quinta-feira, 14 de setembro de 2023

TV PROSELITISMO


O noticiário continua insuportável. Para além das desgraças nacionais (que não são poucas), quase 3 mil marroquinos perderam a vida para um terremoto, e uma mega enchente deixou mais de 5 mil mortos na Líbia. Lula voltou da Índia, Bolsonaro foi operado e o STF começou a julgar os "patriotas" de 8 de Janeiro. O PT, assentado na Presidência pela quinta vez em 43 anos de existência e titular de nove ministérios, percebeu que precisa de emissoras de televisão e rádio para expandir sua rede de comunicação, e pede concessões sob a alegação de que necessita delas para promover o "debate" e a "educação política" no país. 


Observação: Internado pena enésima vez no caríssimo Hospital Vila Nova Star, na capital paulista, Bolsonaro faz sinal de "positivo" para sua récua, mas, em off, diz estar "decepcionado" com a delação de Mauro Cid. Parece que ele não contava com a "deserção" do tenente-coronel, e agora mostra-se preocupado com o teor das revelações de seu ex-esbirro —as que já seduziram a PF e, sobretudo, as que ainda terão que ser feitas para garantir os prêmios judiciais. Mas o que mais espantou os aliados não foi nem a decepção com Cid nem a inquietação com o que está por vir, e sim o "desânimo" do capitão. Um integrante da cúpula do PL avaliou que o chefe do clã das rachadinhas exibe agora um abatimento comparável ao que apresentava nos dias que se seguiram à derrota para Lula, no ano passado. Compartilhou com correligionários o receio de que o "cabo eleitoral de luxo" decida submergir. Para piorar um quadro já bastante ruim, o ministro Alexandre de Moraes indeferiu pedido dos advogados para que o agora delatado tenha acesso ao depoimento mais recente do seu delator. Em meio ao breu, o PL encomenda pesquisa para aferir os danos parciais antes de conhecer a profundidade do buraco em que Cid ameaça enfiar o ex-chefe.


Pelo visto, a TV Brasil, os espaços garantidos às legendas nos veículos de comunicação mediante renúncias fiscais, as redes sociais, as transmissões das falas de seus parlamentares nas TVs Câmara e Senado são insuficientes. É preciso mais para a consecução do projeto de construção de hegemonia política e, sobretudo, social. A ideia é clara: "Divulgar nossa ideologia", nas palavras do secretário de comunicação do partido, Jilmar Tatto. Fazer proselitismo, pois. "Educar" segundo sua visão de mundo.

 

A vocação expansionista do partido, vemos, não guarda limites. Bem como não há cerimônia no uso do Estado para a operação de ações privadas. A montagem de uma televisão demanda volume enorme de recursos — que o partido de Lula não esclarece de onde vai tirar. O PT acaba de se aliar à PEC da Anistia sob o pretexto de que a situação financeira dos partidos — dele inclusive — não lhes permite pagar as dívidas (cerca de R$ 40 milhões) devidas à Justiça Eleitoral.

 

Quando foi fundado, em 1980, o PT se proclamou agente das transformações políticas e sociais que, pautadas pelo rigor da ética e pelo mais genuíno sentimento de justiça social, mudariam a cara do Brasil. Mas nada no Brasil mudou tanto, nos últimos 43 anos, como a "cara" do PT. O antigo bastião de idealistas, depois de perder pelo caminho todos os mais coerentes dentre eles, transformou-se numa legenda partidária como as que antes estigmatizava, manobrada por políticos profissionais no pior sentido, mas submissa à vontade de um "dono", de cuja popularidade depende sua sobrevivência.

 

Uma vez no poder, a sigla se transformou no oposto de tudo o que sempre preconizou. Eleito em 2002, Lula fez bom uso de sua "herança maldita". Adotou sem hesitação os fundamentos da política econômico-financeira de seu antecessor, redesenhou e incrementou os programas sociais que recebeu, barganhou como sempre se fez o apoio de que precisava no Congresso e, bafejado por uma conjuntura internacional extremamente favorável, manejou com habilidade os dotes populistas em que se revelou um mestre para tornar-se um presidente tão popular como nunca antes na história deste país. 

 

Mas não há nada como o tempo para passar, e o partido que pretendia transformar o País se transformou na negação de si mesmo. A partir daí começaram as defecções de militantes importantes, muitos deles fundadores, decepcionados com os novos rumos, principalmente com os meios e modos com que o partido se instalou no poder. O mensalão por exemplo.

 

Hélio Bicudo tem gravada na memória uma das evidências do divórcio de seu ex-partido com o idealismo de suas origens. Ele conta que, no início do governo Lula, quando foi lançado o Bolsa-Família, indagou do então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, os objetivos do programa. Obteve uma resposta direta: "Serão 12 milhões de bolsas que poderão se converter em votos em quantidade três ou quatro vezes maior. Isso nos garantirá a reeleição de Lula". 

 

Com Dora Kramer, Josias de SouzaEstadão