Não é bom sinal que, com apenas dois meses de governo, já se fale em possíveis sucessores de Lula. Pior ainda quando se coloca a primeira-dama no páreo. Janja virou até fantasia de carnaval. O próprio Lula sentiu cheiro de queimado e tentou desarmar a bomba, recuando prematuramente da promessa de não disputar a reeleição, mas acirrando a sanha da extrema direita, que almeja a volta de Bolsonaro Brasil, com o objetivo de liderar a oposição ao PT.
A síndrome da reeleição tem efeitos colaterais graves, como governar desde o primeiro dia do primeiro mandato para conseguir um segundo — no caso de Lula, seria o quarto. Por outro lado, presidente que anuncia que não se candidatará à reeleição gera disputa antecipada. Bolsonaro prometeu — em uma de suas inúmeras mentiras visando conquistar votos de eleitores liberais que acreditaram em suas promessas — que não só não disputaria um segundo mandato como proporia "o fim da reeleição, que tanto mal causou ao Brasil". Mas a reeleição foi sua prioridade desde o primeiro dia de mandato.
Observação: Obcecado pela reeleição, Bolsonaro entrou na fase da barbaridade e da cambalhota. Rendido aos caciques do Centrão, usou a fome dos pobres como álibi para exterminar os últimos resquícios de responsabilidade fiscal. Paulo Guedes, cuja coluna vertebral já estava arqueada, acocorou-se, e os principais assessores do Ministério da Economia bateram em retirada. Com o Tesouro em ruínas, o capitão articulou com os coronéis do Centrão uma megapedalada orçamentária para torrar R$ 83 bilhões no ano eleitoral de 2022, que serviram para satisfazer o apetite pantagruélico de parlamentares por emendas secretas e verbas eleitorais. Com um mandatário sem noção, nem projeto, nem ministro da Economia, o país perdeu o chão e o fundo do poço passou a ser apenas mais um estágio rumo às profundezas do inferno. A primeira vítima foi o povo, que se dividiu entre a fila do osso e a fila do desemprego. A segunda foi a semântica — as declarações do despresidente desobrigaram tudo mais de fazer sentido. Mas numa coisa Bolsonaro tinha razão: A reeleição é mesmo "uma desgraça".
Comprada, digo, aprovada no primeiro governo FHC, a PEC da reeleição foi justificada pela necessidade de dar prosseguimento às reformas em curso, como se fossem medidas de governo, e não de Estado. Assim foi no Plano Real, assim foi com Lula e Dilma, assim foi com Bolsonaro, no desmonte do Estado governado havia 25 anos pela social-democracia, como definido pelos seus, juntando no mesmo saco PT e PSDB.
No atual caso do Brasil, há um detalhe extravagante: os dois grandes líderes populares podem não ter condições de se candidatar em 2026. Lula, pela idade e pela saúde, já que ele mesmo condicionou a seu estado físico a decisão, e Bolsonaro, porque provavelmente será declarado inelegível pelo TSE — isso acontecendo, independentemente de o capitão ser preso ou não, a direita radical terá o mesmo argumento da esquerda em 2018, ou seja, dirá que houve um conluio para impedir o "mito" de se candidatar e favorecer o PT.
No PT, ninguém se atreve a lançar candidatos enquanto Lula mantiver acesa a possibilidade de concorrer, mas já surgem especulações que colocam como possíveis pretendentes ao Planalto os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, da Casa Civil, Rui Costa, e da Justiça, Flávio Dino. No centro, que não conseguiu apresentar um candidato viável nas duas últimas eleições, fala-se em Eduardo Leite e Simone Tebet. Já a "direita civilizada" tem Romeu Zema e Tarcísio de Freitas — ambos se descolarem de Bolsonaro, deixando o ex-presidente isolado na extrema direita, com um dos filhos (provavelmente o senador Flávio Bolsonaro) como herdeiro político.
À falta de nomes, cria-se uma disputa indireta entre as primeiras-damas dos dois. A atual, Rosângela da Silva, mais conhecida como Janja, virou figura nacional. Participa de reuniões ministeriais, sai em fotos oficiais de encontros presidenciais. Mesmo antes da posse, já se prenunciava que teria papel importante. Confessou em entrevista ao “Fantástico” que suas inspirações são Evita Perón e Michelle Obama, e a esdrúxula aparição, entre Lula e Biden, em foto na Casa Branca virou meme. A ex, Michelle Bolsonaro, assumiu um papel político no PL e tem por missão viajar pelo país com salário oficial. Sua popularidade entre o eleitorado evangélico é um trunfo (e Bolsonaro já está enciumado).
Observação: Derrotado nas urnas, Bolsonaro encastelou-se no Alvorada, alimentando teorias conspiratórias sobre um golpe contra o resultado da eleição. O levante propriamente dito não aconteceu, mas a frustração dos bolsonaristas radicais resultou na tentativa no ataque terrorista de 8 de janeiro — que só não evoluiu para golpe de Estado por falta de adesão dos comandantes militares. A mesma estratégia ora se repete com as múltiplas versões sobre a volta de Bolsonaro. Ora é o filho que diz que o pai pode voltar amanhã, daqui a seis meses ou nunca, ora é o próprio que diz que volta em março, ora é a mulher que diz que o marido deve passar mais um tempo descansando sabe-se lá de quê. O problema é o desapreço dos quatro enteados pela madrasta. Eles não admitem a hipótese de ela assumir o lugar do pai. Mas antigos aliados do capetão veem a possibilidade como algo natural, mesmo porque Bolsonaro pode se tornar inelegível, e alguém terá de assumir seu lugar. Michelle nega, mas está encantada com a ideia de se tornar uma Evita Perón tupiniquim.
Cinquenta anos depois, poderíamos repetir a farsa de termos uma ex-primeira-dama na Presidência da República no Brasil depois que a Argentina, por meio do líder populista Juan Domingo Perón, teve como presidente sua mulher, Isabelita. A tragédia argentina começara quase 30 anos antes, quando a primeira-dama Evita Perón tornou-se uma lenda entre o povo, mesmo sem ter mandato ou voto. Seria cômico se não fosse trágico.
Com Merval Pereira e Tales Faria
Cinquenta anos depois, poderíamos repetir a farsa de termos uma ex-primeira-dama na Presidência da República no Brasil depois que a Argentina, por meio do líder populista Juan Domingo Perón, teve como presidente sua mulher, Isabelita. A tragédia argentina começara quase 30 anos antes, quando a primeira-dama Evita Perón tornou-se uma lenda entre o povo, mesmo sem ter mandato ou voto. Seria cômico se não fosse trágico.
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