O candidato que conquistar a Presidência no próximo 30 governará com a oposição de quase metade do país e terá de tratar não só da crise econômica e das bombas fiscais montadas pelo atual mandatário, mas também de uma conjuntura internacional adversa — a guerra na Ucrânia está longe de terminar e ameaças de conflito nuclear voltam a nos assombrar.
A despeito desse cenário desalentador, o que se discute nas redes sociais são canibalismo, o boné de Lula o clima de Bolsonaro e outras bobagens, quando o período eleitoral deveria servir para o debate de propostas visando tirar o país do buraco. Mas como traçar o caminho de um país que sairá das urnas mais dividido do que entrou?
Um dos sintomas de deterioração de nossa democracia está na exploração da religião como instrumento político-eleitoral. O candidato à reeleição, que se diz católico, foi batizado nas águas do Rio Jordão por um pastor-político que já preparava seus movimentos rumo ao poder em Brasília, como lembrou o arcebispo de Aparecida no último dia 12. Sua aproximação com o povo evangélico foi uma estratégia eleitoral — ele foi batizado em 2016, dois anos antes da eleição presidencial, pelo dublê de pastor e presidente do PSC que acabou preso no ano seguinte.
Observação: Àquela altura, os evangélicos já davam sinais de crescimento acelerado entre a população urbana mais vulnerável, pobre, jovem e feminina; hoje, eles são cerca de 37%, ao passo que os católicos caíram para 49,9%.
Bolsonaro avança sobre esse eleitorado explorando sua precariedade, mas também aproveitando-se de um ambiente religioso que estimula o empreendedorismo e valoriza a prosperidade com promessas vãs, mas apoio espiritual aos necessitados e um trabalho de assistência social efetivo. Em Belém (PA), durante o tradicional Círio de Nazaré, o presidente se valeu do cargo para impor sua presença na embarcação (uma fragata da Marinha) que transportava a imagem da Santa. Em Aparecida (SP), enquanto o arcebispo Orlando Brandes orava pela derrota dos “dragões” da fome, do desemprego, do ódio e da mentira, militantes bolsonaristas o vaiavam do lado de fora da Basílica, numa demonstração clara de que se fazia ali não um ato de fé, mas mais um comício eleitoreiro.
Nessa guerra religiosa, o ex-presidente ex-presidiário Lula está às voltas com uma dúvida fundamental: fazer ou não uma declaração oficial sobre o papel das religiões num eventual futuro governo do PT, que tem sido acusado de pretender fechar templos — a exemplo do que fez Daniel Ortega na Nicarágua. O petralha garante que respeitará a Constituição, mas a questão continua polêmica na campanha petista — há quem considere que o pajé do PT deve se manter a uma distância segura desse imbróglio.
Quando líderes populistas se envolvem com a religião, dá-se opera-se um retrocesso na democracia. Dilma, depois de eleita em 2010, mandou retirar do gabinete do Palácio do Planalto uma Bíblia e um crucifixo, alegando que o Estado brasileiro é laico. No entanto, durante a campanha que a elegeu, foi atrás de votos de católicos e evangélicos, que àquela altura comiam na mão de seu padrinho político.
A oposição entre PSDB e PT não era um modelo ideal, mas ao menos permitia acordos pontuais. Voltar a esse tipo de relação política, menos turbulenta, é impossível no curto prazo, mas há que deitar água na fervura da polarização. Entre o segundo turno e a posse, será preciso debater não só propostas de governo — que rarearam até agora —, mas principalmente o que será feito em prol da reconciliação e do diálogo.
A pergunta é: como fazer isso se o candidato vitorioso será ou Lula ou Bolsonaro, e a composição do Congresso, que já era medíocre, conseguiu ficar ainda pior?