segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

SEM CHORO NEM VELA

 

A adesão de parte do bolsonarismo à PEC da Transação deu à vitória de Lula no Senado uma aparência de goleada. Até o líder de Bolsonaro no Congresso disse "sim" à proposta que concedeu ao futuro mandatário R$ 168 bilhões para resgatar promessas de campanha e realizar investimentos (somando-se a outros penduricalhos incluídos no texto, a cifra excluída do teto de gastos ultrapassa os R$ 200 bilhões). 
 
Presente à sessão, o senador Flávio Bolsonaro usou da palavra para desaconselhar a aprovação da proposta. Segundo ele, a emenda resultará numa "corrida a passos largos para empobrecer os mais pobres", e a aprovação seria "um tiro no pé do Congresso". Referindo-se ao prazo de validade da licença concedida a Lula para gastar, afirmou que "a PEC está transformando o Congresso em algo descartável por dois anos."
 
Faltaram a Zero Um senso de oportunidade e senso de ridículo. O filho de um presidente que explodiu o teto de gastos cinco vezes e comprou congressistas com o orçamento secreto não tem moral para falar em responsabilidade fiscal e valorização do Legislativo. Para além disso, ele esqueceu de lembrar — ou lembrou de esquecer — que foram incluídos na PEC artigos que ajudam a pagar as contas da ruína produzida pela gestão de seu papai, e, ao demonstrar com palavras o oco dos seus raciocínios desconexos, adicionou vexame a um epílogo melancólico.

ObservaçãoNovo imbróglio envolvendo o filho do pai foi revelado pelo Estadão. Segundo a reportagem publicada no último dia 8, FB vem advogando em parceria com um colega e atua numa disputa privada entre herdeiros de uma antiga e conhecida fábrica de doces do Rio Grande do Norte, que desde 2008 disputam nos tribunais os R$ 18 milhões do capital da empresa. O detalhe é que esse colega é filho de um ministro aposentado do TST que foi denunciado pelo Ministério Público por venda de sentenças judiciais. Mas não é só. O nobre senador também figura como testemunha numa causa patrocinada pelo amigo e também advogado Willer Tomaz, que envolve uma mansão de R$ 10 milhões no município de Angra dos Reis (RJ).
 
Falando no clima de fim de feira do atual governo, Valdemar Costa Neto aconselhou o ainda presidente a reassumir seu ativismo político, retornando ao cercadinho e às redes sociais, ponderando que o silêncio leve à dispersão do seu eleitorado. "Você precisa falar com o seu povo", disse o dono do PL. Bolsonaro não falou, mas chorou durante cerimônias militares, e suas lágrimas caíram sobre o pedaço bolsonarista da legenda como jatos de água fria — sobretudo para Valdemar, que ainda alimentava esperanças de que o capetão encarnasse rapidamente o papel de líder da oposição.

Observação: Na última sexta-feira, Bolsonaro improvisou um cercadinho defronte ao Alvorada e finalmente rompeu o silencio que vinha mantendo desde a derrota nas urnas. Num discurso de 16 minutos, além de criticar apoiadores que cobram ação para impedir a posse de Lula e repetir sua arenga sobre os militares, o presidente disse: "Estou há praticamente 40 dias calado. Dói, dói na alma. Sempre fui uma pessoa feliz no meio de vocês, mesmo arriscando a minha vida no meio do povo, como arrisquei em Juiz de Fora em setembro de 2018. Quase deixei essa terra. Se a facada tivesse sido fatal, vocês sabem quem seria o presidente do Brasil." As informações são de O Antagonista.

 

Depressão não era o que os bolsonaristas acampados na frente dos quartéis esperavam de seu "mito". Para os 60 milhões de eleitores de Lula, a melancolia do presidente é apenas o preço total — com juros, multa e correção monetária — cobrado de uma vez só de alguém que não pagou suas parcelas de autocrítica nos últimos quatro anos. 
 
Em 20 dias, Bolsonaro perderá as prerrogativas do cargo, o foro privilegiado e o escudo fornecido pelo antiprocurador-geral Augusto Aras. Colecionador de processos e mais suscetível a reveses judiciais, o ex-mandatário deveria chamar Valdemar para uma nova conversa. Ex-presidiário do mensalão, o dono do PL aprendeu a lidar com apertos: foi espremido num espaço de 15 metros quadrados. Sem choro nem vela.
 
Com Josias de Souza