Lula diz que é inocente porque não paira sobre ele um juízo de culpa válido e definitivo. Mas o STF não analisou o mérito das acusações, e o reexame de provas só seria possível até a segunda instância (às cortes superiores cabe somente analisar a observância da legislação federal, no caso do STJ, e da Constituição, no do STF).
Os motivos que levaram o eminente ministro a lavar a ficha imunda do petralha que lhe cobriu os ombros com a suprema toga já foram discutidos anteriormente. Mas é preciso destacar que, quando os processos foram anulados, a condenação no caso do tríplex já havia sido confirmada por três desembargadores do TRF-4 e cinco ministros do STJ e transitada em julgado. E o processo do sítio ia pelo mesmo caminho quando a epifania do ministro impediu o STJ de se pronunciar sobre os recurso da defesa.
A rigor, os quatro processos contra Lula em Curitiba deveriam ter sido reiniciado do zero em Brasília, já que a anulação se deveu a tecnicidades (quando um juiz é considerado parcial ou o processo não está no lugar correto de tramitação, em geral as provas são enviadas para outro magistrado julgar). Entretanto, a morosidade da Justiça deu azo à prescrição — situação em que não vale a pena mover a máquina judiciária se, ao final, nenhuma punição poderá ser aplicada.
Diversos processos derivados da Lava-Jato foram arquivados ou trancados depois que o STF considerou Moro parcial. Lula só foi absolvido em três ações — uma por obstrução de justiça, outra pelo Quadrilhão do PT, e outra, ainda, por editar medida provisória favorecendo montadoras de veículos em troca de propinas para o PT (segundo o juiz Frederico Botelho Viana, não ficou demonstrado de maneira convincente como o então presidente e seu ex-chefe de gabinete Gilberto Carvalho teriam participado no contexto supostamente criminoso).
De acordo com o procurador Daniel Wagner Gamboa, a Corte não inocentou Lula, apenas considerou que não cabia à Justiça Federal do Paraná julgar aqueles processos específicos. Portanto, a anulação se limita aos atos decisórios, deixando a convalidação dos atos instrutórios a cargo do Juízo de primeira instância competente. Nos termos do artigo 66 do CPP, nem o lançamento tributário foi molestado pela decisão do STF, nem os requeridos trouxeram elementos concretos capazes de afastar a presunção de veracidade dos atos administrativos.
Antes de saber que seu protegido revogaria a censura, o mandatário de fancaria classificou de covardia o noticiário predial. Cada um luta com as armas que tem, mas alguém que se recusa a fornecer explicações e tacha de mentirosa uma apuração jornalística baseada em dados e documentos oficiais ou é um cínico ou é um tolo.
Bolsonaro parece decidido a demonstrar que o seu caso não é de tolice, pois cultiva um "conceito peculiar de liberdade" — defendendo a liberdade do brasileiro de se infectar, pregando a liberdade de poluir e desmatar, apregoando a liberdade da polícia de se milicializar e a do "cidadão de bem" de ser armar. Isso sem mencionar que, no âmbito familiar, o presidente defende a liberdade de obter mandatos eletivos para morder salários de servidores e de assessores-fantasmas, apropriando-se de recursos públicos.
Para o brasileiro convencional, liberdade é o direito de fazer tudo a lei não proíbe. Para os membros do clã presidencial, liberdade é o direito de fazer tudo o que der na telha, inclusive censurar o direito da população de conhecer as perversões de seu presidente et caterva. Por sorte, o Brasil ainda não é uma democracia familiar.
Com Gazeta do Povo, Poder 360, UOL e Josias de Souza