domingo, 30 de julho de 2023

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO... PARTE 5

 

Na investigação sobre o assassinato de Marielle, o absurdo ganhou uma doce naturalidade. A polícia fluminense tratava Suel como figurante, mas a PF descobriu que ele é um empreendedor do submundo das milícias. 

Como bombeiro, Suel ganhava R$ 10 mil por mês. Escorando-se em dados do Coaf, os investigadores verificaram que ele movimentou R$ 6,4 milhões entre março de 2019 e outubro de 2021, quando se dividia entre a farda de bombeiro, a venda clandestina de TV a cabo na Zona Norte e um varejo criminoso que incluiu o planejamento e acobertamento do assassinato da vereadora. 

Num passado remoto, as milícias eram toleradas — e por vezes aplaudidas — porque executavam pivetes e "aviõezinhos" em troca de alguns caraminguás. Hoje, dividem regiões com o tráfico, operam em ramos variados — do transporte clandestino aos imóveis ilegais — e recrutam pessoal nas forças de segurança sob a proteção de governantes. 

Quando menos se espera, um Suel qualquer surge no bololô em que se converteu o caso Marielle como a cereja podre de um bombeiro-ostentação. Morava bem e gastava muito. A plateia se pergunta: por que os investigadores haviam suprimido de seus hábitos o ponto de exclamação?


Depois de passar mais de ano foragido, Adriano da Nóbrega, suspeito de chefiar o "Escritório do Crime", foi localizado no município de Esplanada (BA), onde trocou tiros com os policiais e morreu num hospital da região

Chamado de "patrão" por membros da milícia de Rio das Pedras, o ex-capitão do BOPE era acusado de envolvimento em diversos homicídios, de ser sócio no jogo de máquinas caça-níqueis e de despejar dinheiro ilícito no caixa de Fabrício Queiroz, seu parceiro de ronda, junto com quem ele matou o técnico de refrigeração Anderson Rosa de Souza na Cidade de Deus (a ação foi registrada como "auto de resistência"). Meses depois, Flávio Bolsonaro apresentou uma moção de louvor na Alerj para elogiar o "brilhantismo" do amigo, que foi condecorado com a Medalha Tiradentes.
 
Nóbrega era considerado peça-chave nas investigações que envolvem a expansão das milícias fluminenses e o esquema de rachadinhas da Famiglia Bolsonaro, e logo surgiram dúvidas sobre os reais objetivos da operação policial 
— da qual participaram 70 homens equipados com fuzis, carabinas, pistolas, revólveres, espingardas, bombas de gás, drones, coletes e escudos à prova de bala, embora o foragido estivesse sozinho, seminu e armado apenas com uma pistola

Segundo o laudo divulgado pela SSP-BA, não havia elementos para afirmar que houve tortura, mas outros peritos consideraram o disparo na lateral — feito provavelmente quando a vítima estava com os braços erguidos — como sinal de execução. Os peritos afirmaram também que, se tivesse havido troca de tiros, haveria ferimentos também no braço esquerdo, e que a bala que atingiu Nóbrega logo abaixo da mandíbula foi disparada a queima-roupa. 
 
Familiares e conhecidos do ex-capitão da PM-RJ sustentaram a tese da execução. "Ele me ligou e disse que não adiantaria se entregar porque ninguém queria a sua prisão, mas sim a sua morte", disse a VEJA o advogado que defendia o defendia na Justiça. Uma semana antes da ação policial, Júlia Mello Lotufo, esposa da vítima, reiterou que o ex-PM foi assassinado: "Meu marido foi envolvido numa conspiração armada pelo então governador do Rio, Wilson Witzel, que queria matá-lo para queima de arquivo."

Observação: Em janeiro deste ano, a corporação informou que os documentos que poderiam ajudar a solucionar a suposta execução foram levados por uma grande chuva ocorrida 2010. Assim, o inquérito prescreveu sem que ninguém fosse responsabilizado. 
 
Quando ainda era deputado, o ora senador dos panetones e das mansões milionárias contratou a mãe e a ex-mulher de Nóbrega
 para trabalhar em seu gabinete. Parte dos salários das duas irrigou o esquema de rachadinha operado por Queiroz, antigo parceiro de ronda do miliciano. Devido a essas conexões, a versão de "queima de arquivo" ganhou as ruas e as redes sociais. Em resposta, aliados dos Bolsonaro alegaram que o então governador fluminense Wilson Witzel teria dado prioridade à ação policial por temer que Nóbrega revelasse detalhes das relações de líderes das milícias com o poder público do Rio. 

Teorias conspiratórias à parte, tratar esse caso como o de um bandido morto em confronto com a polícia é reduzir a importância do crime, que causou alívio em figuras importantes da polícia e de esferas governamentais. Pelas circunstâncias e pelo grande interesse em torno do caso, tudo indica que foi mesmo "queima de arquivo". Num áudio divulgado pela Folha em abril do ano passado, Daniela Magalhães da Nóbrega acusou o Planalto de oferecer cargo em troca do assassinato de Adriano. Na gravação, captada em uma escuta telefônica pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, ela chora ao dizer para uma tia que o irmão já era um arquivo morto.