sexta-feira, 23 de setembro de 2022

UMA CAMPANHA SURREAL


O governo corta verbas sociais com uma naturalidade hedionda. Só não admite cortes no orçamento secreto do Centrão. O mais trágico nem é a crueldade, mas a percepção de que, sob Bolsonaro, até sensibilidade humana é ficcional. 

 

No conto de fadas oficial, Bolsonaro é o imbrochável que declara sua devoção à primeira-dama no Dia da Pátria, e promete livrar o povo do monstro vermelho. No conto do vigário em que seu índice de 53% de rejeição teima em não cair, o candidato à reeleição reivindica o amor da República enquanto veta o reajuste da merenda escolar, corta a verba do Farmácia Popular e transforma a creche para os filhos de mães pobres numa promessa de vento. 

 

Ao colocar em segundo plano a aversão que nutria pela corrupção, superando o sentimento antipetista que vigorava em 2018, os brasileiros que premiam Lula com 50% das intenções de voto enviam uma mensagem que qualquer criança de colo entenderia. Mas Bolsonaro não entendeu ou finge não entender. 


A parceria que o capitão diz manter com Deus não está funcionando. Se o Todo-Poderoso estivesse fechado com a reeleição, já teria dado um conselho a seu candidato: "Esqueça os conselheiros do comitê de campanha. Procure um bebê. Discuta o resultado das pesquisas com a primeira criancinha que vir pela frente."

 

O pior tipo de solidão é a companhia das raposas do Centrão. Junte-se a Arthur Lira e Ciro Nogueira luminares como Luciano Hang e pronto!. Eis aí o tipo mais devastador de solidão para um presidente que concorre à reeleição cavalgando o desapreço do eleitorado pobre.

 

Bolsonaro passou quatro anos cagando e andando para o eleitor que acorda cedo e se pendura no balaústre do ônibus. Agora, as pesquisas gritaram: "O ser humano". E Bolsonaro: "As urnas são fraudadas." O alto-falante das pesquisas apregoa: "Os pobres, olhe para os pobres." E o capitão: "O povo armado jamais será escravizado."

 

Do outro lado, Lula já aceitou as evidências de que houve corrupção nos governos petistas. Ao admitir que precisa do voto útil para obter o "tiquinho" que falta para prevalecer no primeiro turno, o petralha reconhece também que está sujeito à condição humana. Se obtiver o terceiro mandato, talvez reconheça mais adiante que deve a façanha, em grande medida, aos deméritos do adversário. 


Imbrochável, Bolsonaro tornou-se o Viagra eleitoral que mantém ereto o favoritismo do seu principal rival.


Com Josias de Souza