sábado, 21 de outubro de 2023

O LEÃO DE WESTMINSTER

QUEM NÃO ACREDITA EM VIDA APÓS MORTE NÃO TEM POR QUE TEMER AS TORTURAS DO INFERNO NEM AS CHATURAS DO CÉU.

Winston Leonard Spencer Churchill (1874-1965) ingressou na política em 1900, serviu como Primeiro-Ministro do Reino Unido de 1940 a 1945 e de 1951 a 1955 e se tornou o político britânico de maior destaque no século XX. 

Em 1946, num de seus discursos, cunhou o termo "cortina de ferro", que foi largamente utilizado, durante a "Guerra Fria", como sinônimo da linha imaginária que separava os países capitalistas do bloco comunista comandado pela URSS. Embora não fosse o primogênito dos duques de Marlborough, sempre manteve um estilo de vida refinado: "Não sou exigente: contento-me com o que há de melhor", disse, numa de suas muitas tiradas espirituosas. 

Como cadete, o jovem Winston ganhava apenas £ 120 por ano, o que não o impediu de comprar cavalos de polo, manter uma conta no alfaiate (que levaria 6 anos para ser paga) e jantar regularmente no luxuoso Hotel Coburg. Aos 20 anos, descobriu que sabia escrever bem, e que esse talento lhe permitiria custear suas crescentes extravagâncias. 

Observação: Conforme eu mencionei nesta postagem, WC escreveu o ensaio Estamos sozinhos no Universo? — jamais publicado —, que versa sobre a vastidão do espaço, a existência de milhões de estrelas e a possiblidade de existir vida nos planetas que as orbitam.
 
Antes de ingressar na política, Churchill foi correspondente de guerra em Cuba, onde adquiriu o gosto por charutos. Consta que sua média diária era de 10 habanos
, que ele acendia o primeiro ao acordar e dormia com o último no cinzeiro, e que teria fumado 250 mil unidades, de várias marcas, entre 1895 e 1965. A cubana Habanos deu seu nome o formato conhecido conhecido como Julieta Nº 2 — um portentoso cilindro de tabaco de 178 mm de comprimento por 18,7 mm de diâmetro que proporciona mais de um hora de baforadas. 

Reza a lenda que, após um bombardeio alemão destruir a Dunhill da Jermyn Street, um funcionário telefonou ao premiê às 4h da manhã para garantir que seus charutos estavam intactos. O MI6 receava que os habanos que lhe eram presenteados pudessem estar envenenados — temor compartilhado pelo ditador cubano Fidel Castro, que tinha provadores para testar os charutos que ele fumava.
 
Churchill era bom de copo. Diz-se que tomou gosto pelo scotch na Índia — onde, segundo ele, havia apenas duas opções: água suja com chá ou água suja com uísque —, mas foi o champanhe que se tornou seu amigo inseparável (ele tomava 2 garrafas por dia e que entornou mais de 40 mil entre 1908 e 1965). Uma nota de compras na Randolph Payne & Sons da St. James’s Street lista 6 garrafas de vinho d’Ay seco (leia-se champanhe), 18 de Bordeaux, 6 de Porto leve e outras tantas de vermute, 18 de scotch 10 anos, 6 de brandy 1866 e 12 de licor de lima. (A Payne & Sons viria a ser, por mais de 40 anos, sua principais fornecedora de iguarias).

O premiê começava o dia com um cálice de vinho branco alemão, que tomava no café da manhã. Entre as refeições, bebia uísque. No almoço e no jantar, champanhe, Bordeaux e Vinho do Porto. Seu espumante favorito era o Pol Roger — a vinícola batizou seu champanhe top de linha como Cuvée Sir Winston Churchill, que só lançava nas melhores safras
 
A despeito de seu porte avantajado, Churchill se vestia com apuro. Já como jovem membro do Parlamento, escolhia costumes e sobretudos na Bernau & Sons ou na Henry Poole, bengalas e guarda-chuvas na Thomas Brigg, chapéus na Chapman & Moore e as inevitáveis gravatas-borboleta (estampadas com bolinhas) na Turnbull & AsserClementine Churchill, com quem foi casado por quase 60 anos — reclamava da extravagância de suas roupas íntimas de seda, que custavam "os olhos da cara",  mas ele se defendia dizendo que tinha pele delicada.

Além de bom copo e bom garfo, Churchill adorava receber. Ele escolhia pessoalmente os pratos, as bebidas, a música e a disposição dos convidados à mesa. O cardápio incluía caldos, ostras ou caviar, lagosta, siri, linguado ou truta, rosbife, paleta de cordeiro, foie gras e queijo gruyère  que o anfitrião arrematava com Dundee Cake (bolo escocês com frutas secas, rum e amêndoas), Yorkshire pudding e bombas de chocolate. Pratos da alta cozinha francesa também eram bem-vindos, assim como licor Benedictine. A cozinheira Georgina Landemare, que o serviu de 1939 até se aposentar, aos 72 anos, publicou em 1958 o livro Recipes from No. 10, com 360 receitas preparadas em Downing Street.

Apesar dos abusos etílicos e gastronômicos, Churchill foi um fenômeno como soldado, jornalista, político, orador, historiador, frasista e escritor — o que lhe valeu o Nobel de literatura —, viveu até os 90 anos e teve o nome perpetuado sob a forma de um charuto e um champanhe. E por falar (de novo) em bebidas, sua mãe (a norte-americana Jenny Jerome, que colecionou centenas de amantes, incluindo o rei Eduardo VII) teria inspirado a criação do famoso Manhattan

Consta que o coquetel foi preparado, pela primeira, durante um evento da campanha presidencial de Samuel Jones Tilden (que acabou derrotado por Rutherford B. Hayes), especialmente para Lady C, mas, de acordo com o historiador David Wondrich, no dia do rega-bofe, ela estava na Inglaterra dando à luz o futuro premiê, e que a bebida foi criada em 1860 por alguém de nome Black. Mas há quem atribua a paternidade (do drinque) a um certo Coronel Joe Walker, que misturou vermute com uísque durante um passeio de iate com amigos no Rio Hudson.
 
Observação: Segundo o Bartenders' Manual, para preparar um Manhattan comme il faut deve-se encher um copo grande com gelo, acrescentar 1 ou dois traços de xarope de goma, o mesmo tanto de bitter de laranja, 1 pitada de curaçao ou absinto, ½ taça (vinho) de rye ou bourbon, o mesmo tanto de vermute italiano, mexer bem (ou bater), coar em um copo de coquetel elegante (Martini ou Old Fashioned) e borrifar o sumo de uma casquinha de limão. Com o passar do tempo, a goma e o absinto saíram de cena, o marasquino virou guarnição e o Angostura bitter substituiu o bitter de laranja.

Em 2002, uma enquete promovida pela BBC elegeu o Leão de Westminster o maior britânico de todos os tempos, ainda que, como muitos de sua geração, ele fosse antissemita, simpatizasse com a "supremacia branca" e considerasse os indianos uma "raça inferior". Por outro lado, a despeito do que pensam os defensores do "politicamente correto", julgar alguém que cresceu na era eduardiana à luz dos padrões atuais e idiotice. Em que pesem suas falhas, Churchill foi um grande homem. 

Entre as muitas tiradas espirituosas do estadista britânico, destaco as seguintes:
 
"Amanhã estarei sóbrio, mas a senhora continuará feia" (resposta a Bessie Braddock (política do Partido Trabalhista), que o acusou de estar bêbado.

Nancy Astor (primeira mulher eleita para a Câmara dos Comuns), disse a ele que, se fosse sua mulher, envenenaria seu café. A resposta: "Se eu fosse seu marido, tomaria esse café."
 
Bilhete do dramaturgo Bernard Shaw acompanhado de dois ingressos: "Venha à estreia e traga um amigo, se você tiver algum." Bilhete de resposta: "Estou demasiado ocupado para ir à estreia, mas irei à segunda representação, se houver."
 
Bernard Montgomery (general britânico): "Não fumo, não bebo, durmo cedo, estou 100% em forma." A resposta: "Bebo muito, durmo pouco, fumo um charuto atrás do outro, estou 200% em forma." (outra versão dá conta de que o general disse: "Não fumo, não bebo, não prevarico e sou herói de guerra.", e que o premier comentou com um colega: "Eu fumo, bebo, prevarico e sou chefe dele."
 
Em seu 80º aniversário, disse um repórter: "Espero voltar a fotografá-lo na festa de seus 90 anos." Churchill retrucou: "E por que não, meu jovem? Você me parece bastante saudável." E q
uando completou 90 anos, perguntado por um repórter qual era o segredo de sua longevidade, ele respondeu: "O esporte, meu caro… eu nunca pratiquei".  

Pergunta (feita por um garotinho): "É verdade que você é o homem mais famoso do mundo?" Resposta: "É, sim. Agora, cai fora."
 
Para fechar com chave de ouro: "A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos". Tempos depois, WC teria acrescentado: "O melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano."