sexta-feira, 8 de setembro de 2023

O VERDADEIRO GOLPE

Seguindo os passos do ex-ministro Ricardo LewandowskiDias Toffoli anulou as provas do acordo de leniência da Odebrecht  pedra angular no âmbito da Lava-Jato. Isso significa que todos os casos embasados nessas provas terão de ser analisados pelos respectivos juízes, para verificar se os processos continuarão a ter andamento - por meio de outro material probatório - ou se serão arquivados. Quanto às sentenças já proferidas e à dinheirama devolvida pelos ladrões, cabe perguntar ao STF.

Toffoli afirmou que a prisão de Lula pode ser considerada "um dos maiores erros judiciários da história do país", embora tenha sido na verdade o fruto de um projeto de poder visando à conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem. Em seu juízo fecundo, o ministro afirmou que a Lava-Jato revelou-se o verdadeiro ovo da serpente (expressão que Shakespeare colocou na boca do traidor Brutus, na peça Júlio César).

Depois de resolver que a maior operação anticorrupção da história brasileira não passou de uma farsa, sua excelência determinou que fossem apontados os "eventuais agentes públicos que atuaram e praticaram os atos relacionados" ao acordo de leniência da Odebrecht, e determinou a adoção das "medidas necessárias para apurar responsabilidades, não apenas na seara funcional, como também nas esferas administrativa, cível e criminal". Ou seja, quem investigou será investigado e, no limite, quem mandou prender será preso.

Sempre diligente, Flávio Dino, pré-candidato ao STF, apressou-se em dizer que vai pôr a PF no encalço dos suspeitos aquela mesma PF que está “a serviço da causa de Lula”, como ele próprio frisou no dia anterior. Ato contínuo, o advogado-geral da União, Jorge Messias, igualmente pré-candidato ao STF, montou uma força-tarefa para ir atrás da rapaziada da Lava-Jato. Não poderia ser mais perfeito. Inclusive porque, como a decisão desceu  e como desceu — ao mérito da prisão de Lula, os petistas não incorrerão em total falsidade jurídica ao dizer que o seu chefe foi inocentado pelo STF. Deveriam estar muito agradecidos a Bolsonaro, a serpente que propiciou a ovada a que assistimos.

A partir de agora, as relações de Toffoli com o presidente da República serão gradativamente restabelecidas na sua beleza hierárquica. Lula ficou profundamente magoado com o fato de o ministro não ter autorizado que ele saísse da prisão, em Curitiba, a tempo de ir ao velório do irmão Vavá, mas a caneta certa no momento exato cura feridas. Mas o despacho apaixonado não é o derradeiro episódio do aniquilamento da Lava-Jato. Ao que tudo indica nesta cada vez mais previsível democracia, teremos a cassação do mandato de senador Sergio Moro pela Justiça Eleitoral (a cassação do mandato de Deltan Dallagnol não foi suficiente para saciar o desejo de vingança em Brasília).

Há ainda a possibilidade de que o final da Lava-Jato seja arrebatador ao estilo dos filmes de Quentin Tarantino, com o ex-juiz e o ex-procurador sendo condenados à prisão, haja vista que o veredicto foi avançado pelos epítetos de Dias Toffoli. Quando estava em cana, Lula dizia: “só vou ficar bem quando foder com o Moro”. Hoje, para executar o serviço, ele conta com gente de notório saber jurídico nos ministérios.

 O que se tem a concluir disso tudo já foi exarado séculos atrás. “A única salvação dos vencidos é não esperar salvação nenhuma”. Está na Eneida, de Virgílio. Outra versão: “Para os vencidos, o bem se transforma em mal e o mal em pior”. Está em Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (texto de Mario Sabino).

***

O petismo está distorcendo o sentido de uma decisão da segunda instância da Justiça Federal para insistir na lenda do “golpe” contra Dilma em 2016. O TRF-1 manteve o arquivamento de uma ação de improbidade administrativa contra a ex-presidente, e isso bastou para que Lula e os petistas retomassem a cantilena. O presidente disse que o Brasil “deve desculpas” a Dilma e o partido quer uma "devolução simbólica" do mandato cassado, a exemplo do que foi feito com João Goulart, deposto pelos militares em 1964.

Se a Constituição foi atropelada, isso se deu não em prejuízo de Dilma, mas em seu benefício, quando o Senado votou pela cassação, mas manteve os direitos políticos da petista, violando frontalmente o artigo 52, parágrafo 1.º da CF. O MPF ingressou com ação de improbidade administrativa contra a ex-presidanta, o ex-ministro Mantega, o ex-presidente do BBAldemir Bendine, o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho

As tais "pedaladas" foram manobras contábeis em que o governo atrasava os repasses a bancos federais responsáveis por pagamentos de programas sociais como o Bolsa Família; na prática, os bancos eram “forçados” a emprestar dinheiro à União e as contas públicas acabavam maquiadas, dando a impressão de estarem em situação melhor que a real. Graças a este truque e a três decretos de abertura de crédito suplementar sem autorização do Legislativo, Dilma teve suas contas reprovadas pelo TCU e foi denunciada por crime de responsabilidade, punido pelo Congresso com o impeachment, em rito devidamente avalizado pelo STF. 

A ação foi arquivada em 2022 e o TRF-1 manteve essa decisão – que está sendo celebrada pelos petistas como um “atestado de inocência” da ex-presidente. No entanto, não houve absolvição alguma, apenas um arquivamento; a Justiça simplesmente entendeu que não se aplicava, ali, o conceito de improbidade administrativa, e ressaltou que Dilma já havia sido julgada pelo episódio ao ser cassada pelo Senado. 

O petismo se acostumou à mentira como método. A própria decisão do STF que fez de Lula um ficha-limpa não foi uma absolvição, mas uma anulação especialmente acintosa porque, para que ela ocorresse, foi necessário inventar um “erro de CEP” e reverter jurisprudência do próprio STF sobre a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para julgar as ações contra Lula

No fim, tanto o caso do tríplex quanto o do sítio de Atibaia prescreveram, o que também não equivale a um veredito de “inocente”  até porque isso não anula o valor documental do enorme conjunto probatório levantado pela Lava-Jato sobre a participação de Lula no petrolão. As provas não podem mais ser usadas em tribunais, mas não deixaram de existir por causa disso. No caso de Dilma, as evidências das "pedaladas" (que também eram abundantes) nem mesmo perderam seu valor jurídico; no máximo, a Justiça considerou que não se aplicavam a uma ação por improbidade administrativa.

Observação: Em entrevista à Veja, o ex-presidente Michel Temer rebateu a fala de Lula sobre procurar uma maneira de "recompensar” Dilma por ter sofrido um processo de impeachment. Ele lembrou que a ex-presidanta já foi recompensada com a presidência do banco dos Brics, e disse lamentar que “o presidente e outros façam uma revisão verbal, que mencionem que ela não praticou tal ato. Na avaliação do ex-vampiro do Jaburu, Lula e a petralhada tentam produzir a tese do golpe que não foi golpe coisa nenhuma. Se foi golpe, foi de sorte. Significou várias reformatações que foram feitas no nosso governo. É pregação política na qual o povo não acredita.” Sobre a decisão do TRF-1 acerca das pedaladas, Temer salientou que os desembargadores apenas levaram em conta uma decisão do Supremo que determinou que, caso alguém tenha sido responsabilizado politicamente, não há razão para o mesmo fato ser apenado em outro tribunal. Não houve exame de mérito. O que há é uma narrativa de que ela foi absolvida”, disse.

O impeachment, portanto, diferentemente de um golpe, foi a pura e simples aplicação da Constituição para proteger a população de governantes que se julgam capazes de fazer o que bem entendem com as contas públicas. Golpe é a distorção deliberada de uma decisão judicial para, com isso, espalhar uma mentira e desmoralizar uma decisão soberana do Poder Legislativo, no uso de suas atribuições: golpe na verdade histórica e golpe na democracia.

Com Gazeta do Povo