sábado, 18 de março de 2023

A MUAMBA DAS ARÁBIAS E O ELEFANTE DO CIRCO

 

Bolsonaro se envolveu em inúmeros escândalos ao longo de sua carreira, de racismo a rachadinha. Na Presidência, o "homem simples" que comia pão com leite condensado e deixava cair a farofa do frango sobre sua roupa recebeu 19.470 presentes. Nenhum cheirou tanto a propina quanto a "muamba das arábias— foram R$ 400 mil em joias masculinas e R$ 16,5 milhões em joias femininas escondidas na bagagem de militares (mais detalhes nesta matéria).
 
A legislação exige a declaração dos bens que entram no país quando o valor ultrapassa US$ 1.000. No caso das joias, era preciso informar que se tratava de um presente oficial para o primeiro-casal — situação em que os itens seriam destinados ao patrimônio da União — ou pagar o imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto e multa de 25% sobre o valor dos itens apreendido, o que perfaria um total de R$ 12 milhões. Segundo a Receita Federal,  o governo não seguiu os procedimentos necessários para incorporar as joias ao acervo da União

PF teve acesso a documento que mostra o 2º pacote de joias listado como acervo privado de Bolsonaro — contrariando a versão do ex-presidente, segundo a qual as joias seriam encaminhadas para o acervo da União. Bolsonaro tentou (sem êxito) recuperar as joias ao menos 8 vezes, utilizando o Itamaraty e funcionários do Ministério de Minas e Emergia e da Marinha, e que, quando o caso veio a público, negou a ilegalidade das peças e disse estar sendo acusado de um presente que não pediu nem recebeu. Michelle também negou ter conhecimento do conjunto. 

De acordo com o site Poder 360, a Polícia Federal negou à defesa de Bolsonaro um pedido de acesso ao inquérito, alegando que ele ainda não é investigado nos autos. Da Flórida, o "mito" confirmou que a segunda caixa de joias foi listada como acervo pessoal, mas negou a ilegalidade das peças.
 
Josias de Souza comentou em sua coluna que o capitão sempre fez pose de homem de bem, mas as rachadinhas da família lhe deram um semblante de homem que se deu bem. Agora, ele frequenta como homem flagrado com os bens o inquérito em que a PF apura o escândalo da muamba milionária. Antecipando-se ao desfecho das investigações, o TCU tomou decisão que fez lembrar uma antiga história do ladrão de elefante flagrado pelo guarda do circo:
 
"Tanta coisa no circo para roubar e você foi pegar logo o elefante?!?", disse o guarda. "Podia ter roubado um macaco. Dizia que era seu irmão mais novo. Podia ter roubado o leão. Com um bom penteado, passava como um cachorro grande. O tigre podia ser confundido com um gato. Mas o elefante, francamente, não dá! O elefante ultrapassa todos os limites."
 
Até o TCU foi capaz de enxergar o elefante metafórico na bagagem do então ministro Bento Albuquerque e de um membro de sua comitiva. Em decisão unânime, o tribunal determinou a devolução das masculinas e a regularização das joias femininas retidas na alfândega — com subsequente incorporação ao acervo do Planalto. 

Bolsonaro deverá devolver também um fuzil e uma pistola que lhe foram presenteados pelos Emirados Árabes (coisa de R$ 57 mil). Auditores fiscais passarão um pente fino nos quase 20 mil presentes que o ex-presidente recebeu nos últimos quatro anos. A ideia é descobrir se mais algum elefante deixou o Alvorada no caminhão de mudança como patrimônio pessoal do ex-inquilino.

Observação: Com medo das consequências do escândalo das joias, Bolsonaro se ofereceu para devolver o estojo com itens de luxo do qual se apropriou ilegalmente e colocou-se à disposição da PF para prestar depoimento (tentando evitar uma busca e apreensão e um pedido de prisão). Na prática, ele se rende à realidade. Seu depoimento à PF é incontornável.
 

Quando deixaram o Planalto, Lula e Dilma foram submetidos ao mesmo constrangimento. Ele teve que devolver 434 presentes; ela, 117. No caso do petista, a OAS — que bancou a reforma do célebre triplex no Guarujá e do não menos famoso sítio em Atibaia — pagou 61 parcelas mensais de R$ 21.536,84 à Transportadora Granero pelo armazenamento do acervo (9.037 peças que ocupavam 11 contêineres), que continha itens que iam de camisetas, bonés e estatuetas a um fuzil AK-47. Dilma primeiro negou ser responsável pelo destino dos bens não encontrados, depois disse que os presentes eram "pessoais". 
 
O que distinguiu Bolsonaro foi a operação montada nos últimos dias de governo para tentar reaver, na base da carteirada, as joias milionárias apreendidas pelos fiscais da alfândega. Despido das prerrogativas do cargo de presidente, sem a blindagem do antiprocurador Augusto Aras, ficou mais difícil esconder elefantes.