terça-feira, 27 de dezembro de 2022

DILMA 3

 

Quem dá à raposa a chave do galinheiro perde o direito de reclamar do sumiço das galinhas. Prova disso é que, quando as regras atrapalham nossos nobres parlamentares, eles simplesmente as mudam — como fizeram com a legislação penal, a Lei de Improbidade Administrativa e o teto de gastos. E como fazem agora com a Lei das Estatais. Vale destacar que, em todos esses casos, houve sessões nas quais o Centrão, os petistas e os bolsonaristas votaram igualzinho. 

 

Seguindo a orientação do PL, o deputado Eduardo Bolsonarovotou a favor desse projeto, mas contra a redução da quarentena. Fez o L no conjunto da obra, abrindo a porteira para o afrouxamento. Mas tentou se eximir de culpa no destaque, que todos sabiam que seria derrubado. 


Suas alegações posteriores à emissora do regime do pai, refutadas no Twitter pelo deputado federal Kim Kataguiri, ilustram a mesma confiança na ingenuidade alheia e o mesmo descaramento de quem alegou ter ido ao Catar distribuir pendrives a autoridades estrangeiras sobre a situação do Brasil, após ser flagrado pela Fifa curtindo a vida na Copa do Mundo. Isso sem mencionar seu incentivo aos atos bolsonaristas contrários à posse no presidente eleito, que ele trata como hipotética: "se houver governo Lula, se ele subir a rampa". 


O novo governo já começou, e trouxe de volta os fantasmas do passado. A má fama lulopetista, evidente na acirrada disputa eleitoral de 2022, é de desviar e permitir desvios de dinheiro alheio, e de compactuar com ditaduras socialistas. E como o "socialista refinado" Lula se prepara para a posse? Turbinando despesas orçamentárias com expansão e extrapolação do teto; destruindo medidas preventivas contra ineficiência e corrupção em empresas públicas; aumentando gastos de "publicidade" estatal, inclusive em época de eleição; e restabelecendo relações com o regime de Nicolás Maduro, que deve R$ 6 bilhões ao Brasil em razão de empréstimos do BNDES, nos períodos petistas, para obras e serviços prestados por empreiteiras do petrolão. 


O desgaste lulista seria muito maior se — além do mercado, dos setores não adesistas da imprensa e de um par de senadores —, houvesse uma oposição de verdade, que não vota junto com o PT no Congresso nem bate palma para golpistas em porta de quartel.

 

Quem acompanha o noticiário político acha que a partir de 1º de janeiro haverá mais uma administração Lula e, pelo que se anunciou no único compromisso compreensível de sua campanha eleitoral, todos ganharão um "Brasil Feliz". Mas encontra-se em plena montagem, já na fase do acabamento, o governo Dilma-3 — com os resultados que se pode esperar de uma coisa dessas. 


O Lula que assumiu a presidência da República pela primeira vez em 2003 não existe mais. Sua abordagem prudente da economia e o reconhecimento de que o governo tinha de respeitar os mecanismos básicos do processo de produção sumiram. 


O que existe agora é um Lula obcecado em fazer do Brasil um experimento de “socialismo”. Como ocorreu com a "nova matriz econômica" de sua sucessora, o ex-presidente ex-presidiário quer impor aos brasileiros um país igual aos modelos desenhados nas cartilhas do PT. Mais que tudo, ele e o seu entorno não admitem que haja pensamentos e propósitos diferentes dos seus. 

 

É um contrato de desastre. Dilma deixou um Brasil com a pior recessão da sua história, desemprego maciço, inflação a caminho do descontrole, falência geral dos serviços públicos e índices recorde de miséria — além de um curso de pós-graduação em matéria de incompetência pura e simples. Lula, pelo que saiu até agora do "governo de transição", vai repetir a dose. Escolheu para chefiar a economia um subalterno pessoal que confessou publicamente não entender bulhufas do assunto (nada muito diferente de Pazuello no Ministério da Saúde sob Bolsonaro). O que esperar de algo assim? 

 

Lula tem aversão aos mecanismos que garantem a estabilidade econômica no Brasil de hoje, e Haddad está lá para não gostar junto. O ex-prefeito não foi escolhido para comandar o Ministério da Fazenda por sua competência técnica, mas para seguir cegamente as ordens do chefe. E já se sabe muito bem que ordens são essas: entregar todos os recursos financeiros do país — dos R$ 2 trilhões de arrecadação federal por ano aos R$ 250 bilhões de lucro das empresas estatais em 2022 — ao PT, aos amigos do PT e aos amigos dos amigos. 


Esse é único projeto econômico de Lula. O seu "socialismo" e a razão objetiva do imenso esforço feito nos últimos anos para que ele fosse declarado vencedor das eleições pelo TSE.

 

Nada poderia comprovar de forma tão clara a privatização do Estado brasileiro em favor dos interesses representados pelo sistema Lula-PT do que a aprovação pela Câmara, na calada da noite e em cima das coxas, das mudanças na Lei das Estatais. Foi a primeira grande safadeza do governo Lula, ou desse Dilma-3 que se anuncia para o futuro próximo — um favorecimento alucinado aos novos senhores do Brasil. 


A Câmara se transformou num serviço de atendimento às ordens de Lula três minutos depois que o TSE anunciou o resultado da eleição, e desde então vem operando para mostrar que será tão obediente ao novo governo como é obediente ao STF. Seu feito mais notável neste curto espaço de tempo foi rasgar a Lei das Estatais.

 

Observação: Aprovada no governo Michel Temer e no clamor de moralização levantado pela Lava-Jato, a lei estabelece que uma pessoa só pode ser nomeada para cargos de diretoria em empresas estatais 3 anos depois de deixar o exercício de funções políticas. No último dia 13, a Câmara reduziu a quarentena para 30 dias. Dada a repercussão negativa, a votação no Senado foi adiada — Rodrigo Pacheco disse que quer discutir o assunto com calma, visando construir uma solução de consenso. 

 

Qual a razão lógica de uma mudança dessas? Qual o interesse público que ela poderia atender? O que a população ganha com isso? Absolutamente nada, é óbvio. A redução do prazo serve unicamente para entregar o BNDES — um dos cofres mais recheados da República — ao companheiro Aloízio Mercadante — símbolo do fracasso do governo Dilma que compete com Haddad para ver quem obedece mais ao sistema Lula-PT — e o senador não reeleito  Jean Paul Prates na Petrobras.


Não é só o BNDES, claro. Qualquer estatal, a partir de agora, pode ser entregue ao partido. De quebra, Lula poderá aumentar o número de cargos a serem distribuídos para o Centrão num momento em que Arthur Lira negocia não apenas um ministério polpudo para seu aliado Elmar Nascimento, mas também um bom posto para a correligionária não reeleita Margarete Coelho, relatora que incluiu a "emenda Mercadante" no projeto de aumento de gastos de estatais com publicidade.

 

É essa a democracia que acaba de ser salva pelo heroísmo dos altos tribunais de justiça deste país. Tem toda a cara da calamidade dilmista.

 

Com Felipe Moura Brasil e J.R. Guzzo