domingo, 2 de outubro de 2022

LEIA ISTO ANTES DE VOTAR (FINAL)

 

A epifania que levou o ministro Fachinanular os processos contra Lula revelou, com cinco anos de atraso, que, para além do petrolão, o camelô de empreiteiro se beneficiou de maracutaias envolvendo a Caixa, a Eletrobras e outras estatais, donde a "incompetência territorial" da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o ex-presidente. Mas isso não muda o fato de que as propinas e as tentativas de ocultá-las existiram. 
 
Lula diz que é inocente porque não paira sobre ele um juízo de culpa válido e definitivo. Mas o STF não analisou o mérito das acusações, e o reexame de provas só seria possível até a segunda instância (às cortes superiores cabe somente analisar a observância da legislação federal, no caso do STJ, e da Constituição, no do STF). 
 
Os motivos que levaram o eminente ministro a lavar a ficha imunda do petralha que lhe cobriu os ombros com a suprema toga já foram discutidos anteriormente. Mas é preciso destacar que, quando os processos foram anulados, a condenação no caso do tríplex
 já havia sido confirmada por três desembargadores do TRF-4 e cinco ministros do STJ e transitada em julgado. E o processo do sítio ia pelo mesmo caminho  quando a epifania do ministro impediu o STJ de se pronunciar sobre os recurso da defesa.

Tão logo decisão teratológica foi chancelada em plenário (por 8 votos a 3), o  semideus togado Gilmar Mendes articulou, com a rapidez de um raio, o reconhecimento da parcialidade de Sergio Moro e a anulação de todas as provas e diligências (buscas e apreensões, depoimentos, perícias, etc.) autorizadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba.  
 
A rigor, os quatro processos contra Lula em Curitiba deveriam ter sido reiniciado do zero em Brasília, já que a anulação se deveu a tecnicidades (quando um juiz é considerado parcial ou o processo não está no lugar correto de tramitação, em geral as provas são enviadas para outro magistrado julgar). Entretanto, a morosidade da Justiça deu azo à prescrição — situação em que não vale a pena mover a máquina judiciária se, ao final, nenhuma punição poderá ser aplicada. 

No final do ano passado, a 12ª Vara Federal Criminal do DF, rejeitou nova denúncia do MPF envolvendo o sítio de Atibaia. Na avaliação da juíza Pollyanna Alvesnão restaram elementos para sustentar o processo após a anulação das provas. Meses depois, a mesma magistrada determinou o arquivamento do processo sobre o tríplex (nesse caso, o próprio MPF reconheceu que ocorreu que houve extinção de punibilidade em razão da morosidade da Justiça). E para dar uma forcinha a seu benfeitor, o ministro Lewandowski suspendeu a tramitação das outras duas ações e de outra, que já tramitava em Brasília, com base nas suspeitíssimas informações da Vaza-Jato. 
 
Diversos processos derivados da Lava-Jato foram arquivados ou trancados depois que o STF considerou Moro parcial. Lula só foi absolvido em três ações — uma por obstrução de justiça, outra pelo Quadrilhão do PT, e outra, ainda, por editar medida provisória favorecendo montadoras de veículos em troca de propinas para o PT (segundo o juiz Frederico Botelho Viana, não ficou demonstrado de maneira convincente como o então presidente e seu ex-chefe de gabinete Gilberto Carvalho teriam participado no contexto supostamente criminoso).

Como nada é perfeito  nem mesmo para o sumo pontífice da Petelândia , o TRF-3 rejeitou o pedido de anulação de uma cobrança de créditos tributários (R$ 19 milhões, em valores corrigidos) contra o Instituto Lula, o próprio Lula, o diretor Paulo Okamoto e a empresa de palestras do petralha. A defesa argumentou que os processos foram embasados em informações obtidas na 24ª fase da Lava-Jato, mas a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional entendeu que o pedido deveria ser feito em uma ação judicial própria, além de contestar a alegação de que a anulação dos processos pelo STF extingue as cobranças tributárias. 
 
De acordo com o procurador Daniel Wagner Gamboa, a Corte não inocentou Lula, apenas considerou que não cabia à Justiça Federal do Paraná julgar aqueles processos específicos. Portanto, a anulação se limita aos atos decisórios, deixando a convalidação dos atos instrutórios a cargo do Juízo de primeira instância competente. Nos termos do artigo 66 do CPP, nem o lançamento tributário foi molestado pela decisão do STF, nem os requeridos trouxeram elementos concretos capazes de afastar a presunção de veracidade dos atos administrativos.

Observação: No último dia 27, o ministro Gilmar Mendes (quem mais poderia ser?) concedeu medida cautelar suspendendo a ação fiscal, que teria sido baseada em prova originária de busca e apreensão de processos da Lava-Jato, que já foram anulados pelo STF. Em seu despacho, o eminente magistrado apontou possível crime de abuso de autoridade por parte do procurador da Gamboa, que teria se valido de prova ilícita e flertado com o "panfletismo político-ideológico". Disse ainda o nobre togado que a manifestação ostenta "nítidos contornos teratológicos" e demonstra alguma "fragilidade intelectual" porque o procurador teria dito que o STF não inocentou Lula quando anulou a sentença condenatória.


Limpemos o vômito dos lábios e mudemos de pato pra ganso: o nobre senador Flávio Bolsonaro — que defende a liberdade de delinquir fingindo que não deve nada a ninguém — pediu e obteve a censura das denúncias do UOL (que podem ser lidas aqui e aqui) sobre a pujança imobiliária do clã Presidencial. O portal recorreu, e o ministro "terrivelmente evangélico" que o seu pai indicou para o STF suspendeu a decisão. As publicações voltaram ao ar, mas a Famiglia Bolsonaro continua desfilando pela conjuntura vestida apenas com uma sugestiva corda no pescoço. 

 

Antes de saber que seu protegido revogaria a censura, o mandatário de fancaria classificou de covardia o noticiário predial. Cada um luta com as armas que tem, mas alguém que se recusa a fornecer explicações e tacha de mentirosa uma apuração jornalística baseada em dados e documentos oficiais ou é um cínico ou é um tolo. 


Bolsonaro parece decidido a demonstrar que o seu caso não é de tolice, pois cultiva um "conceito peculiar de liberdade" — defendendo a liberdade do brasileiro de se infectar, pregando a liberdade de poluir e desmatar, apregoando a liberdade da polícia de se milicializar e a do "cidadão de bem" de ser armar. Isso sem mencionar que, no âmbito familiar, o presidente defende a liberdade de obter mandatos eletivos para morder salários de servidores e de assessores-fantasmas, apropriando-se de recursos públicos.


Para o brasileiro convencional, liberdade é o direito de fazer tudo a lei não proíbe. Para os membros do clã presidencial, liberdade é o direito de fazer tudo o que der na telha, inclusive censurar o direito da população de conhecer as perversões de seu presidente et catervaPor sorte, o Brasil ainda não é uma democracia familiar. 


Com Gazeta do Povo, Poder 360, UOL e Josias de Souza