quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

VIRADA DO ANO, SUPERTIÇÕES E GNOCCI DELLA FORTUNA

YO NO CREO EN BRUJAS, PERO QUE LAS AY, LAS AY.

Assírios, persas, fenícios e egípcios comemoravam a virada do ano em 23 de setembro.  Para os gregos o novo ano começava entre 21 e 22 de dezembro. Os romanos, que consideravam a passagem de ano como o fim de um ciclo e o início de outro, acomodaram o réveillon no dia 1º de janeiro, e a data foi mantida nos calendários Juliano e Gregoriano.

 

Poucas coisas conseguem unir o ser humano em uma única crença como as superstições. Imagine quantas pessoas acreditam que o número 13 é sinônimo de azar, que usam amuletos para se protegerem do mau-olhado, que fogem de gatos pretos e evitam a todo custo passar debaixo de escadas, por exemplo. Por mais que saibam que essas crendices são irracionais, preferem não dar chance para o azar e continuar acreditando nelas. 

 

De acordo com o psicólogo comportamental Stuart Vyse, especialista em crença e superstições, isso se deve à nossa necessidade de controlar todos os aspectos da vida — até aqueles que não dependem de nós. Ele explica que esse processo acontece em situações associadas a algo importante, como o nascimento dos filhos, um casamento ou uma entrevista de emprego, e os rituais e amuletos criam uma falsa sensação de que algo foi feito para garantir que o desfecho positivo vai acontecer. 

 

As pessoas tendem a enxergar fenômenos relacionados à vida e morte, ao mundo etc. como sendo causados por alguma coisa, e assim criam associações para tentar estabelecer padrões que expliquem e organizem as informações. Quando não há uma explicação clara aparente, o cérebro acaba fazendo uma associação que não é 100% racional, e aí surgem as superstições. Para além disso, o medo frente ao desconhecido causa dúvidas e incertezas, que geram angústia e sofrimento. As associações dão às pessoas a sensação de estar no controle. Mesmo sabendo que esse controle é ilusório, elas continuam acreditando, porque é melhor pingar do que secar.

 

Mesmo não tendo poderes mágicos, as superstições podem ser úteis se nos influenciarem positivamente a forma como agimos. Assim, seguir um ritual que supostamente trará nos faz ter confiança de que tudo correrá bem — nada muito diferente do velho e bom efeito placebo. Em um estudo feito na Universidade de Colônia, na Alemanha, cientistas concluíram que "ativar" amuletos por meio de frases relativas à boa sorte antes de qualquer performance melhorou o desempenho durante a prática de golfe e solução de anagramas e jogos de memória. 


É comum, por exemplo, jogadores realizarem determinados movimentos antes da partida e torcedores só assistirem ao jogo usando uma determinada peça de roupa. Quando esse excesso de ritualização foge ao controle, os comportamentos repetitivos podem estar associados ao TOC — mas é importante destacar que a superstição traz conforto e TOC não provoca alívio.  


Não há nada de errado em usar a "camisa da sorte" ao assistir ao jogo do "time do coração", ou em pular sete ondas no mar, na noite da passagem de ano. Eu, particularmente, não me considero supersticioso, mas tenho cá minhas crendices (como disse o criador de D. Quixote, Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay).


Uma simpatia de que gosto muito é a do "gnocchi della fortuna ". Reza a lenda que, em uma noite de 29 de dezembro do século IV d.C., São Pantaleão se travestiu de mendigo e bateu à porta de uma família. Embora fosse pobre e numerosa, essa família fez questão de dividir o jantar com o desconhecido, ainda que coubesse a cada comensal míseros sete grãos de nhoque. Após agradecer a hospitalidade, o santo se foi. Quando tirou a mesa, a família descobriu que havia moedas de ouro sob cada prato. 

 

Você pode degustar seu nhoque ao sugo, à bolonhesa, no alho e óleo ou com molho branco, mas o ritual manda primeiro colocar uma nota de dinheiro sob o prato, comer sete nhoques em pé, fazendo um pedido para cada um deles, e então sentar à mesa e terminar a refeição. 

 

Se quiser preparar a massa você mesmo, lave, descasque e corte em pedaços 8 unidades médias de batata do tipo Asterix, transfira para uma panela, cubra com água e leve ao fogo alto. Quando a água ferver, junte meia colher (sopa) de sal, baixe o fogo e deixe cozinhar por cerca de 20 minutos. 


Quando a batata estiver no ponto (espete com o garfo para verificar se ela está bem macia), escorra, passe por um espremedor, deixe amornar, tempere com duas colheres (chá) de sal, acrescente um quarto de xícara (chá) da farinha de trigo e use as mão para misturar tudo muito bem misturado. Feito isso, junte as gemas, amasse bem, adicione o restante da farinha (aos poucos) e continue a amassar até que a massa atinja o ponto de enrolar (para verificar, lave as mãos e modele uma bolinha; se ela não grudar é porque está no ponto). 

 

Encha três quartos de uma panela grande com água e leve ao fogo alto. Enquanto espera a água ferver, unte duas assadeiras grandes (ou refratários) com óleo ou manteiga, polvilhe a mesa ou bancada com farinha e molde os nhoques — faça rolinhos de cerca de 1 cm de diâmetro e corte-os em pedaços de cerca de 2 cm cada. 


Mergulhe uma dúzia de nhoques por vez na água fervente, espere até que eles flutuem, retire-os com uma escumadeira, escorra e transfira para uma das assadeiras untadas. Faça o mesmo com o restante da massa. Ao final, leve as assadeiras ao forno quente, espere gratinar e sirva o nhoque com o molho de sua preferência e parmesão ralado a gosto. 

 

Observação: Se quiser finalizar mais tarde ou no dia seguinte, mergulhe os nhoques cozidos numa tigela com água e gelo antes de os transferir para a assadeira untada com óleo. Depois, cubra com plástico filme e deixe no refrigerador até a hora de usar. Para servir com um molho quente, mergulhe os nhoques rapidamente em água fervente ou doure-os numa frigideira com azeite.

 

Comprar a massa em pacotinhos sai mais caro, mas economiza tempo e trabalho. Não deixe de ler as instruções impressas na embalagem, pois alguns produtos precisam ser cozidos em água fervente e outros podem ser misturados ao molho, levados ao forno e servidos em seguida. Mas faça o molho o você mesmo, como se fazia no tempo da vovó. Você vai precisar de:

 

2 colheres (sopa) de azeite de oliva virgem;

— 3 dentes de alho;

— 1/2 kg de tomates maduros;

— 2 cebolas grandes;

— 10 folhinhas de manjericão,

— 2 folhinhas de louro fresco;

— Sal e pimenta a gosto.

 

Bata os tomates no liquidificador, passe por uma peneira, refogue no azeite com as cebolas raladas e os dentes de alho picados ou esmagados e acrescente o sal, a pimenta, o louro e parte das folhas de manjericão (bem picadinhas). Quando o molho apurar, despeje-o sobre os nhoques cozidos, decore com o restante das folhinhas de manjericão, polvilhe com parmesão ralado, espere gratinar e sirva. A simpatia recomenda comer os primeiros sete “grãos” em pé e colocar o prato sobre uma nota de dinheiro (o valor fica a seu critério) antes de sentar e aproveitar a refeição. 


Ao final, guarde a nota na carteira até o dia 29 do mês seguinte e gaste-a na compra de algum ingrediente a ser usado no próximo dia 29, quando você repetir a receita.

 

Felicidades.