sábado, 29 de outubro de 2022

O FIM DE UM AGONIA E O COMEÇO DE OUTRA

 

AtualizaçãoO antidebate da noite de ontem pode ser resumindo numa única palavra: decepcionante. Saiu ganhando quem desligou a tv e foi dormir. Se havia 7% de indecisos, como estimava o Datafolha, eles encontraram mais razões para anular o voto do que para votar em um dos dois desqualificados  que mais pareciam aspirantes ao cargo de vereador trocando insultos em cima do caixote. Lula acabou prevalecendo, menos pelo desempenho (nada exuberante) e mais pelo nível (ainda pior) do adversário. Segundo Josias de Souza (um dos poucos analistas políticos isentos que restaram), Bolsonaro, questionado sobre a disposição de aceitar o resultado das urnas, respondeu: "Não há a menor dúvida: quem tiver mais votos leva" (eu devo ter cochilado, pois não me lembro de ter ouvido essa "pérola" de sabedoria). Como o debate não virou a conjuntura do avesso, o capetão poderá demonstrar que fala sério daqui a 36 horas.


Falta um dia para o "grande dia". Se você ajudou a despachar nhô-ruim e nhô-pior para o segundo turno, parabéns. Continue endeusando políticos que deveriam ser trocados regularmente (como as fraldas e pelos mesmíssimos motivos) e sendo atirado por eles à sarjeta — onde você parece gostar de estar. Entre uma eleição e outra, reclame do que quiser, menos de estar mal representado.

 

Sem ver luz no fim do túnel que não a do farol da locomotiva, não me resta alternativa senão jogar a toalha e assistir de camarote à colisão da Nau dos Insensatos com o iceberg que inevitavelmente a porá a pique. Não tenho mais saco para escrutinar resultados de pesquisas nem (muito menos) para ouvir os verborragia diarreica dos candidatos.

 

Até poucos dias atrás, 94% dos entrevistados diziam ter certeza do voto — ou seja, apenas 6% declaravam que poderiam modificar sua escolha. Tudo indica que o pleito será decidido pelos indecisos e pela taxa de abstenção — um imponderável que dificulta ainda mais qualquer previsão sobre a disputa mais apertada da história.

 

Na avaliação de Josias de Souza, teremos um clima de "3º turno" pelos próximos quatro anos, independentemente de quem sair vencedor. O que os eleitores escolherão amanhã é um presidente, não um estadista capaz de unificar a nação. A despeito de quem for eleito, o resultado das urnas será contestado. 


Encerro com um texto de Felipe Moura Brasil:


Para pessoas que aderem à guerra tribal de um lado contra o outro, os fatos não importam. Só importa de que "lado" elas imaginam que cada um está, mesmo que seja o da verdade - o que elas jamais imaginam, claro, a menos que a verdade circunstancialmente seja favorável ao lado delas. Quem ousa refutar narrativas usadas contra o "inimigo" vira inimigo também.

Para essas pessoas, conscientemente ou não, os fins justificam os meios e todos os casos são um só: a guerra contra o lado oposto. Elas não partem dos fatos para chegar a uma conclusão. Elas tentam adaptar cada episódio do mundo real a conclusões pré-concebidas. Se uma delas é a conspiração de tribunais superiores contra a campanha à reeleição de Bolsonaro, qualquer alegação do presidente contra o TSE é verdadeira e qualquer decisão em sentido contrário apenas confirma o discurso.

Que importa se a campanha não fez seu dever de casa de monitorar transmissões radiofônicas para verificar a veiculação de seus spots, não acionou cada rádio quando suspeitou que eles não foram ao ar, não solicitou a gravação dos respetivos dias do mês, não rastreou o material gravado para fins de checagem, nem indicou ao TSE, no prazo legal de 48 horas, qual emissora, em qual dia e horário, deixou de veicular as inserções?

Diante do desgaste triplo na reta final da eleição — com as insinuações feitas por Bolsonaro de prostituição de meninas venezuelanas, a exploração petista do plano de Paulo Guedes de mudar a política de reajuste do salário mínimo, e a reação a tiros e granadas do velho aliado Roberto Jefferson, agora em prisão preventiva, contra a Polícia Federal —, que importa se a campanha tentou sair das cordas lançando em coletiva a alegação das 154 mil inserções não veiculadas, número inflado depois omitido no próprio documento entregue diretamente ao TSE?

Que importa se ela apresentou uma amostra de apenas 8 das 5.000 rádios aludidas, com dados baseados em relatório inconclusivo de monitoramento por streaming, ou seja, de transmissões online, onde rádio nenhuma é obrigada a veicular inserções (tanto que não costumam exibir a Voz do Brasil), como até a emissora do regime sabe, já que seus programas são transmitidos no Youtube sem os comerciais da frequência original?

Que importa se os diretores das rádios citadas vieram a público contestar inconsistências do relatório e alegações da campanha, confirmando a veiculação dos spots, disponibilizando gravações e, em três casos, relatando que, durante alguns dias, foi o próprio PL, partido do presidente, que deixou de entregar o referido material?

Que importa se o QG de Bolsonaro deixou de contratar a checagem de rádios na maior parte da campanha e "não é, nunca foi e continuará não sendo responsabilidade do TSE distribuir mídias" e "fiscalizar rádio por rádio no país todo", se "estão ou não transmitindo as inserções", como reiterou Alexandre de Moraes, acrescentando que "isso todos os partidos de boa fé sabem, todos os candidatos de boa fé sabem"?

Nada. A resposta é cinco vezes nada. Os fatos não referendam a conclusão pré-concebida, mas não impedem a exploração política do episódio como mais uma prova cabal dela, em função da qual o presidente convoca reunião com chefes das Forças Armadas e, preparando o terreno para eventual derrota nas urnas, promete ir até as "últimas consequências" - narrativa conveniente, já que há candidatos bolsonaristas com chances de vitória no segundo turno da disputa por governos estaduais e contestar as próprias urnas sem prejudicá-los exigiria, talvez, um contorcionismo ainda maior.

Ao longo da corrida eleitoral, Bolsonaro oscilou entre a busca de votos e de pretextos para melar a eleição, porque teme ficar mais exposto a processos longe da cadeira, sem foro privilegiado no mesmo STF que jura combater. Ele vem plantando, assim, as raízes do terceiro turno, quando a mobilização de sua base reacionária poderá ser útil como instrumento de chantagem para garantir ao presidente alguma blindagem ou anistia.

Nada disso quer dizer, obviamente, que Moraes e Lula sejam exemplos de respeito às leis e às instituições. Mas, sim, que justificar para si próprio o voto em um candidato, em detrimento de outro, não obriga ninguém a aderir cegamente a suas narrativas.

A adesão cega é sintoma da profunda necessidade de acreditar que a escolha feita foi a do "bem" contra o "mal", uma vez que o maniqueísmo dá muito menos trabalho que o exercício diário da inteligência na análise de cada situação particular. Uma vez na tribo dos "bons", basta sinalizar virtude por oposição aos "maus".