Atos convergentes no objetivo de realçar as fronteiras intransponíveis ao autoritarismo erguidas pelo regime constitucional e no de reconhecer a eficácia e a confiabilidade do sistema eleitoral ocorreram em outras cidades brasileiras, demonstrando que a democracia no país não se restringe a alguns enunciados afixados num pedaço de papel. Tornou-se a pele cívica dos brasileiros.
Regime das leis e da soberania popular, a democracia exige submissão aos procedimentos pactuados pelos representantes da população. Respeito às autoridades designadas para conduzir as eleições e obediência às urnas fazem parte do acordo que está na Carta, o que as cartas de 11 de agosto fizeram muito bem em reavivar. Mas não é o que pensa nosso bucéfalo mandatário, que voltou a chamar o manifesto de "cartinha" e a atacar os signatários do texto — na expectativa de reforçar a adesão de apoiadores no Dia da Independência.
A carta pela democracia lida na última quinta-feira (11) foi elaborada após Bolsonaro ter convidado dezenas de embaixadores para uma apresentação com acusações infundadas de fraude nas urnas eletrônicas, e já tem cerca de 1 milhão de signatários. Além da carta organizada por integrantes da USP, a manifestação em defesa da democracia assinada por entidades como a FIESP e a FEBRABAN também teve repercussão.
Bolsonaro disse que "assinar uma carta pela democracia enquanto apoia regimes que a desprezam e atacam os seus pilares tem a mesma relevância que uma carta contra as drogas assinada pelo Zé Pequeno [personagem do filme 'Cidade de Deus'], ou um manifesto em defesa das mulheres assinado pelo Maníaco do Parque", e que, "para efeitos legais", o manifesto "vale menos que papel higiênico".
"Das duas uma, ou a esquerda repentinamente se arrependeu de suas ameaças crônicas à nossa democracia, como os esquemas de corrupção, os ataques à propriedade privada e a promoção de atos violentos, ou trata-se de uma jogada eleitoral desesperada. O golpe tá aí, cai quem quer", escreveu o pior mandatário desde Tomé de Souza, que, podendo se reposicionar em cena, preferiu reclamar do barulho e seguir em frente.
Um acerto dificilmente pode ser melhorado, lembra Josias de Souza, mas um erro sempre pode ser piorado, e o presidente reincidiu no equívoco ao tentar, sem sucesso, retirar deste 11 de agosto de 2022 o selo de dia histórico. Nas redes sociais, fez menção a um "ato importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo brasileiro", referindo-se à nova redução no preço do diesel.
Ministros e filhos do despirocado o imitaram na ironia, desqualificando o movimento pró-democracia. Mas o menosprezo aos manifestos e a seus apoiadores revelou-se um equívoco primário, até porque a melhor hora de mudar é antes que a mudança seja necessária. Ao desmerecer reivindicações tão comezinhas quanto o respeito às urnas e às instituições, Bolsonaro desperdiçou sua última hora reforçando a necessidade dos manifestos que não conseguiu desqualificar.
Submetida ao excesso de delírio de um mandatário patético, a sociedade brasileira redescobriu o amor pela realidade. O problema é que, até prova em contrário, o efeito colateral da derrota do dito-cujo será a volta de Lula et caterva. Ninguém merece!
Triste Brasil.