como cabia a uma pauta de defesa da democracia, e não houve condicionantes. Procurado pela Folha, o ministro Alexandre não se pronunciou.
Observação: Bela Megale publicou em sua coluna que Bolsonaro tem se aproximado do ministro Luiz Fux. O capitão teria dito que, assim como ele, Fux não gostaria de ver o PT retornar ao poder. Procurado, Fux afirmou à coluna que “é um magistrado e que não pode ter lado e nem ideologia política”. Em meio a fake news e polarização a dar com o pau, poucos se lembram que ser contra a reeleição de Bolsonaro não significa necessariamente ser a favor de Lula, e querer ver o molusco abjeto varrido do cenário político não significa necessariamente apoiar o sociopata.
Quando há muitas versões para o mesmo fato, é impossível que todas sejam verdadeiras. O mentiroso patológico mais perigoso é o que acredita nas próprias fantasias. Lula é um caso emblemático, mas Bolsonaro não lhe fica atrás. Aliás, num ato falho de sincericídio, o próprio capitão reconheceu que não nasceu para ser presidente. Mas também já disse que estar na Presidência é uma missão divina e que “só Deus o tira da cadeira”.
Em três anos e meio de gestão, Bolsonaro não entregou nada do que prometeu. Jurou que pegaria em lanças contra a corrupção, mas exterminou a Lava-Jato (porque, segundo ele, não tem mais corrupção no governo). Foi incapaz de tocar as reformas. Enterrou a economia (segundo ele, a culpa foi da pandemia, do STF, dos governadores e os prefeitos). Não foi capaz sequer de comprar uma vacina que lhe foi oferecida trocentas vezes, contribuindo para que milhares de brasileiros morressem feito moscas. Por pragmatismo, amancebou-se com o Centrão (que demonizou durante toda a campanha); por conveniência, prometeu acabar com a reeleição; por necessidade, virou pré-candidato — até porque a derrota nas urnas pode levá-lo do trono para o calabouço (e com a filharada a reboque).
Quem elegeu Bolsonaro foi antipetismo. Sua candidatura não tinha uma proposta, só conceitos e valores, mas a maioria dos eleitores estava convencida de que elegê-lo era a única maneira de evitar a vitória do preposto do presidiário. Agora a situação se inverteu: o antibolsonarismo engrossou a ala dos que tendem a tapar o nariz e votar em Lula se esse for o preço a pagar para exorcizar o capetão e seu séquito. Nem todos engolem a narrativa falaciosa de que o petralha foi absolvido, mas quem não tem cão caça com gato — ou seria gatuno?
Bolsonaro continua atacando o sistema eleitoral e o TSE. Há quem acredite que ele será impedido de se candidatar, ou que será cassado antes do final da campanha ou depois de eleito (isso se for eleito). Toda essa provocação passa a sensação de que o napoleão do Planalto busca uma maneira de ser impedido de perder nas urnas. O problema é que Augusto Aras comanda a PGR e Arthur Lyra preside a Câmara.
Um país com essa configuração dessas não passa de um arremedo de republiqueta de bananas.
Para encerrar, seguem algumas dicas para ser um bom Pinóquio:
— A mentira deve surgir casualmente e ser contada naturalmente, como um evento corriqueiro.
— A mentira precisa ter um fundo de verdade; não vá dizer que viu uma mula-sem-cabeça botando fogo pelas ventas, porque uma mula que não tem cabeça tampouco tem ventas.
— O mentiroso não pode vacilar nem (muito menos) se retratar. Uma vez dita, a mentira deverá ser sustentada até o mais amargo fim. Mas é importante saber improvisar, pois sempre pode aparecer um espírito-de-porco disposto a desmenti-lo.
— É preciso ficar atento à reação dos ouvintes e, ao menor sinal de desconfiança, retrabalhar o enredo para torná-lo mais plausível. É indispensável manter a voz firme — se gaguejar, game over.
— A boa mentira não pode ser rastreável — depois do advento do Google, as histórias de pescador perderam muito de sua graça.
— Por último, mas não menos importante, seja parcimonioso. Se exagerar, vira político.