domingo, 25 de setembro de 2022

A MALDITA POLARIZAÇÃO

  

No último dia 16, durante um comício em Prudentópolis (PR), Bolsonaro tornou a definir a disputa presidencial como uma "batalha do bem contra o mal" e exortou a população a "não fugir da luta". Isso depois de ter associado seu principal adversário ao Diabo — não como simples figura de linguagem, mas como se o petista estivesse realmente ligado ao espírito maligno propriamente dito. Lula, por sua vez, comparou o adversário a Hitler e a turba que participou da celebração-comício do bicentenário da Independência a uma reunião da Ku Klux Klan (que ele pronunciou cuscuz klan). Um discurso nada auspicioso, convenhamos,  para quem promete "pacificar o país".
 
Bolsonaro e Lula se esmeram numa repugnante desumanização mútua, mas se esmerdam ao estender essas manifestações vomitativas aos apoiadores dos respectivos rivais. Aliás, a cizânia que a polarização espalhou do Oiapoque ao Chuí remonta aos tempos dos mortadelas x coxinhas, quando o grande adversário do PT era o PSDB
Questionado acerca disso na sabatina do JNo petista relativizou: "Política é assim. Você tem divergência, você briga, você diverge, você tem divergência programática. Mas você não é inimigo". Interessante.
 
Lula diz que a polarização é saudável e diferente de "estímulo ao ódio", mas instiga integrantes da CUT a "mapear" o endereço dos deputados e pressioná-los a aprovar pautas de interesse dos sindicatosAo final de seu segundo mandato, ele afirmou que as eleições do ano seguinte seriam do "nós contra eles", visando claramente dividir os eleitores de esquerda e de direta. Em 2010, quando Dilma já tinha sido escolhida como candidata do PT, ele falou em "extirpar" o DEM (atual União Brasil) da política brasileiraNa campanha pela reeleição da pupila, o palanque ambulante voltou a investir no discurso do "nós contra eles" para rebater as críticas que a incompetente vinha enfrentando. Em 2016, depois que a estocadora de vento foi defenestrada, ele afirmou que "quando os jovens rejeitavam a política, a direita raivosa crescia", enquanto o PT classificava o governo Temer como "golpista" e "de direita".  

Em 2018, quando os desembargadores do TRF-4 referendaram a decisão de Sergio Moro e aumentaram a pena para 12 anos e 1 mês de prisãoa presidente nacional do PTGleisi Hoffmann, afirmou que "para prender o Lula seria preciso matar muita gente". 

 

Observação: O camelô de empreiteiro chegou a gozar 580 dias de férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba, mas teve a condenação anulada pelo STF, que entendeu (com cinco anos de atraso) que a 13ª Vara Federal do Paraná era territorialmente incompetente para processar e julgar o picareta. 

 

Durante a pré-campanha de 2022, Lula desdenhou dos antigos adversários: "Agora quem acabou foi o PSDB". Em resposta, os tucanos disseram que o "PT passou anos dividindo o país", que "não adianta querer reescrever a história", e que "foram anos de PT, Lula e Dilma semeando o ódio, perseguindo adversários, dividindo a sociedade e montando uma usina de fake news".

 

O cientista político Pedro Marques afirma que há três tipos de polarização entre eleitores: a ideológica, a social e a afetiva. No primeiro caso, as pessoas divergem sobre programas políticos. No segundo, são diferenças sociais que causam a divisão. No terceiro, até mesmo a imagem ou o som da voz de quem pertence ao time contrário provoca reações viscerais. É fácil reconhecer essa lista de sintomas no Brasil de hoje. 


As principais pesquisas sugerem que Lula está à frente de Bolsonaro. Confirmada essa tendência e feita a transição (com ou sem questionamento golpista do resultado das urnas pelo candidato à reeleição), é de se perguntar: como o bolsonarismo vai operar, caso se veja no papel de oposição, se Bolsonaro age como oposição até quando está no governo? 


Se Lula vencer, não é difícil imaginar passeatas e motociatas sendo convocadas a partir de 2023. Caso o vencedor seja Bolsonaro, é natural supor que confrontos que já estão em andamento com o STF, com setores da imprensa e com quaisquer grupos que o contrariem vão dobrar de intensidade. Ele já disse mais de uma vez que todos terão de se ajustar “às quatro linhas da Constituição” — a Constituição tal como ele a interpreta, é claro.


ObservaçãoAlém de emular o discurso da "eleição roubada" que Trump fez nos EUA, o capitão pode acionar alavancas que sabe que funcionam, como as pautas de comportamento e a ameaça comunista. Além disso, quatro anos de governo estreitaram os laços do bolsonarismo com os evangélicos e consolidaram seu apelo para partes das Forças Armadas, do setor agrícola e do empresariado. 

 

O Brasil teve um momento semelhante de polarização política na última gestão de Getúlio Vargas, quando situação e oposição não dialogavam, não se reconheciam nem autorizavam a existência uma da outra. O "suicídio" do tiranete, em 1954, adiou uma explosão, mas não evitou que a polarização continuasse crescendo até desaguar no golpe militar de 1964. As circunstâncias históricas atuais são outras e a hipótese de um golpe bem-sucedido no Brasil é nula, apesar da insistência dos bolsonaristas de raiz. Mas não há nada de fantasioso num cenário onde as desavenças e o medo da violência política continuam crescendo.

 

Um passo necessário, embora não suficiente, para recolocar o Brasil nos eixos é fazer com que a intolerância seja drenada do discurso político. Quando — e se — isso acontecerá, só Deus sabe.

 

Com Gazeta do Povo