quarta-feira, 26 de outubro de 2022

VOTO DE CABRESTO


Já dizia Ésquilo que, na guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. É o que estamos vendo, cada vez mais, à medida que o segundo turno se aproxima. A verdade é vitimada todos os dias. No debate na Band, foi uma enxurrada de mentiras. Pior que a mentira deslavada, que todos percebem, é a mentira disfarçada de informação, camuflada como se fato fosse. 

César Maia criou o verbete factoide: tem forma de fato, mas não é fato; é o fato deformado, adulterado, para enganar quem simplesmente o engole passivamente, sem verificar se está engolindo informação envenenada. 

TSE fez campanhas contra as fake news, mas elas não tiveram efeito desejado. Nunca se viu campanhas de tão baixo nível como a atual. A Corte vem sendo acionada pelos partidos todos os dias, não apenas contra calúnias, injúrias e difamações, mas contra fatos históricos e verdades. E a Justiça acaba fazendo censura pura e simples, o que afronta o artigo 220 da Constituição. 
 
O baixo nível desceu ainda mais com os tiros contra o veículo do candidato Tarcísio de Freitas em Paraisópolis (bairro da capital paulista), escreveu Alexandre Garcia na Gazeta do Povo. Se foi atentado planejado ou bloqueio para não entrar, não importa, mas acaso é que não foi. E se o veículo não fosse blindado, o político poderia estar ferido ou morto. E o incidente se junta ao do Complexo do Alemão (bairro da cidade do Rio de Janeiro), ocorrido dias antes, evidenciando que existem territórios onde as facções criminosas que os dominam permitem a entrada de um candidato e bloqueiam a entrada de outro. É o crime participando ativamente da campanha eleitoral, prossegue o jornalista.
 
Mudando de um ponto a outro, o Ministério Público do Trabalho divulgou no dia 19 que já recebeu 706 denúncias de empregadores que assediaram funcionários a votar em determinado candidato a presidente ou a governador. É mais do que o triplo das 212 registradas em todo o período eleitoral de 2018. Esse assédio eleitoral é uma herança que remete a uma mentalidade escravocrata. 
 
Após a Abolição de 1889, a Constituição de 1934 praticamente universalizou o direito ao voto direto e secreto, com inclusão de mulheres e pessoas sem posses, ainda que mantivesse excluídos analfabetos, soldados, padres e mendigos. Foi então que surgiu na política tupiniquim o assim chamado "voto de cabresto" — os empregadores acompanhavam os empregados à votação e exigiam que eles votassem em determinado candidato.
 
O assédio eleitoral que se vê hoje é uma prática abominável típica de “senhores de engenho”, que ressurge na mentalidade retrógrada desses empresários, e que ferem direitos de liberdade de expressão, de proteção da intimidade e de garantia de não discriminação dos trabalhadores e trabalhadoras.
 
O ilícito do assédio eleitoral, para além de ser um crime eleitoral sujeito a multa e a prisão, é também uma infração trabalhista. Há o dano ao trabalhador individualmente e à coletividade pela violação do sistema eleitoral, que é regido pelo voto secreto e pessoal. Segundo balanço do MPT, o Sudeste é campeão em número de denúncias, com 284. Na sequência aparecem Sul (212), Nordeste (118), Centro-Oeste (48) e Norte (44).
 
A questão que se coloca é: tem a Justiça Eleitoral o poder de garantir o voto livre aos eleitores, sejam os que moram nessas comunidades dominadas pelo crime, sejam aqueles que são assediados por maus empresários, ou lhes será imposto o candidato que interessa às facções e aos patrões?

Sobrando tempo e dando jeito, assistam:


 https://youtu.be/AJioZFSn3-A.
 
Com Alexandre Garcia e Ronaldo Fleury (advogado e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados)