quinta-feira, 16 de junho de 2022

A MENTIRA É UMA VERDADE QUE NÃO TEVE TEMPO DE ACONTECER



Mentir, todo mundo mente. Mas poucos mentem com maestria. Até porque mentir exige talento. Só mentiras sinceras convencem. 

 

Numa disputa de mentiras, vence quem mente melhor. Lula está à frente nas pesquisas porque acredita nas próprias mentiras. Bolsonaro convence a récua que o apoia, mas conta mentiras que não pode provar e as modifica ao sabor da conjuntura. Como fez dias atrás, ao dizer que o “acordo firmado com o ministro Alexandre de Moraes” depois dos discursos golpistas de 7 de Setembro envolvia o encerramento do inquérito das fake news. 

 

Michel Temer, autor do patético pedido de desculpas que convenceu os presidentes do Senado e do Congresso de que o chefe do Executivo estava “profundamente arrependido”, nega a versão do capetão. Segundo o Nosferatu do Jaburu — que também mediou o armistício —, as conversas se deram em alto nível, como cabia a uma pauta de defesa da democracia, e não houve condicionantes. Procurado pela Folha, o ministro Alexandre não se pronunciou. 


Observação: Bela Megale publicou em sua coluna que Bolsonaro tem se aproximado do ministro Luiz Fux. O capitão teria dito que, assim como ele, Fux não gostaria de ver o PT retornar ao poder. Procurado, Fux afirmou à coluna que “é um magistrado e que não pode ter lado e nem ideologia política”. Em meio a fake news e polarização a dar com o pau, poucos se lembram que ser contra a reeleição de Bolsonaro não significa necessariamente ser a favor de Lula, e querer ver o molusco abjeto varrido do cenário político não significa necessariamente apoiar o sociopata.

 

Quando há muitas versões para o mesmo fato, é impossível que todas sejam verdadeiras. O mentiroso patológico mais perigoso é o que acredita nas próprias fantasias. Lula é um caso emblemático, mas Bolsonaro não lhe fica atrás. Aliás, num ato falho de sincericídio, o próprio capitão reconheceu que não nasceu para ser presidente. Mas também já disse que estar na Presidência é uma missão divina e que “só Deus o tira da cadeira”. 

 

Em três anos e meio de gestão, Bolsonaro não entregou nada do que prometeu. Jurou que pegaria em lanças contra a corrupção, mas exterminou a Lava-Jato (porque, segundo ele, não tem mais corrupção no governo). Foi incapaz de tocar as reformas. Enterrou a economia (segundo ele, a culpa foi da pandemia, do STF, dos governadores e os prefeitos). Não foi capaz sequer de comprar uma vacina que lhe foi oferecida trocentas vezes, contribuindo para que milhares de brasileiros morressem feito moscas. Por pragmatismo, amancebou-se com o Centrão (que demonizou durante toda a campanha); por conveniência, prometeu acabar com a reeleição; por necessidade, virou pré-candidato — até porque a derrota nas urnas pode levá-lo do trono para o calabouço (e com a filharada a reboque). 

 

Quem elegeu Bolsonaro foi antipetismo. Sua candidatura não tinha uma proposta, só conceitos e valores, mas a maioria dos eleitores estava convencida de que elegê-lo era a única maneira de evitar a vitória do preposto do presidiário. Agora a situação se inverteu: o antibolsonarismo engrossou a ala dos que tendem a tapar o nariz e votar em Lula se esse for o preço a pagar para exorcizar o capetão e seu séquito. Nem todos engolem a narrativa falaciosa de que o petralha foi absolvido, mas quem não tem cão caça com gato — ou seria gatuno?

 

Bolsonaro continua atacando o sistema eleitoral e o TSE. Há quem acredite que ele será impedido de se candidatar, ou que será cassado antes do final da campanha ou depois de eleito (isso se for eleito). Toda essa provocação passa a sensação de que o napoleão do Planalto busca uma maneira de ser impedido de perder nas urnas. O problema é que Augusto Aras comanda a PGR e Arthur Lyra preside a Câmara. 


Um país com essa configuração dessas não passa de um arremedo de republiqueta de bananas.

 

Para encerrar, seguem algumas dicas para ser um bom Pinóquio:

 

— A mentira deve surgir casualmente e ser contada naturalmente, como um evento corriqueiro.

 

— A mentira precisa ter um fundo de verdade; não vá dizer que viu uma mula-sem-cabeça botando fogo pelas ventas, porque uma mula que não tem cabeça tampouco tem ventas.

 

— O mentiroso não pode vacilar nem (muito menos) se retratar. Uma vez dita, a mentira deverá ser sustentada até o mais amargo fim. Mas é importante saber improvisar, pois sempre pode aparecer um espírito-de-porco disposto a desmenti-lo. 

 

— É preciso ficar atento à reação dos ouvintes e, ao menor sinal de desconfiança, retrabalhar o enredo para torná-lo mais plausível. É indispensável manter a voz firme — se gaguejar, game over.

 

— A boa mentira não pode ser rastreável — depois do advento do Google, as histórias de pescador perderam muito de sua graça.


— Por último, mas não menos importante, seja parcimonioso. Se exagerar, vira político.