segunda-feira, 1 de maio de 2023

E ASSIM A COISA VAI...

 

Quem arruma desculpas para dizer que alguma coisa não pode ser feita pode ser surpreendido por alguém fazendo a coisa. Após enviar ao ministro Alexandre de Moraes os nomes dos militares pilhados desfilando uma cumplicidade complacente em meio aos invasores no 8 de janeiro, Ricardo Cappelli concluiu a faxina que Lula lhe havia encomendado, realizando em uma semana a limpeza funcional que o general Gonçalves Dias se absteve de fazer em três meses e meio de inoperância. 
 
Dos 29 exonerados, 24 são militares, três são policiais, um é bombeiro e um é paisano. Três comandavam secretarias nacionais desde a gestão do general ultrabolsonarista Augusto Heleno. Os outros 26 ocupavam cargos de direção. Alguns sobreviveram na folha do GSI mesmo tendo participado, como o próprio Gonçalves Dias — amigo de Lula de duas décadas — do vexame que transformou o Planalto em alvo indefeso durante a invasão criminosa de 8 de janeiro.
 
Foi também partir de uma provocação de Cappelli que Moraes determinou a divulgação das filmagens captadas pelas câmeras do Palácio do Planalto — que seu antecessor havia colocado sob um sigilo de cinco anos. Não fosse a passividade do presidente com a obscuridade inativa de GDias, talvez o governo não tivesse caído de ponta-cabeça na CPI mista do golpe. 
 
Os bolsonaristas estão querendo fazer um VAR quase caricatural para tentar diminuir a própria responsabilidade nos atos terroristas, mas a ideia de convocar Lula não faz o menor sentido, escreveu Josias de Souza em sua coluna. Quem tem de dar explicações é Bolsonaro e seus acólitos. A comissão irá arrombar portas que já foram abertas, e não se consegue reescrever uma história que está tão nítida. 
 
Ainda segundo o colunista do UOL, o surgimento de mais um figurante na interminável novela das joias torna ainda mais incompreensível a demora da PF em indiciar Bolsonaro. Nenhum autor de novela assinaria a versão do ex-presidente para não passar como um autor inverossímil. A PF e o Ministério Público já sustentam em documentos internos que estão convencidos de que o capitão cometeu peculato, mas demoram a indiciá-lo.
 
O destino criminal de Bolsonaro e de Anderson Torres — que segue preso desde 14 de janeiro e é investigado por suposta omissão durante os atos golpistas — está entrelaçado. Ou eles socorrem um ao outro ou afundam abraçados. Seus advogados introduzem nos processos um fator que os responsáveis pelos inquéritos tacham de anedótico: um aposta na morfina e o outro, na psiquiatria. 
 
Na semana passada, o delegado Flávio Reis, presidente do inquérito da PRF que investiga Torres, acolheu o pedido de adiamento do depoimento que estava marcado para o dia 24. Dias depois, o ministro Alexandre de Moraes cobrou explicações sobre as senhas de celular e email do ex-ministro bolsonarista, destacando que "nenhuma das senhas fornecidas estava correta" (o que, segundo a defesa de Torres, deveu-se a "lapso de memória" causado pelo estado emocional de seu cliente). 

Paralelamente, o ministro Luís Roberto Barroso rejeitou mais um pedido de soltura Moraes já havia indeferido um pedido semelhante na semana anterior, e Barroso anotou em seu despacho que a jurisprudência do STF não permite uso de habeas corpus contra decisão de outro integrante da Corte. 
 
Observação: O estado de saúde de Torres já havia sido levado ao STF anteriormente; segundo seus advogados, o ex-ministro "chora constantemente" e está em um estado "de tristeza profunda" sem ver as filhas desde o dia em que foi preso. Devem-se à perspectiva de transferência do preso de uma hospedaria carcerária especial — com lençóis limpos, banho de sol, TV no quarto e três refeições diárias — para o leito de um hospital penitenciário as alegações de que ele com a ideia de suicídio e sofre surtos que comprometem sua cognição — como o que o impediu de fornecer as senhas que dariam à PF acesso ao servidores remotos (nuvem) onde estão armazenados os dados do celular que ele diz ter perdido na Disney.
 
Já o lero-lero segundo o qual Bolsonaro compartilhou vídeo de conteúdo golpista no Facebook sem querer e sob efeito de morfina produziu resultado semelhante ao da cloroquina no tratamento da Covid. Como o conteúdo do vídeo tóxico coincide 100% com o pensamento do capitão, depreende-se que a versão tem como única serventia impedir que Carluxo, gestor das contas do pai nas redes sociais, seja arrastado para dentro do inquérito como cúmplice.
 
Anderson e Bolsonaro serão intimados a depor novamente. Os investigadores avaliam que, se o ex-ministro quiser mesmo colaborar, como alegam seus advogados, a restauração de sua memória pode provocar no antigo chefe uma desorientação maior que a de qualquer opioide. Ainda não se sabe o que Moraes fará ao final das investigações, mas vai ficando claro que o magistrado, convertido numa espécie de relator-geral da República, não está disposto a fazer papel de bobo.
 
Com Josias de Souza