terça-feira, 28 de junho de 2022

 O FAROESTE TUPINIQUIM E A FRASE MAIS IMBECIL DA DÉCADA

No faroeste à brasileira, os caprichos do destino, as trapaças da História e os defeitos de fabricação dos seres humanos determinam o roteiro, e só os fora da lei têm direito ao final feliz. 


Essa abjeção concebida no País do Carnaval foi parida pelo julgamento no STF que decidiu o desfecho de “O Estupro do Caseiro” — o primeiro faroeste à brasileira foi protagonizado por Antonio Palocci, ministro da Fazenda do governo Lula, e Francenildo Santos Costa, contratado em 2005 para vigiar um imóvel às margens do Lago Sul, batizado de “República de Ribeirão Preto”. O elenco de coadjuvantes incluiu o ministro Gilmar Mendes, que desempenhou o papel de protetor de vilões em perigo.

 

Apadrinhado pela maioria dos ministros, nasceu no Pretório Excelso o crime encomendado sem mandante. Nada havia de errado com Francenildo. O dinheiro cuja origem parecia suspeita fora depositado pelo pai biológico na conta do filho que nunca reconheceu. A vítima do estupro perdeu o posto de caseiro, demorou anos para conseguir trabalho e ainda espera a indenização estabelecida pela Justiça. No faroeste à brasileira, contar a verdade é pecado grave. 

 

O elenco ficou melhor por recrutar o que há de pior na Praça dos Três Poderes. O atrevimento insolente removeu os limites da imaginação. Como atestam os mais recentes episódios da série “Só os perversos condenam”, que revê a Lava-Jato pelo olhar da bandidagem, a realidade brasileira pode ser infinitamente mais assombrosa que a ficção produzida por mentes sem freios. Perseguir defensores da lei, castigar juízes, procuradores e policiais envolvidos na operação tornou-se tão rotineiro quanto duelos motorizados em filmes de ação. 

 

O ano eleitoral requer piruetas muito mais atrevidas. É hora de canonizar canalhas, louvar larápios, eleger abjeções, venerar vigaristas, estreitar relações com oportunistas convertidos. É hora de infernizar a vida de quem se atreveu a provar que a lei pode valer igualmente para todos, que há lugar na cadeia também para delinquentes estrelados, até para presidentes da República que asseguraram um capítulo de bom tamanho na História Nacional da Infâmia.

 

Lula é o Marlon Brando do faroeste pelo avesso. Para escapar de perguntas sem resposta, não conversa com jornalistas independentes desde dezembro de 2005. Para escapar de confrontos verbais desmoralizantes, quer distância de debates eleitorais na TV. Fugitivo de plateias não domesticadas desde a abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007, quando foi chicoteado pela mítica vaia do Maracanã, quer fazer campanha sem sair de casa. 

 

Mentem em louvor do farsante sem remédio os devotos da seita que aboliu o pecado, juristas para os quais não existem crimes nem criminosos do lado de baixo do Equador, ministros do Supremo que prendem inocentes e soltam ladrões da classe executiva e chefões do PCC, candidatos a vice que aposentam a honradez por sonharem com a antecipação da visita da Indesejada das Gentes ao gabinete que cobiçam. E, entre tantos outros viventes com defeito de fabricação, mente por Lula a turma que faz bonito no faroeste à brasileira.

 

A Lava-Jato destruiu as grandes empreiteiras, recitam os discípulos do mestre Mariz. Se o dinheiro já foi roubado, de que adianta prender os gatunos? Se a propina já foi paga, por que engaiolar corruptores e corrompidos? Caso o Código Penal prescrevesse uma hora de cadeia para cada erupção de cinismo sórdido, nenhum integrante do bando que prospera com o faroeste à brasileira escaparia da prisão perpétua.

 

Por ser amigo do presidente, o advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto recusou a vaga no STF que Juscelino lhe ofereceu no primeiro ano de mandato. Ao justificar a recusa, o convidado ponderou que a indicação poderia ser interpretada como um agradecimento do presidente, que havia apoiado “em defesa da legalidade presente, não em busca de favores futuros”.

 

Por ser amigo do presidente, o advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira mandou encomendar o terno azul-Brasília quando o impeachment de Dilma Rousseff era apenas um brilho nos olhos de Marcela Temer. Enquanto ganhava força o movimento que afastou o poste fabricado por Lula, o causídico caprichava na pose de ministro (da Justiça, de preferência, mas até da Eucaristia se “o Michel”, como se referia ao futuro presidente, topasse incluir a segunda alternativa no primeiro escalão federal). Três vezes preterido, Mariz acompanhou pelos jornais a passagem pelo ministério de Alexandre de Moraes, Osmar Serraglio e Torquato Jardim. Mas o sonho continua, sugere o que anda fazendo para tornar-se amigo de infância de Lula. Sua penúltima proeza foi encerrar, em 27 de dezembro de 2021, o concurso instituído para premiar a frase mais imbecil da década: “O crime já aconteceu. O que que adianta punir? 

 

As nove palavras compõem mais que uma frase irretocavelmente cretina. Resumem uma tese grávida de originalidade, que pode desdobrar-se na mais revolucionária proposta do programa de governo do PT no campo da Justiça. Se Mariz for assentado por Lula no Ministério da Justiça e montar sua equipe com as sumidades do Prerrogativas, a população carcerária deixará de existir por falta de punidos. Por se tornarem desnecessárias, as cadeias serão demolidas e os terrenos vazios, fraternalmente repartidos pelo MST e pelo MTST. O único problema é que o fim do risco de cadeia provocará o sumiço da freguesia que garante a sobrevivência dos milhares de advogados que ganham a vida tentando provar que todo culpado é inocente — e que não há pecadores no País do Carnaval.

 

Finalmente ministro, Mariz saberia o que fazer para poupar a categoria profissional do fantasma do desemprego. A frase campeã informa que não lhe faltam ousadia e criatividade. Some-se a isso o buquê de prerrogativas com cara de salvo-conduto e tudo estará pronto para a disseminação de cursos de reciclagem profissional. Instaladas nas sedes e subsedes da entidade, as escolinhas da OAB transformariam bacharéis desempregados em doutores na prática de crimes sem remorso, sem sustos e sem perigo de cadeia.

 

Com Augusto Nunes