sexta-feira, 14 de outubro de 2022

VÁ ENTENDER!


Para prever que Ciro Gomes amargaria sua quarta derrota e Simone Tebet não teria tempo de se tornar competitiva, o tarô, a bola de cristal e os búzios eram perfeitamente dispensáveis. A obviedade era tanta que nem foi preciso acompanhar os resultados das pesquisas.

 

Por falar em pesquisas, sempre tive ressalvas em relação a estatísticas e, por extensão, a essas abordagens eleitoreiras. Basta lembrar que em 2018, às vésperas do primeiro turno, todas davam de barato que Dilma seria eleita senadora (ela ficou em 4º lugar) e Bolsonaro seria derrotado no segundo turno, independentemente de quem fosse o outro candidato (ele venceu por uma diferença de quase 12 milhões de votos). 

 

Magalhães Pinto ensinou que "política é como nuvem" e Ciro Gomes, que "eleição é filme e pesquisa é frame". Na melhor das hipóteses, o que essas pesquisas oferecem é um “instantâneo” do humor do eleitorado num determinado momento — isso se admitirmos que a opinião de cerca de 2 mil gatos pingados represente o pensamento de 156 milhões de eleitores aptos a votar. E a coisa fica ainda menos confiável quando cada instituto pinta um cenário diferente. Caberia aos jornalistas serem mais prudentes e comedidos na divulgação dessas "pesquisas".

 

Diante da divergência entre os institutos e as urnas, Maurício Stycer publicou na Folha um texto com sabor de desabafo. Numa campanha eleitoral com mais analistas e colunistas do que repórteres, disse ele, o noticiário de TVs, incluindo os canais de notícias 24 horas, jornais e sites, foi sustentado pelos números fornecidos periodicamente por inúmeros institutos de pesquisa, que ocuparam o lugar que caberia às reportagens nas manchetes. Foi a eleição das pesquisas. 


A excitação antes da divulgação dos números de cada novo levantamento, natural entre eleitores, acabou contaminando os profissionais da imprensa. No sábado, véspera da eleição, a Globo nem esperou o Jornal Nacional para divulgar os últimos números do Datafolha e do Ipec (ex-Ibope).

 

Observação: Entre 18 de agosto e 1º de outubro, considerando votos válidos em sete pesquisas, o dublê de ex-presidente e ex-presidiário oscilou (no Datafolha) de 51 para 50 pontos, enquanto seu principal oponente cresceu de 35 para 36. Faltou combinar com as urnas: 48,43% para o petralha contra 43,20% para o sociopata.

 

Stycer reconhece que houve trabalhos jornalísticos de enorme grandeza durante as eleições. Ele destaca o levantamento detalhado e exaustivo feito por Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do UOL, sobre os negócios imobiliários do clã Bolsonaro, e comenta que parte da mídia cuidou de defender o presidente de forma abnegada, antes e durante a campanha eleitoral — houve emissora de televisão que deu mais espaço para desmentidos em relação à reportagem do que à documentação levantada


Mas nem só de denúncia se faz uma cobertura de eleição. Olhando o resultado do primeiro turno, a questão que se coloca é se houve reportagem capaz de explicar a permanência desse apoio tão grande a Bolsonaro a despeito do que ele fez de mais repugnante durante o seu mandato.

 

Nas principais emissoras de TV aberta, com exceção da Globo, o jornalismo foi complacente — quando não parceiro do governo — neste longo período. Bolsonaro raramente foi retratado como ele é. Em seus momentos mais desumanos, ele teria sido "polêmico". Nas dezenas de entrevistas a Record, SBT e Band nestes quatro anos, raramente uma resposta do presidente foi objeto de réplica de quem o entrevistava. Na segunda-feira seguinte ao primeiro turno, Jornal da Record e SBT Brasil simplesmente não anunciaram o placar final da disputa na abertura de seus telejornais.

 

Stycer conclui o texto dizendo ter a sensação de que nós, jornalistas, não fomos capazes, até agora, de explicar que Brasil é esse. 


Pior: estamos tão surpresos quanto quem nos lê.