sexta-feira, 28 de outubro de 2022

NA RETA FINAL...

 

Quando rascunhei esta portagem, o Datafolha previa 53% dos votos válidos em Lula e 47% em Bolsonaro. Considerando a margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, nhô-ruim e nhô-pior estavam quase empatados empatados. Não sei em quanto está a diferença neste momento, mas sei que meu voto não irá para nenhum dos dois.

 

O candidato do PT teve 56 milhões de votos no primeiro turno. Em 2018, seu preposto-bonifrate passou para a segunda fase com 31 milhões de votos. Isso não só evidencia a estatura de ambos como também a diferença entre Lula e seu partido, mesmo que eles estejam intrinsicamente ligados (diferentemente de Bolsonaro e o PL que o hospeda). 

 

Lulismo e petismo deixaram de ser fenômenos coincidentes há mais de duas décadas, anotou Carlos Graieb em matéria publicada em Crusoé no último dia 14. E um eventual governo do ex-presidente ex-presidiário pode ter faces bem diversas, a depender do espaço destinado ao PTEm 2002, o petralha montou um governo com 35 ministérios, entregou 21 deles a representantes das diversas “tendências” internas do PT e recorreu ao mensalão para conseguir obter apoio de deputados de outras legendas. Agora, na condição de candidato de uma coalizão formada por PT, PCdoB, PV, PSB, Solidariedade, PSOL e Rede (faltou o PQP, mas deixemos isso pra lá) e que conta com o apoio de tucanos históricos, economistas liberais, velhos aliados como o PDT (com um contrariado Ciro Gomes), caciques do MDB e ex-adversários, como Simone Tebet e André Janones precisarão ser ouvidos, e haverá muitos interesses a contemplar.

 

No ano que vem, o Congresso estará apinhado de bolsonaristas e representantes de um Centrão que abraçou as pautas conservadoras sem medo de ser feliz. Só na Câmara, são 257 deputados — contra 128 da esquerda capitaneada por Lula. O petista poderá atrair muitos representantes do Centrão, mas não de graça. Então, se não recorrer novamente a métodos “heterodoxos” de cooptação, ele terá de abrir espaços na administração. E se espelhar em seu governo a tal frente ampla eleitoral, terá de deixar de lado pautas caras à esquerda — algo com que o petismo-raiz dificilmente se conformará.

 

Em sua primeira gestão, Lula abraçou pautas que pouco tinham a ver com o (bem mais radical) programa histórico do PT, mas que lhe permitiram cativar  eleitores de classe média e alta escolaridade que habitavam as capitais e regiões metropolitanas do Sul e do Sudeste — lembrando que o eleitor tradicional do PT tem baixa renda, baixa escolaridade e mora no Norte, no Nordeste nas periferias das grandes cidades.


Entre 2000 e 2012, cerca de 30% dos brasileiros diziam se identificar com o PT. Entre 2012 e 2018, esse percentual despencou para 9%. Hoje, 24% se identificam, mas a simpatia em relação a Lula é pelo menos dez pontos percentuais maior que isso. As opiniões sobre temas polêmicos também podem divergir bastante. Quando a campanha eleitoral começou, as divergências internas foram abafadas. Daí o plano de governo de Lula ser vago  não só sobre economia, mas também sobre a assim chamada pauta de costumes. E essa indefinição deixa em suspenso tanto os eleitores quanto a militância petista.

 

No livro PT, uma história, o cientista social Celso Rocha de Barros enxerga no julgamento do mensalão um dos momentos-chave na relação entre Lula e o PT. "Naquele momento, estrelas de primeira grandeza do partido caíram, como José Genoíno e José Dirceu. Genoíno tinha uma história própria, que o qualificava para enfrentar Lula em muitos debates internos. Dirceu havia dado unidade a um partido que era bastante fragmentado. Depois do mensalão, sobrou Lula, com popularidade muito maior que a do PT. A relação entre ele e o partido ficou assimétrica", diz ele. 


Ainda segundo Barros, se for eleito, Lula fará o que for necessário para conquistar a governabilidade. "Não vai ser o governo que a esquerda gostaria. Aqueles petistas que sonham com uma revanche vão se decepcionar. Não descarto que haja racha, desfiliações e até busca por um outro candidato que represente melhor os anseios dessas pessoas".

 

Lula tem repetido que deseja fazer um governo de união. Se isso for verdade, ele terá de abrir espaço para conservadores sem melindrar o PT. E abrir espaço para seu partido sem desencadear uma guerra com um Congresso no qual a direita terá muita força. Lulismo e petismo estão atrelados, mas não são a mesma coisa. O partido é fundamental para Lula, mas também pode vir a ser uma fonte de tensão se ele chegar ao governo.

 

Alea jacta est.