Divulga-se nas redes sociais toda sorte de fatos e versões que não têm relação com a realidade e/ou possibilidade de comprovação. Assim, a questão milenar sobre o que é a verdade dá lugar a outra, mais simples, mas igualmente difícil de responder: Qual é a verdade?
O termo pós-verdade (post-truth) foi cunhado durante a campanha de Trump à presidência dos EUA. No Brasil, o conceito ganhou a alcunha de fake news e orna tanto com as falas de Bolsonaro sobre sua exitosa gestão — com destaque para o combate à corrupção e o enfrentamento da pandemia — quanto com a autodeclarada inocência de Lula — recentemente chancelada pelo próprio TSE (o que só não causa estranheza porque corte eleitoral é um "puxadinho" do STF, e o STF anulou as condenações do ex-presidiário para recolocá-lo no tabuleiro da sucessão presidencial).
Segundo Friedrich Hegel, a História é um mito consentido. Mário Quintana definiu a mentira como uma verdade que se esqueceu de acontecer. Pode-se falar a verdade mentindo e mentir falando a verdade, pois tudo se resume a uma questão de ponto de vista.
Observação: Conta-se que Fidel Castro, questionado sobre a penúria forçar universitárias cubanas a se prostituírem para sobreviver, respondeu que a situação na ilha era tão boa que até as prostitutas eram universitárias. A propósito, vale a pena ler este memorável conto árabe.
A História é escrita pelos vencedores, e suas versões tendem a ser mais fantasiosas quanto maior for a necessidade de justificativa para os atos cometidos. Não por acaso, comunicólogos nazistas afirmavam que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Mark Twain recomendava não discutir com imbecis: "Eles nos rebaixam a seu nível e ganham pela experiência em serem ignorantes".
Quem dá voz a burros não pode reclamar dos zurros, mas daí a ouvir passivamente gente supostamente esclarecida defendendo o terraplanismo, o criacionismo, a santidade de Lula e a probidade de Bolsonaro vai uma longa distância. Por falar nisso, não bastasse a campanha rasa de ideias e repleta de violência retórica e baixarias, deveremos ter um "terceiro turno" caso Bolsonaro seja derrotado por uma margem estreita de votos.
Zeloso da segurança do palácio, o chefe dos guardas consultou o grão-vizir (primeiro-ministro). "A Verdade quer penetrar neste palácio? Jamais! Se a ela aqui entrasse seria a perdição, a desgraça de todos nós. Dize-lhe que uma mulher seminua não entra aqui", respondeu o vizir. E assim fez o chefe dos guardas.
Mas, ao criar a mulher, Deus criou também a Obstinação. A Verdade se cobriu com um couro como os que usavam os pastores e tornou a bater à porta do palácio. O chefe dos guardas perguntou à mulher grosseiramente vestida quem ela era. "Sou a Acusação", respondeu a Verdade. Consultado, o vizir assim se pronunciou: "A Acusação quer entrar neste palácio? Não! Jamais! O que seria de mim, de todos nós se ela aqui entrasse? A perdição, a desgraça. Dize-lhe que uma mulher vestida como um zagal não pode falar com nosso amo e senhor."
Mas, ao criar a mulher, Deus criou também o Capricho. Vestiu-se a Verdade com riquíssimos trajes, cobriu-se com joias e adornos, envolveu o rosto com um manto diáfano de seda e bateu novamente à porta do palácio, Questionada pelo chefe dos guardas, ela respondeu com voz meiga e maviosa: "Sou a Fábula." E o vizir: A Fábula quer entrar neste palácio? Pois que entre. E que cem formosas escravas a recebam com flores e perfumes! Quero que ela tenha o acolhimento digno de uma verdadeira rainha!"
E foi assim, sob a forma de Fábula, que a Verdade finalmente conseguiu sua audiência com o califa.
Observação: Substitua “fábula” por “narrativa” para entender mais facilmente o propósito desta postagem. Quanto a votar com sabedoria... bem, acho que isso já é pedir demais.