Como era esperado, o sapientíssimo eleitorado tupiniquim escalou Lula, com 48,43% dos votos válidos, e Bolsonaro, com 43,20%, para o embate final, a ser realizado no próximo dia 30. A abstenção no primeiro turno chegou a 20,95%, o que representa 32,8 milhões de eleitores. Os três Estados tidos como essenciais para garantir a vitória registraram uma abstenção mais alta do que a média Nacional. Lula venceu em Minas — por uma margem menor que a esperada —, mas perdeu em São Paulo e No Rio por margens maiores do que se previa.
Independentemente de quem se eleger, os desafios serão imensos, até porque nem nhô-ruim nem nhô-pior se enquadram na definição de "estadista". Aliás, quem viu Bolsonaro reagindo com sobriedade ao resultado das urnas se espantou, mas a índole tóxica do ex-capitão é maior do que qualquer estratégia política. Em live transmitida na noite da última quarta-feira, o dito-cujo colocou em dúvida (pela enésima vez) as urnas que o enviaram para o segundo turno e presentearam seu partido com as maiores bancadas da Câmara e do Senado.
"Alguns problemas aconteceram", disse o presidente. "Se a apuração durasse mais cinco minutos, nosso oponente teria conseguido vitória em primeiro turno", acrescentou. Nada a ver com aquele Bolsonaro de domingo, que, estalando de humildade, resignou-se diante da vantagem de 6 milhões de votos obtida por Lula no primeiro turno: "Tem muito voto que foi (dado) pela condição do povo brasileiro, que sentiu o aumento dos produtos".
De volta à anormalidade, o sultão do Bolsonaristão da live associou a vitória do adversário na região Nordeste ao analfabetismo do eleitorado nordestino. Já demiurgo de Garanhuns viu na insinuação uma bola acomodada na marca do pênalti... e a empurrou para o gol: "Quem tem uma gota de sangue nordestino não pode votar nesse negacionista", discursou em comício. A polêmica ganhou as redes sociais.
Para além do cenário internacional, onde campeiam a guerra, a inflação, a estagnação, a crise energética e as sequelas da pandemia, o Brasil enfrenta problemas que também colocarão à prova o futuro governo. Institucionalmente, vivemos uma longa transição do hiperpresidencialismo para uma espécie de semiparlamentarismo. O novo presidente, seja ele quem for, será ainda mais fraco que o atual, e o Judiciário, por seu turno, prosseguirá ativo e sendo chamado a decidir questões políticas.
Nosso país não se transformará numa nova Venezuela, mas os desafios internos e externos vão exigir prudência, pragmatismo, liderança e enfrentamento de problemas históricos, como o corporativismo, o patrimonialismo, a corrupção, a opacidade dos poderes públicos e a desigualdade. Isso exigirá do novo presidente capacidade para construir acordos, a fim de proteger o Brasil de um mundo instável, e, ao mesmo tempo, capacidade para enfrentar nossos problemas internos.
Numa definição clássica, democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Mas num país onde o rabo abana o cachorro, a democracia também pode ser contra o povo. Veja-se o caso do fundão eleitoral de R$ 5 bilhões. Foi aprovado sob o pretexto de que os políticos precisavam de dinheiro para financiar campanhas nas quais explicariam seus planos para servir à nação. Verifica-se agora que parte daquele desejo altruístico de se entregar ao bem público, de se sacrificar pelas causas da sociedade era impulsionado pela mesma velha mania de se apropriar de dinheiro público.
Há quatro anos, o partido que mais se lambuzou no laranjal foi o PSL, que abrigava Bolsonaro na época. Dono da sigla, Luciano Bivar fundiu-a com o DEM e hoje preside o União Brasil, que negocia uma fusão com o PP de Arthur Lira, de Ciro Nogueira e do orçamento secreto. São evidências de que, na política, depois da impunidade vem a bonança, e de que nada se cria, nada se copia, tudo se corrompe. Quem observa o retorno do laranjal às manchetes fica com saudades do tempo em que laranja era apenas uma fruta cítrica.
Triste Brasil
Com Murillo de Aragão e Josias de Souza