“Foi excepcional, muito melhor do que eu esperava”, disse Bolsonaro na quinta-feira 9, referindo-se à conversa com Joe Biden. “A experiência foi fantástica, estou maravilhado...”, declarou o presidente na sexta 10, ao discursar na Cúpula das Américas.
O encontro bilateral foi mesmo excepcional. Serviu para realçar a beleza da democracia. Nesse modelo de organização política, o golpismo e a precariedade, quando avalizados pelas urnas, são obrigados a tolerar um ao outro. Mas seria ainda melhor se Bolsonaro aprendesse com o colega norte-americano que governar também é administrar ambiguidades.
Enquanto os dois líderes conversavam em na Cidade dos Anjos, a autópsia da tentativa fracassada de golpe de estado patrocinada por Trump, que queria continuar no poder a despeito de ter sido derrotado nas urnas, começava a ser exposta em Washington D.C. Bolsonaro recebeu de sua assessoria um resumo das notícias, incluindo material traduzido da imprensa americana.
Às vésperas de sua viagem para os Estados Unidos, o capitão disse que continuava com o "pé atrás" em relação à derrota de Trump e insinuou que Biden só prevaleceu porque “teve gente que votou mais de uma vez”. Tudo isso para entoar sua cantilena: “A gente não quer que aconteça isso no Brasil”. Após se avistar com Biden (numa distância inferior a um metro e sem máscara), viu-se compelido a constatar que a terra é redonda e “mudou o governo” nos Estados Unidos. “Respeitamos, logicamente, e acredito que teremos brevemente mais encontros.” Será?
A má notícia é que o encantamento de Bolsonaro com a precariedade de Biden não reduziu a intensidade do seu golpismo. O desejo de convulsionar o processo eleitoral brasileiro continua 100% ativado. A péssima notícia é que um pedaço das Forças Armadas e o Centrão continuam batendo palmas para o maluco sapatear sobre as urnas eletrônicas que o elegeram. A ótima notícia é seguinte: se o encontro serviu para alguma coisa foi para demonstrar que continua atual a tirada de Churchill, sobre a democracia ser o pior regime imaginável com exceção de todos os outros. Ainda não foi criada nenhuma fórmula melhor para assegurar às pessoas ampla e irrestrita liberdade para exercitar a sua capacidade de fazer besteiras por conta própria.
Bolsonaro pode dificultar o processo eleitoral, mas não impedirá que a vontade do eleitorado brasileiro se cumpra. Mesmo o eleitor que se sente condenado a optar entre o inimaginável e o impensável precisa renovar o equívoco de quatro em quatro anos. Nesse moto-contínuo, a melhor hora para escolher um bom presidente é quatro anos atrás. A segunda melhor hora é agora.
Bolsonaro luta pela reeleição num momento em que a novidade política na América Latina é a rejeição recorde dos presidentes. Não lhe faltam motivos para prestar atenção no julgamento político do “amigo”. Ser for reeleito, poderá reivindicar uma nova conversa “excepcional” com Biden. Se for derrotado, descobrirá que certos políticos não merecem diálogo, mas interrogatório.
Com Josias de Souza e José Casado