Atualização: O debate de ontem — quiçá o mais medíocre da série pós-redemocratização — terminou com a vitória do eleitor que desligou a TV logo no primeiro bloco. Não valia a pena perder preciosas horas de sono, em plena quinta-feira, para assistir a uma briga de botequim patrocinada pelo suado dinheiro dos contribuintes. Trocar insultos com o padre de Festa Junina dificilmente dará a Lula os votos que faltam para encerrar o jogo neste domingo. No mais, Simone saiu-se melhor do que Ciro na disputa pela terceira colocação. Bolsonaro ressuscitou o petrolão e exumou Celso Daniel — mas evitou se dirigir ao petista quando teve a chance de escolher a quem perguntar, preferindo o confronto através de enfadonhos direitos de resposta. Como bem disse Josias de Souza, quem ficou acordado depois de Pantanal para dar uma nova chance ao poder de sedução de Bolsonaro pode ter dificuldades em distinguir quem é quem nos trechos em que o capitão da direita e o coronel da esquerda acusaram-se mutuamente de ladrões. Triste Brasil.
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Às vésperas do primeiro turno, Lula continua encabeçando as pesquisas. Os demais postulantes ao Planalto, a começar por Bolsonaro, buscam fazer da corrupção a marca registrada do petralha, evidenciar os defeitos dos adversários e enaltecer as virtudes que alegam possuir.
Criado em 1980 com a promessa de "não roubar nem deixar roubar", o PT aparelhou o Estado para a prática da corrupção como nenhum outro partido na história recente do Brasil. Toda a administração direta e indireta foi encarregada de obter propinas fabulosas para eternizar Lula no poder e enriquecer seus acólitos, os aliados do Centrão e o falsos oposicionistas. O país foi transformado numa quadrilha a serviço dos corruptos — ou, como bem disse o jurista Modesto Carvalhosa (*), instalou-se no Brasil uma cleptocracia de fato, um governo voltado ao assalto aos cofres púbicos.
Sempre que é questionado sobre os crimes contra a administração pública cometidos por ele e seus apaniguados, Lula sai pela tangente. Promovido de presidiário a ex-corrupto por uma sucessão de maracutaias jurídicas, alega que "a corrupção está presente qualquer governo", que a Lava-Jato a transformou "numa questão política para retirá-lo da vida pública", e que foi absolvido em 26 processos "pelo STF e pela ONU, na primeira e segunda instâncias". Balela.
Lula voltou ao cenário político depois que uma "epifania" revelou ao ministro Fachin que a 13ª Vara Federal do Paraná era territorialmente incompetente para processar e julgar o ex-presidente. Mas isso não muda o fato de que, desde a redemocratização, nenhum outro governo teve suas atividades político-administrativas tão voltadas à execução de um plano de corrupção como os de Lula e de sua sucessora.
Lula ajusta o discurso à conjuntura, indo da negativa absoluta ao reconhecimento (parcial) dos fatos, mas sempre com a ressalva de que "não sabia de nada". No auge do mensalão, ele insinuou que o caixa dois eleitoral era disseminado entre partidos, e que "o PT fez o que era feito sistematicamente no Brasil". Mais adiante, chegou a ensaiar um pedido público de desculpas. E, quando Duda Mendonça reconheceu que havia recebido pagamento da ORCRIM via caixa dois no exterior, queixou-se de ter sido "traído" e disse estar "indignado".
Em 2010, Lula classificou a crise política de "tentativa de golpe". Depois que deixou o cargo, usou a vitória de Dilma para apregoar que o PT no poder era o remédio para todos os males. Em 2014, apoiou (a contragosto) a reeleição da pupila. Em 2018, em entrevista publicada no livro "A Verdade Vencerá", foi mais além: "Na verdade, nunca acreditei na história do mensalão. Essa foi a grande descoberta do século 21: de como a mídia poderia ser utilizada para criminalizar as pessoas antes da Justiça. A mídia tomou a decisão de, ao invés de esperar a Justiça criminalizar, transformar alguns líderes do PT em bandidos".
Em 2010, Lula classificou a crise política de "tentativa de golpe". Depois que deixou o cargo, usou a vitória de Dilma para apregoar que o PT no poder era o remédio para todos os males. Em 2014, apoiou (a contragosto) a reeleição da pupila. Em 2018, em entrevista publicada no livro "A Verdade Vencerá", foi mais além: "Na verdade, nunca acreditei na história do mensalão. Essa foi a grande descoberta do século 21: de como a mídia poderia ser utilizada para criminalizar as pessoas antes da Justiça. A mídia tomou a decisão de, ao invés de esperar a Justiça criminalizar, transformar alguns líderes do PT em bandidos".
Na bancada amiga do Jornal Nacional, Lula reconheceu que, se os envolvidos no esquema de corrupção confessaram, é porque houve corrupção, mas emendou uma comparação com os valores envolvidos nas emendas de relator do atual governo. Agora, na reta final da campanha, além de relativizar a corrupção nas gestões petistas, ele promete "a volta da felicidade para todos os brasileiros".
Essa pretensa volta ao "passado feliz" traria (ou trará) a reboque o velho hábito petista de assaltar os cofres públicos, já que os quadros do partido continuam os mesmos, com seus líderes, tesoureiros e comparsas no setor privado (muitos dos quais foram condenados pela Lava-Jato, mas, como o próprio Lula, acabaram sendo soltos e recuperaram seus direitos políticos). Não sobrou nenhum corrupto na cadeia — noves fora Sergio Cabral, que lá permanece por ter ameaçado denunciar altas figuras da magistratura em sua requerida e sempre negada delação premiada.
Para qualquer eleitor que tenha mais de 2 neurônios (um contra e outro a favor seja lá do que for), reeleger Bolsonaro está fora de questão. Mas a pergunta é: qual ambiente legal e institucional será encontrado pelos petistas numa eventual volta ao poder?
Na Itália dos anos 1990, quando a Operação Mãos Limpas foi desmantelada, os eternos donos do poder levaram adiante o desmonte das instituições de combate à corrupção e criaram um arcabouço legislativo para punir que ouse combater corruptos antigos, atuais e futuros. Qualquer semelhança com esta banânia não é mera coincidência.
Observação: Passados cinco meses do desembarque de Sergio Moro, Bolsonaro teve o desplante de dizer que acabou com a Lava-Jato porque não havia mais corrupção no governo. De lá para cá, ninguém mais foi condenado por corrupção. Os processos criminais foram anulados, os corruptos foram absolvidos e várias leis e outros tantos procedimentos orçamentários foram criados para proporcionar aos donos do poder, já na boca do caixa, a apropriação dos recursos públicos. A estapafúrdia lei 13.877/2019, ironicamente chamada de "minirreforma política", permite aos partidos usar o dinheiro do Fundo Partidário para construir sedes próprias, custear viagens de seus dirigentes e pagar honorários advocatícios a causídicos estrelados que os defendam em processos eleitorais e por corrupção.
Para desfazer o "mal estar" resultante da descoberta do esquema de propinas pagas por empreiteiras para financiar a reeleição dos parlamentares, criou-se um segundo fundo eleitoral, mediante o qual bilhões de reais abastecem as contas dos partidos para enriquecer seus dirigentes e filiados e garantir que as raposas continuem com a chave do galinheiro. Não bastassem as emendas parlamentares, R$ 16 bi foram servidos as parlamentares, só neste ano, via "orçamento secreto". Isso sem qualquer controle efetivo dos órgãos encarregados, enquanto o TCU se dedica a perseguir os antigos integrantes da extinta Lava-Jato.
Para que não se volte a questionar os direitos patrimonialistas dos donos do poder de se apropriarem de recursos públicos, a Lei do Abuso da Autoridade estabeleceu a punição de até quatro anos de prisão para delegados, promotores e juízes que praticarem atos em desfavor de políticos "à falta de indício da prática do crime". Sem mencionar a Lei de Improbidade Administrativa, que isenta os administradores públicos de qualquer punição, a não ser na (improvável) hipótese de restar provado que eles agiram com dolo.
Tudo indica que o Congresso continuará trabalhando em prol de um Estado Cleptocrático de Direito. Estará de parabéns o lulopetismo se vencer as próximas eleições, pois encontrará, na missão de restaurar seus velhos hábitos, um céu de brigadeiro.
(*) Modesto Carvalhosa é advogado e autor de Uma nova constituição para o Brasil: de um país de privilégios para uma nação de oportunidades (LMV).