Como parlamentar, o ex-ministro atuou como um dos interrogadores na sabatina do advogado Cristiano Zanin, que agora ocupa uma cadeira no Supremo — se as coisas tivessem tomado outro rumo, é provável que Moro ocupasse essa cadeira e o STF não tivesse anulado as condenações do demiurgo de Garanhuns.
Interrogando Walter Delgatti — responsável pela invasão dos celulares dos procuradores de Curitiba —, Moro foi chamado de “criminoso contumaz", e respondeu que o picareta araraquarense era tão inocente quanto Lula, o maior beneficiário do desmonte da Lava-Jato. Em outra cena digna de um roteirista com imaginação fértil, o crápula caipira — que salvou a pele de Lula — ora coloca Bolsonaro na rota da prisão, ao revelar detalhes sobre um plano para desmoralizar nosso sistema eleitoral.
Em 2018, Bolsonaro prometeu pegar em lanças na defesa da Lava-Jato e, para mostrar que falava a sério, convidou Moro para ocupar o cargo de "superministro" da Justiça. Em 2022, passou a campanha à reeleição chamando Lula de "descondenado" (como toda razão, diga-se) e, ironia das ironias, teve Moro como cabo eleitoral e assessor. Mais adiante, agradeceu a Delgatti por "salvar a democracia" ao municiar a Vaza-Jato com mensagens roubadas e jamais periciadas. O hacker de festim, por sua vez, passou de herói da esquerda a conselheiro da extrema-direita, chegando mesmo a ser enviado ao Ministério da Defesa para assessorar uma comissão formada supostamente para ajudar o TSE a garantir a integridade das urnas, mas que na verdade tinha o objetivo de desmoralizá-las.
A pandemia pesou (e muito) na derrota eleitoral do capitão-cloroquina e em sua desgraça pós-eleitoral. É extraordinário o rastro de inquéritos e processos que o despresidente deixou na esteira de sua saída — desvio de documentos secretos, joias, tentativa de fraudar eleições, hackers, misoginia, falsos atestados de vacina e por aí afora. Mesmo tendo contribuído para o alto índice de mortes, Bolsonaro foi destruído pelo vírus, e a falsificação de atestados levou seu ajudante de desordens à prisão.
Observação: O roubo das joias sauditas só foi possível graças à cumplicidade fardada e paisana. Incontornável a constatação de que o golpismo e a corrupção viraram um rabo escondido com o elefante de fora. Contra esse pano de fundo radioativo, a PF deixou de tratar o capetão como ex-presidente. Diante de tantas evidências do envolvimento de Cidinho no escândalo das joias, sua confissão serve apenas para amenizar a situação do pai, Cidão.
Dado o risco de o "mito" deixar o Brasil — como fez no final de seu mandato e ficou três meses homiziado na cueca do Pateta —, parlamentares pediram a apreensão de seu passaporte, mas a PF e o STF preferem esperar pela desmontagem do departamento de blindagem estruturado na antiprocuradoria de Aras (a ideia é indiciar o ex-mandatário a tempo de o novo PGR redigir uma denúncia antes do Natal, que Alexandre de Moraes poderá levar a plenário no primeiro semestre do ano que vem).
Bolsonaro desgovernou o país movido por forças inconscientes e antagônicas. Sua retórica patriótica e limpinha revelou-se golpista e corrupta. Blindado, o incomível convenceu-se de que a invulnerabilidade o faria eterno no Planalto, e deixou um rastro pegajoso que conduz a PF na sua excursão pelos porões do descalabro. Derrotado nas urnas, o chefe do clã das rachadinhas alimentou a fantasia de que continuaria desfilando pela conjuntura como um invulnerável engolidor de espadas, e que as ações no TSE dariam em nada (mas deram em inelegibilidade). Imaginava que militares não virariam delatores, mas faltou combinar com seu ex-ajudante de ordens. Sustentava não ter nada a ver com o 8 de janeiro, mas seu encontro com Delgatti colocou o golpismo na copa do Alvorada.
As revelações dos últimos dias potencializaram o cenário que transforma por simbiose a deterioração criminal de Bolsonaro na desmoralização das Forças Armadas. Numa conversa com Lula no escurinho do Alvorada, os comandantes sustentaram que convém aguardar a decisão do STF para evitar uma "caça às bruxas". A protelação ofende porque o repúdio da corporação à delinquência independe do Judiciário.
Observação: Com a complacência do alto-comando, Bolsonaro politizou os quartéis. Para desbolsonarizar suas atividades, os fardados terão que reagir no tempo da política — no Brasil, a Justiça tarda e nem sempre chega. Em comunicado endereçado ao público interno, o comandante do Exército anotou que a soldadesca "deve pautar suas ações pela legalidade e legitimidade". No mesmo texto, a pretexto de "fortalecer as ações voltadas para o bem-estar da família militar", disse ter acionado o Estado Maior para articular medidas "visando à recomposição salarial dos militares". A impressão é de que as FFAA utilizam a brasa do bolsonarista para assar uma pizza integralmente feita de omissão e privilégios.
Se Deltan Dallagnol fizesse um power point sobre as investigações atuais como fez com as de Lula há exatos 8 anos, todas as setas apontariam para Bolsonaro. Como em 2016, tudo está sendo confirmado e checado. Em 2016, Lula era a figura central do petrolão; hoje, o capetão é o centro de um fieira interminável de escândalos.
A prisão dos comandantes da PMDF mostra claramente que havia militares atuando em prol do golpe. Em algum momento — que já está tardando —, as FFAA precisam repudiar oficialmente os atos golpistas de 8 de Janeiro. Ficar em silêncio enquanto o país inteiro acompanha uma crise em que militares estão mergulhados até os beiços em ações antidemocráticas não é suficiente. À mulher de César não basta ser honesta; tem de parecer honesta.