domingo, 21 de agosto de 2022

MINHAS DESPEDIDAS DO DIOGO


"Quantas vezes me despedi do Diogo?" Foi a pergunta que fiz a mim mesmo logo depois que ele decidiu dar outro tempo no jornalismo e deixar de escrever em O Antagonista e nesta Crusoé. A primeira vez foi quando ele viajou para fazer o último ano do colegial nos Estados Unidos. Tínhamos 16 anos. Lembro que, na noite anterior à sua partida, desci até a portaria do prédio em que morava (não tínhamos telefone) para ligar para ele. Eu disse que seria seu amigo para sempre e ele me respondeu que também seria meu amigo para sempre, e assim acabou sendo. Por meio do Diogo, eu também entrevira uma São Paulo muito diferente da minha: não só mais rica, como mais moderna, mais inteligente, mais culta, mais artística, mais elegante.
 
A segunda despedida foi quando tínhamos 19 anos. Após um ano e meio torturando-se no curso de economia da PUC, enquanto morava num apartamento no centro de São Paulo, em cuja sala pichara a frase De omnibus dubitandum est (tudo é motivo de dúvida), título de um livro de Soeren Kierkegaard, o Diogo se mandou para Londres, para estudar na London School of Economics. Essa primeira temporada em Londres foi fundamental na sua formação intelectual. Em vez de estudar economia, ele fez um curso intensivo de literatura com Ivan Lessa, londrino de adoção desde que se autoexilara do que chamava de Bananão. Um ano e meio depois, o Diogo voltou para o Brasil, juntamente com a então namorada, que fora para Londres com ele.
 
Entre os 20 anos e os 22 anos, o Diogo morou em São Paulo, num sobradinho na Bela Vista. Foi nessa época que o seu pai o obrigou a dar expediente na agência de propaganda dele, onde o Diogo não fazia nada e, durante algum tempo, eu o ajudei nessa tarefa gratificante. Para passar o tempo, ele inventou simular um paredão de tênis na sala de trabalho, usando uma régua como raquete e uma bolinha de borracha. Depois que eu peguei o jeito da coisa e passei a vencer todas as partidas, não deixando a bolinha cair, ele desistiu do jogo.
 
Talvez as sucessivas derrotas para mim no simulacro de paredão de tênis tenham contribuído para que o Diogo voltasse a morar em Londres, em 1984, a nossa terceira despedida. Ele voltaria no ano seguinte. O seu novo endereço era um apartamento num pombal perto do sobradinho onde vivera. Nos fins de semana, jogávamos War. O lado mais divertido era roubar exércitos e territórios da futura mãe do meu primeiro filho (ela ganhava de todo jeito). Nesse período, o Diogo conheceu o Gore Vidal, que visitava o Brasil e precisava de um Virgílio para guiá-lo neste inferno. O escritor americano, encantado com o bonitão inteligente, disse ao meu amigo que ele ainda seria presidente do Brasil. 
 
Pouco antes, eu convidara o Diogo para fazer uma resenha de um livro de Vladimir Nabokov, a ser publicada na Folha de S. Paulo, onde eu começara a trabalhar. Otavio Frias Filho, que dirigia o jornal, adorou a resenha — que dizia que o Brasil não merecia Nabokov — e sugeriu que ele escrevesse um texto para o Folhetim, o então caderno dominical de cultura da Folha. O Diogo escreveu um texto engraçadíssimo sobre a Rede Globo, mas Otavio Frias Filho concluiu que era melhor não publicar. Acho que a candidatura a presidente da República já havia morrido ali.
 
Aos 25 anos, o Diogo resolveu mudar-se para Veneza, cidade natal de um colega italiano que, ao contrário dele, completara a London School e com quem fizera amizade. Era o lugar ideal para escrever livros, julgou o Diogo, acertadamente. Foi a nossa quarta despedida. Em Veneza, ele se separou finalmente da brasileira com quem namorava desde havia muito (a mesma moça que o acompanhara a Londres) e se casou com a Anna.
 
No começo da década de 2000, o Diogo foi viver no Rio de Janeiro, por causa do Tito, aconselhado por médicos que acharam a cidade ideal para que o então menino de três anos se desenvolvesse melhor. Foi no Rio que nasceu o Nico. Em 2010, desconsolado com a vitória de Dilma Rousseff, ele encerrou a sua participação como colunista da Veja, onde eu também trabalhava, e voltou para Veneza, naquela que foi a nossa quinta despedida.
 
Depois que fundamos O Antagonista e a Crusoé, o nosso contato diário se intensificou a tal ponto que, quando o revi em junho na Grécia, não parecia que fazia três anos que não nos encontrávamos pessoalmente. O fim da participação dele no site e na revista é como se fosse a nossa sexta despedida. Não incluo aqui as ocasiões em que nos despedimos quando nos vimos em viagens. Estou falando de despedidas que implicaram grandes mudanças.
 
Faz mais de 44 anos que eu sou amigo para sempre do Diogo e ele é o meu amigo para sempre. Mas esse sempre é repleto de despedidas, com ele sempre indo e eu sempre ficando.
 
E eu vou ficando, e ficando, e ficando. O Diogo é a medida da minha imobilidade e de todas as coisas que consegui e não consegui.

Texto de Mario Sabino